Acompanhar Nossos Entes Queridos No Purgatório

29/06/2021

Não estamos separados de nossos entes queridos no purgatório. Ainda estamos unidos a eles pela graça.

Alguns protestantes criticam a doutrina do purgatório dizendo que são "más novas" em contraste com as "boas novas" de salvação reveladas na Bíblia. Mas nada poderia estar mais longe da verdade. A doutrina católica do purgatório é de fato uma boa nova, até mesmo fornecendo consolo para os fiéis. Ela faz isso de diversas maneiras.

Por um lado, o purgatório consola os fiéis que lutam contra o pecado. Estamos todos muito familiarizados com nossas próprias fraquezas. Pode ser um excesso de uso de Netflix, ficar mandando mensagens pelo celular quando alguém está tentando conversar com você, uma breve complacência com um pensamento pouco caridoso, uma falha em atender prontamente às necessidades de seu cônjuge ou amigo quando poderia fazê-lo. A lista não para.

Seria muito difícil passar um dia sem ficar aquém da perfeição cristã de alguma forma, pelo menos para nós, pessoas comuns. Essa tarefa seria heróica. Os heróis são raros!

Agora pense no fato de que a morte pode nos surpreender a qualquer momento. Jesus diz: "O Filho do Homem virá em numa hora em que menos pensardes" (Mateus 24, 44). Em outro lugar, Ele diz, "Lembra-te de como recebeste e ouviste a doutrina. Observa-a e arrepende-te. Se não vigiares, virei a ti como um ladrão, e não saberás a que horas te surpreenderei."

Se a morte pode vir sobre nós tão rapidamente, e estamos tão mal ajustados espiritualmente como estamos, parece que não há esperança de entrarmos na glória do céu. Podemos morrer com a nossa vontade e objetivo de vida voltados para estamos totalmente unidos a Deus, mas a culpa do pecado venial e os efeitos do pecado nos impediriam de entrar em tal glória. O desespero da salvação final seria inevitável - isto é, se o purgatório não fosse real.

O purgatório remedia aquele desespero e infunde alegria na alma. Isso permite que os fiéis que amam a Jesus, mas continuam a lutar contra o pecado em suas vidas, saibam que suas deficiências contra a perfeição cristã não são suficientes para garantir que sejamos afastados da glória do céu. O que há de tão ruim nisso?

O purgatório também nos consola, pois manifesta o amor de Deus por nós. Deus nos ama tanto que faz tudo o que pode para possibilitar que estejamos unidos a ele, inclusive nos dando uma oportunidade pós-morte de sermos libertos do pecado venial e de quaisquer resquícios de pecado que nos impeçam de entrar no céu.

O amor de Deus por nós não faz parte das "boas novas" do Evangelho? Claro que faz! O purgatório é uma doutrina que manifesta esse amor por nós. E tudo isso se aplica àqueles que amamos também. Assim, o purgatório nos consola não apenas em relação à nossa própria entrada no céu, mas também em relação aos nossos entes queridos.

O purgatório nos dá a garantia de que, embora nossos entes queridos morram sem a santidade perfeita necessária para o céu, sabemos que eles não serão excluídos para sempre de lá. O falecido pesquisador Mariano Pe. Martin Jugie(1) descreve isso de maneira linda:

Aqueles que seguem o caixão com pesar, são consolados com os pensamentos da misericórdia de Deus; da expiação do pecado venial e da limpeza das feridas, deixadas pelo pecado mortal, após a morte; de circunstâncias atenuantes que podem ter tornado certos pecados em venial para o falecido querido. O coração angustiado, dilacerado de pavor pelo destino do ente querido, agarra-se a esta última esperança e aí encontra consolo e alguma paz.

Isso é uma boa nova!

Em seguida, a doutrina do purgatório fornece consolo ao fiel porque oferece a esperança de que nossos entes queridos, que morrem com imperfeições, não sejam excluídos para sempre do céu. Mas o fiel ainda pode ficar desanimado com o pensamento de que se seu ente querido ainda não está no céu e, assim, ele não pode ter um relacionamento com essa pessoa no momento presente. Ele teria que esperar.

Nada poderia estar mais longe da verdade. A doutrina do purgatório implica que podemos ajudar nossos entes queridos no purgatório, oferecendo a Missa, orações, indulgências, esmolas e outras obras de amor por eles. Isso se baseia na crença cristã na comunhão dos santos, que inclui as almas do purgatório.

