Os Muçulmanos Adoram O Mesmo Deus Que Os Católicos?

O CIC 841, citando a Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium 16, do Vaticano II, declarou:
"O desígnio de salvação envolve igualmente os que reconhecem o Criador, entre os quais, em primeiro lugar, os muçulmanos que declarando guardar a fé de Abraão, conosco adoram o Deus único e misericordioso que há-de julgar os homens no último dia".
Alguns dirão que esta declaração não indica que os muçulmanos acreditam no mesmo Deus que nós, porque apenas diz que "os muçulmanos... declarando guardar a fé de Abraão", e não que realmente a têm. Então, o que se passa?
Os padres do Concílio foram certamente cuidadosos ao dizer que os muçulmanos "declarando guardar...", mas não que eles "professam" acreditar em um único Deus. Diz que eles "declarando guardar a fé de Abraão". "A fé de Abraão" envolve mais do que simplesmente reconhecer que Deus é único. O CIC 59-64 ensina que "a fé de Abraão" inclui:
"O povo descendente de Abraão será o depositário da promessa feita aos patriarcas, o povo eleito, chamado a preparar a reunião, um dia, de todos os filhos de Deus na unidade da Igreja" (CIC 60)..
O Catecismo prossegue, apontando que as pessoas que possuem a verdadeira "fé de Abraão" incluem:
"Os patriarcas, os profetas e outras personagens do Antigo Testamento foram, e serão sempre, venerados como santos em todas as tradições litúrgicas da Igreja" (CIC 61).
Os parágrafos 63-64 do Catecismo continuam:
"Israel é o povo sacerdotal de Deus, sobre o qual «foi invocado o Nome do Senhor» (Dt 28, 10). É o povo daqueles «a quem Deus falou em primeiro lugar», o povo dos «irmãos mais velhos» na fé de Abraão. Pelos profetas, Deus forma o seu povo na esperança da salvação, na expectativa duma aliança nova e eterna, destinada a todos os homens … uma salvação que abrangerá todas as nações. Serão sobretudo os pobres e os humildes do Senhor … como Sara, Rebeca, Raquel, Míriam, Débora, Ana, Judite e Ester … Maria é a imagem puríssima desta esperança".
Os muçulmanos dificilmente poderiam ser incluídos neste número.
No entanto, é uma distorção afirmar, a partir disto, que os muçulmanos não acreditam verdadeiramente no único Deus verdadeiro, porque foi claramente, depois de terem dito que os muçulmanos "declarando guardar a fé de Abraão", que os Padres do Concílio declararam: "... conosco adoram o Deus único e misericordioso..."
Essas são duas declarações distintas:
- [Os muçulmanos] professam guardar a fé de Abraão.
- Conosco adoram o Deus único e misericordioso que há-de julgar os homens no último dia.
O CIC 841 também faz referência à Declaração do Concílio Vaticano II sobre a relação da Igreja com as religiões não cristãs, Nostra Aetate, 3, que torna o ensinamento do Concílio talvez ainda mais claro:
"A Igreja olha também com estima para os muçulmanos. Adoram eles o Deus Único, vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra, que falou aos homens e a cujos decretos, mesmo ocultos, procuram submeter-se de todo o coração, como a Deus se submeteu Abraão, que a fé islâmica de bom grado evoca".
Mais uma vez, vemos primeiro a declaração de que os muçulmanos "adoram eles o Deus Único..." feita sem qualificações. Em seguida, os padres dizem que o Islã submetem-se a Abraão. Isso não significa que existe uma ligação; significa, sim, que os muçulmanos fazem essa ligação. Mais uma vez, temos duas declarações claramente distintas.
O Deus muçulmano é o nosso Deus?
Há muitas coisas ensinadas no Islã que são tão radicalmente opostas ao que acreditamos como cristãos católicos, que alguns dirão: "Bem, talvez eles acreditem em um único Deus, mas o 'único Deus' em que acreditam não é o mesmo Deus em que acreditamos porque, por exemplo, o Alcorão ensina:
- As mulheres são inferiores aos homens (Sura 4,34).
- Os homens podem, e até devem, "bater" em suas esposas em algumas circunstâncias (Surata 4,34).
- A crença na crucificação e ressurreição de Cristo é falsa (Surata 4,157-159).
- A crença na divindade de Cristo é blasfêmia (Sura 5,72).
- A crença em Jesus Cristo como "o Filho de Deus" é um erro grave (Surata 19,35; 10,68).
