Junho: O Mês Do Sagrado Coração

04/06/2023
Retábulo da Capela do Sagrado Coração por Corrado Mezzana, 1922 [Santa Maria Sopra Minerva, Roma, Itália]. O Sagrado Coração de Jesus adorado pela Beata Maria do Divino Coração (1863-1899) e Santa Margarida Maria Alacoque (1667-1690)
Retábulo da Capela do Sagrado Coração por Corrado Mezzana, 1922 [Santa Maria Sopra Minerva, Roma, Itália]. O Sagrado Coração de Jesus adorado pela Beata Maria do Divino Coração (1863-1899) e Santa Margarida Maria Alacoque (1667-1690)

Este mês de junho é dedicado ao Sagrado Coração de Jesus. O amor de Deus manifestado no Cristo crucificado tem sido um foco de devoção e piedade desde o início do cristianismo. Mas a devoção particular ao coração de Cristo apareceu pela primeira vez na Idade Média.

A devoção ao Sagrado Coração, tal como a conhecemos hoje, surgiu com seriedade na França do século XVII por meio das revelações recebidas por Santa Margarida Maria Alacoque com a ajuda de seu diretor espiritual, o jesuíta São Cláudio La Colombière.

No século XVIII, a devoção ao Sagrado Coração – e os atos formais de consagração ao Sagrado Coração – se espalharam pela França e além. Durante a Revolução Francesa, o Sagrado Coração tornou-se um emblema dos leais católicos que se opunham às forças anticlericais e ateístas da revolução. Contra-revolucionários católicos na Vendéia usavam insígnias com a imagem do Sagrado Coração.

Em 1856, o Papa Pio IX estabeleceu a Festa do Sagrado Coração para a Igreja universal. Em 1899, o Papa Leão XIII emitiu uma encíclica, Annum Sacrum, declarando que, na "igreja principal de toda cidade ou aldeia", os fiéis de todo o mundo deveriam ser solenemente consagrados ao Sagrado Coração de Jesus.

Leão desejava que a devoção unificada da Igreja ao Sagrado Coração de Jesus fosse um lembrete poderoso, para os próprios fiéis e para o mundo em geral, da realeza de Cristo sobre toda a criação - uma realeza que Ele detém tanto por direito quanto o Filho de Deus quanto em virtude do terrível preço que pagou para resgatá-lo.

Também entre as razões dadas pelo Papa Leão para exortar a Igreja a esta consagração estava sua permanente preocupação com o aumento da impiedade, particularmente entre as nações cristãs. Ele via a religião sendo cada vez mais excluída da vida pública, "um muro de divisão entre a Igreja e a sociedade civil".

Tal desrespeito pela autoridade da lei sagrada e divina na vida pública, escreveu Leão, "de tal forma se quer arrancar a fé em Cristo, e se fosse possível, banir o próprio Deus da terra". Ele passou a descrever um estado de coisas que tem uma estranha semelhança com nossos próprios tempos turbulentos e ansiosos:

Com tamanha temeridade de ânimos, não há de que se admirar que grande parte da humanidade esteja envolvida em tal desordem e presa por estorvo tão grave que não deixe mais ninguém viver sem temores e perigos? Não há dúvida que com o desprezo da religião, são atingidas as bases mais sólidas da incolumidade pública. Justo e merecido castigo de Deus aos rebeldes que, abandonados às próprias paixões e escravos de sua própria cobiça, acabam vítimas de sua libertinagem.

Este é um dos grandes temas, talvez o grande tema, do pontificado do Papa Leão XIII. Quando o homem, em seu orgulho, tenta se "libertar" de Deus, ele se torna escravo de suas paixões. Quando o homem se esquece de Deus, perde de vista a si mesmo.

O Papa João Paulo II resumiria a posição leonina, quase um século depois que "uma liberdade que por si própria recusasse vincular-se à verdade, degeneraria em arbítrio e acabaria por submeter-se às paixões mais vis, e por se autodestruir".(1)

Não é difícil ouvir naquelas palavras prescientes do Papa Leão, o eco da carta de São Paulo aos Romanos. "Por isso, Deus os entregou aos desejos dos seus corações, à imun­dície, de modo que desonraram entre si os próprios corpos. Pelo que Deus os abandonou aos desejos do seu coração, à imundície, de modo que desonraram os seus próprios corpos.Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura em vez do Criador, que é bendito pelos séculos".

Esta é a mesma história de rebelião orgulhosa que descobrimos ao longo da salvação - desde os israelitas obstinados se rebelando no deserto, até a torre de Babel, até a própria Queda, quando Adão e Eva receberam a promessa de que sua desobediência os tornaria como deuses.

Esta é a história da raça humana, em sua simplicidade exasperante e estupidez obstinada: Tentados em nosso orgulho a ser como deuses, nos rebelamos contra Deus, que nos criou para sermos como Ele mesmo.

E, no entanto, por tudo isso, "o Filho Unigénito de Deus, querendo que fôssemos participantes da sua divindade, assumiu a nossa natureza para que, feito homem, fizesse os homens deuses", em famosa frase de Santo Atanásio.(2)

Por isso, a devoção ao Sagrado Coração de Jesus não é menos digna e importante em nossos dias do que na França do século XVII, ou na Idade Média, ou aos pés do Calvário. O Sagrado Coração de Jesus é o antídoto perfeito para o orgulho em nossos corações. Deus nos ama com um coração humano para que aprendamos a participar de seu amor divino.

Naquele "Sagrado Coração de Jesus … nele são postas todas as nossas esperanças;"  escreveu o Papa Leão, "dele devemos implorar e esperar a salvação."

No Sagrado Coração de Jesus, descobrimos a humildade de Deus que supera e destrói o orgulho. Em Seu Coração Sagrado e Sofredor, nossos próprios corações são movidos à contrição. Em seu Sagrado Coração, nosso próprio egoísmo é queimado no fogo consumidor de Seu amor e misericórdia. Em Seu Sagrado Coração encontramos o amor que criou, ordenou e sustenta todas as coisas. Em Seu Sagrado Coração encontramos a força e a graça de amar como Ele ama.

Em Seu Sacratíssimo Coração encontramos refúgio e paz mesmo em meio – especialmente em meio – às provações e tribulações da época.

Autor: Stephen P. White

Original em inglês: The Catholic Thing


Notas:

(1) - Carta Encíclica Centesimus annus, Papa São João Paulo II, 1 de maio de 1991.

(2) - Atanásio de Alexandria, Sermão sobre o Verbo encarnado, 54. Também Santo Agostinho: "Deus se fez homem para que o homem se tornasse Deus" (Sermo 13 de Tempore: PL 39, 1097-1098).