As almas santas ainda são membros do Corpo Místico de Cristo. A morte não os separou de nós. Como São Paulo escreve, "Quem nos separará do amor de Cristo? ... a espada? ... "Pois estou convencido de que nem a morte, ... nem outra qualquer criatura nos poderá apartar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor." (Rm 8,35, 38-39)

Disto se segue que não estamos separados de nossos entes queridos que podem estar no purgatório. Ainda estamos unidos a eles pela graça. Consequentemente, nosso relacionamento com eles pode continuar. Não temos que esperar até que eles cheguem ao céu. Isso fornece um grande consolo ao fiel. Isso definitivamente não é uma má nova.

Alguns protestantes dizem que estamos obscurecendo a verdadeira distinção entre as dimensões visível (cristãos na terra) e invisível (cristãos no purgatório) do único Corpo de Cristo. Só porque há um só corpo, como é argumentado, isso não quer dizer que a nossa relação com cada dimensão seja a mesma.

É verdade que nosso relacionamento com nossos entes queridos no purgatório não é a mesma que o nosso relacionamento com eles aqui na terra. Mas o relacionamento que temos com eles pela graça é o mesmo. Na verdade, é ainda melhor porque eles são confirmados na graça sem a possibilidade de cair dela. Disto se segue que o relacionamento com eles é seguro, desde que nós permaneçamos na graça.

Este relacionamento que temos com eles pela graça é o que nos permite continuar a expressar amor por eles, mesmo que não seja o mesmo tipo de expressão de amor de quando eles estavam na terra. Não podemos ouvi-los ou vê-los quando falamos com eles. Não podemos dar um abraço neles. Mas podemos rezar por eles e desejar o que é bom para eles, ou seja, a remoção de quaisquer impedimentos à entrada no céu.

O relacionamento pode não ser o mesmo. Mas é um relacionamento mesmo assim!

Uma justificativa para isso é que as almas do purgatório são aperfeiçoadas na caridade. Visto que a caridade envolve não apenas o amor a Deus, mas também o amor ao próximo, e o amor ao próximo se expressa na oração de intercessão, parece razoável concluir que as almas do purgatório expressariam seu amor intercedendo por nós.

Que nossos entes queridos no purgatório estejam rezando por nós é um pensamento consolador. Sua oração por nós, e nosso pedido particular por suas orações, é uma maneira pela qual mantemos um relacionamento com eles.

É uma boa nova saber que temos amigos que não podem vacilar na caridade e estão constantemente rezando por nós. Pois S. Tiago diz, "A oração do justo tem grande eficácia." (S. Tiago 5,16).

A consolação que podemos fornecer às santas almas no purgatório, por sua vez, nos traz consolação. Santo Tomás de Aquino ensina que amar é "desejar o bem a alguém", "assim como ele deseja o bem a si mesmo".

Segue-se desta definição de amor que o bem que as almas no purgatório experimentam ao terem seus impedimentos ao céu removidos é experimentado como nosso próprio bem. Isso significa que a consolação deles é a nossa consolação; sua fonte de alegria é nossa fonte de alegria. Como escreve o falecido Frank Sheed(2), "há uma alegria especial para o católico em rezar pelos seus mortos, se há nele o simples sentimento que ainda há algo que ele possa fazer pelas pessoas que amava na terra".

Original em inglês: Catholic Answers

Obs: Como sugestão, recomendamos o livro "O Que É o Purgatório" do Pe. F.X. Schouppe, S. J. que pode ser adquirido aqui.

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Notas:

(1) - Pe. Martin Jugie é considerado como um dos principais estudiosos Marianos do século XX e serviu como um dos principais colaboradores para a definição da Assunção de Nossa Senhora pelo Papa Pio XII. Sua obra Theologia dogmatica christianorum orientalium (Teologia Dogmática dos Cristãos Orientais), em cinco volumes, foi considerado a "suma" teológica do pensamento religioso do Oriente cristão, o auge de uma ilustre carreira acadêmica.

(2) - Conhecido por sua mente afiada e clareza de expressão, Frank J. Sheed se tornou um dos apologistas católicos mais famosos do século XX. Ele foi um excelente orador e pregador público. Em 1957 recebeu o doutoramento honoris causa em Teologia Sacra, autorizado pela Sagrada Congregação dos Seminários e de Universidades em Roma. Um de seus livros - Um Mapa Para a Vida - foi traduzido para o português e pode ser encontrado aqui.