- Os muçulmanos são ordenados a "lutar contra" os cristãos e todos aqueles que discordam deles. A Surata 9,29 diz: "Combatei aqueles que não crêem em Deus e no Dia do Juízo Final, nem abstêm do que Deus e Seu Mensageiro proibiram, e nem professam a verdadeira religião daqueles que receberam o Livro, até que, submissos, paguem o Jizya".
- Deus deseja tanto o mal moral quanto o físico. Na verdade, a Surata 37,96 diz, 'Ele [Allah] vos criou e ao que fazeis,' seja bom ou mau.
- 'Deus não aprecia os incrédulos' (Surata 3,32).
E isso é só pra citar algumas áreas de grande discordância. A gente poderia escrever volumes e volumes sobre os problemas com a doutrina muçulmana.
Muitos dizem que tem um ponto em que os erros sobre o que "o Deus Único, vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra" ensina ficam tão distantes da verdade que é preciso dizer que o Deus de que se fala não é mais "Deus" de jeito nenhum. Minha opinião é que, desde que uma pessoa compreenda a verdade metafísica básica de que Deus é "o único Deus misericordioso", então os erros relativos ao que Deus disse ou revelou sobre sua vida interior são simplesmente erros sobre essas coisas, não sobre Deus como o único Deus verdadeiro.
Alguns argumentarão que, se alguém apresentar, por exemplo, seu "Deus" como ensinando que o estupro de crianças pequenas é aceitável, então esse Deus não é Deus de forma alguma. E isso, eu diria, é verdade. Pode-se argumentar que esse "Deus" sofreria de um defeito moral e, portanto, não poderia ser Deus.
Mas mesmo que seja possível para uma pessoa (ou uma religião, como o islamismo) afirmar acreditar no único Deus verdadeiro, mas distorcer tanto o que Deus ensina que ela deixa de acreditar verdadeiramente no "único Deus verdadeiro" na realidade, nesse caso, de acordo com a Igreja, o islamismo não chegou a esse ponto em seus erros.
Assim, nós, católicos, temos que ter cuidado para distinguir entre o fato de que os muçulmanos acreditam no único Deus verdadeiro "vivo e subsistente, misericordioso e omnipotente, criador do céu e da terra", e o fato de que eles estão errados — profundamente errados — quando se trata tanto de quem Deus se revelou no Novo Testamento quanto do que Ele ensinou ao Seu povo.
Como católicos, não medimos palavras quando se trata de apontar os erros do Islã. Mas também precisamos começar por esclarecer as coisas sobre as quais concordamos.
Pergunte a um Santo – Ele sabe
O Papa São João Paulo II consegue um equilíbrio perfeito, conciso e sem concessões entre reconhecer o que os muçulmanos fazem de certo e questionar onde eles erram, em seu excelente livro, Cruzando o Limiar da Esperança. Depois de salientar que a Igreja tem "grande consideração pelos muçulmanos que adoram um Deus único, Deus único e misericordioso e onipotente, Criador do céu e da terra", ele observa, após refletir sobre o Islã e o Alcorão:

"Aquele que lê o Alcorão, conhecendo já bem o Antigo e o Novo Testamento, perceberá claramente o processo de redução a que a Revelação divina ali foi submetida. É impossível não se impressionar com a incompreensão que ali se manifesta acerca daquilo que Deus disse de Si mesmo: primeiro no Antigo Testamento, por meio dos profetas; depois, de maneira definitiva, no Novo Testamento, por meio de Seu Filho. Toda essa riqueza da auto-revelação de Deus, que constitui o patrimônio do Antigo e do Novo Testamento, foi, de fato, deixada de lado no islã. O Deus do Alcorão é invocado com os mais belos nomes conhecidos na linguagem humana. Mas, no fim das contas, trata-se de um Deus que permanece estrangeiro ao mundo.Um Deus que é apenas Majestade, e jamais Emmanuel, o «Deus-conosco». O islã não é uma religião de redenção. Ele não oferece qualquer espaço para a Cruz e para a Ressurreição" (pag. 92).
São João Paulo reconhece primeiro a verdade de que os muçulmanos estão certos quando professam a fé em um único Deus. Só então ele aponta que eles estão tão errados quanto possível no que diz respeito ao que Deus nos revelou nas Escrituras sobre quem Ele é, eu acrescentaria, o que Ele pede ao Seu povo por meio dos Seus mandamentos.
Autor: Tim Staples
Original em inglês: Catholic Answers
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