Uma Resposta Dogmática

27/08/2023
Jesus entregando as chaves da Igreja a São Pedro de Jean Auguste Dominique Ingres, 1820 [Museu Ingres Bourdelle, Montauban, França]
Jesus entregando as chaves da Igreja a São Pedro de Jean Auguste Dominique Ingres, 1820 [Museu Ingres Bourdelle, Montauban, França]

O Evangelho de Mateus 16,13-20 é um dos mais caracteristicamente católicos – e até mesmo papais. Ele contém as palavras de autoridade de Cristo a Simão Pedro: a mudança de seu nome, a entrega das chaves, a promessa à Igreja edificada sobre ele.

Agora, a tentação católica é saltar imediatamente para a importância dessa cena para estabelecer e defender a autoridade papal e eclesial. De fato, como o texto indica, nosso Senhor construiu sua Igreja sobre Pedro e sobre nenhum outro; ele deu as chaves a Pedro e a nenhum outro. Mas essa passagem contém um princípio ainda mais fundamental, sem o qual não podemos entender adequadamente o papado ou a autoridade eclesiástica.

As palavras mais importantes de nosso Senhor nessa passagem não são a renomeação de Simão e a entrega das chaves, mas o que vem antes. Em resposta à confissão de fé de Simão Pedro, Jesus proclama solenemente: "Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus".

Estas palavras afirmam não apenas a fé pessoal de Simão Pedro, mas também a sua resposta dogmática. Elas confirmam o que São John Henry Newman* chama de "princípio do dogma, isto é, verdades sobrenaturais irrevogavelmente comprometidas com a linguagem humana, imperfeita porque é humana, mas definitiva e necessária porque dada de cima".

As palavras de Simão Pedro não são apenas uma aspiração piedosa, mas também um dogma teológico. De fato, elas podem ser piedosas precisamente porque são dogmáticas. Sem dogma, a piedade é vazia. Suas palavras expressam a verdade sobre a Pessoa de Jesus. Elas servem como meio de proclamar essa verdade aos outros e transmiti-la às gerações seguintes. Mais importante ainda, a aprovação de nosso Senhor à declaração dogmática de Simão Pedro afirma o princípio de que podemos falar inteligivelmente sobre o divino.

O princípio do dogma é colocado em contraste, antes de tudo, com a criatividade humana: "não foi carne ou sangue que te revelaram isso". A fé da Igreja é recebida de Deus, não é fabricada pelo homem. Ela não é uma coleção de ideias meramente humanas. Nosso conhecimento de Deus também não vem de nossa própria inteligência ou percepção. Nossa fé vem do Pai de Cristo que está nos céus. Ele falou Sua Palavra ao mundo de tal maneira que podemos não apenas recebê-la, mas também transmiti-la.

Mas nossa natureza humana decaída não quer receber nada. Isso indicaria uma falta de liberdade. Preferimos imitar Eva e interpretar. Somos tão escravos de nossa autonomia que rejeitamos até mesmo a natureza dada/recebida de nossos próprios corpos e escolhemos nos identificar como outra coisa.

Da mesma forma, nos rebelamos ao pensar em uma verdade que nós mesmos não inventamos. Portanto, em vez de dogma, as pessoas falam sobre as "políticas" ou "posições" da Igreja. A Igreja mudará sua política com relação às mulheres sacerdotes? E quanto à posição da Igreja sobre o aborto? A recusa em receber a fé de acordo com o princípio do dogma significa que não temos nada seguro ou certo, mas apenas regras não fixas.

"Não foi carne ou sangue que te revelaram isso". O princípio do dogma também é colocado em contraste com a opinião popular. Toda essa cena do Evangelho começa com a pergunta de nosso Senhor: "Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?". Os resultados dessa primitiva pesquisa de opinião pública são desanimadoras e previsíveis.

As multidões não sabem quem Ele é. Mas isso não surpreende Nosso Senhor. Afinal de contas, Ele não faz a pergunta para aprender algo. Ele pergunta para que os apóstolos aprendam a não procurar a verdadeira fé na opinião pública.

A fé católica não é obtida por meio de pesquisas, sondagens de opinião, referendos ou mesmo sínodos. Ela vem de Deus. Esses outros instrumentos, às vezes, são úteis para entender a melhor forma de expressar e transmitir a fé. Mas a fé em si é de origem divina. O fato de não aderir ao princípio do dogma inevitavelmente leva os membros da Igreja a correr atrás da opinião pública, tentando desesperadamente moldar a fé de acordo com o que os outros acham que ela deveria ser.

O princípio do dogma também tem um enorme significado para a vida interior e o governo da Igreja. É por isso que devemos apreciar esse princípio prévio às promessas de Nosso Senhor a Pedro e à Igreja. A autoridade eclesiástica e a autoridade papal fluem somente do princípio do dogma e, por sua vez, estão a serviço dele. Pedro recebe autoridade não para seus próprios propósitos ou prazeres, mas para tornar conhecida a verdade de Jesus Cristo que ele mesmo professou.

A Igreja será governada ou pela verdade ou pelo poder. É claro que isso é verdade para qualquer instituição, em um grau ou outro. Mas para a Igreja, cuja própria vida vem da revelação do Pai, é ainda mais importante que ela seja governada pela verdade. Se a verdade dogmática não governa, então a afirmação do poder é a única alternativa. O clericalismo é, no final das contas, exatamente essa valorização do poder, da influência e do controle humanos sobre a autoridade da verdade e do dogma.

Por fim, e mais importante, o princípio do dogma serve ao nosso relacionamento pessoal com Jesus Cristo. Isso, é claro, vai contra a mentalidade atual que contrasta relacionamentos (bons) e dogmas (maus). Mas o homem que confessa: "Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo", é absolutamente devotado a Jesus pessoalmente e, portanto, deseja conhecê-lo mais. Portanto, a ele deve ser confiada a autoridade para levar outras pessoas a conhecer Cristo pessoalmente e fazer a mesma confissão de fé.

Autor: Pe. Paul D. Scalia

Original em inglês: The Catholic Thing