‘Venite Adoremus’
"Mas todos nós temos o rosto descoberto, refletimos como num espelho a glória do Senhor e nos vemos transformados nessa mesma imagem, sempre mais resplandecentes, pela ação do Espírito do Senhor" (2 Corinthians 3,18).
Embora esse versículo não apareça na liturgia do Natal, ele está no centro do mistério do Natal. Essa festa é uma festa de olhar e ver, de contemplar e ser transformado. Os anjos pediram aos pastores que fossem ver a criança deitada em uma manjedoura. João nos diz: "E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e vimos sua glória". Cantamos: Vinde, vinde para Belém. … Venite adoremus. … Ó vinde adoremos.
Agora, contemplar significa mais do que apenas olhar ou ver. Significa tomar posse internamente daquilo que vemos externamente e, assim, permitir que isso nos mude. Contemplar Cristo significa ser tomado por Ele. O ato de contemplar Cristo tem o objetivo de nos transformar Naquele que adoramos.
Jesus Cristo, o bebê deitado na manjedoura, é o Deus invisível que se tornou visível. Ele veio ao mundo exatamente para que possamos olhar e contemplá-Lo. Estamos orando por isso. Repetidamente, durante todo o Advento, suplicamos: "Faze tua face brilhar, e seremos salvos!". Agora, como Zacarias, vemos que nossa oração foi atendida mais do que jamais poderíamos imaginar. Ao assumir nossa natureza humana, Ele se torna visível. Velada em carne, o Deus vê…
Temos um indício dessa realidade no Monte Sinai. O rosto de Moisés ficou radiante depois de suas conversas com o Senhor. Tão radiante que ele teve de cobri-lo com um véu, para que sua glória não subjugasse os israelitas. Algo semelhante aconteceu com Bernadette de Lourdes durante as aparições marianas de 1858. Quando ela olhou para Nossa Senhora, seu rosto adquiriu um brilho de qualidade sobrenatural. Ela se tornou semelhante ao que contemplava.
De fato, sempre nos tornamos semelhantes ao que contemplamos. Somos inevitavelmente dominados por aquilo que contemplamos. Isso tem implicações importantes para nossa cultura saturada de telas. Todos os nossos dispositivos nos levam a olhar para o que é, na melhor das hipóteses, superficial e passageiro. Se nos tornarmos como o que contemplamos, então todas as nossas telas piscantes e imagens fugazes estão nos tornando superficiais - menos atentos, menos reflexivos, menos inclinados a olhar para uma coisa … ou em uma pessoa. Estamos sendo transformados à semelhança delas, de um grau de superficialidade para outro.
Venha e contemple-O. Como O contemplamos? Como O miramos? Ainda não O vemos face a face em Sua sagrada humanidade, como Maria e José viram. Mas nós O vemos, primeiro, em nossa mente, em nossa oração, em nossa meditação sobre as cenas do Evangelho. Essa festa coloca a manjedoura diante de nós, para que possamos contemplá-Lo com Maria e José. Visitar a gruta, olhar para o bebê na manjedoura, é uma coisa de criança e deve ser feita por todos os filhos de Deus. Assim, podemos nos transformar mais na Criança que adoramos.
Todas as figuras dessa cena são transformadas. Maria, José e os pastores estão todos voltados para a criança. A luz do Cristo recém-nascido brilha em cada rosto. E cada pessoa é transformada ao contemplar o Cristo. Maria, como toda mãe, é transformada para sempre ao contemplar o Filho que deu à luz. José é transformado para sempre ao contemplar o Deus a quem ele chamará de "Filho" e que o chamará de "Abba".
Os pastores contemplam a criança, dormindo entre as ovelhas. Ele é tanto o Cordeiro de Deus quanto o Bom Pastor. Ele se tornou como alguém sob seus cuidados e um deles. Ele dignificou a eles e a seus rebanhos. Em breve, quando os magos O contemplarem, eles serão transformados no conhecimento da verdadeira realeza. Suas vidas serão tão transformadas que eles deverão, como diz São Mateus, voltar para sua terra por outro caminho.
O tempo diante da majedoura deve nos transformar. Contemplamos Aquele que se tornou pequeno e indefeso por nossa causa. Que Se tornou dependente de Suas próprias criaturas e da criação. Que não veio para condenar, mas para chamar à conversão. Que, como um bebê, pede para entrar em nossa vida e ser amado. Que tipo de pessoas devemos ser agora? Como devemos viver, já que Deus se humilhou tanto por nós? Não podemos sair inalterados.
São Paulo diz que contemplamos a glória de Deus com o rosto descoberto. Isso significa que devemos remover tudo o que nos afasta Dele. Precisamos ser honestos e sinceros com Deus. Contemplá-Lo com o rosto descoberto significa remover qualquer superficialidade ou pretensão que colocamos para mantê-Lo à distância. Significa permitir que Ele nos contemple como somos, em nossa fraqueza, sem qualquer pretensão.
Acima de tudo, contemplamos Cristo na Eucaristia. Depois que o padre pronuncia as palavras da Consagração – este é o meu Corpo – ele levanta a Hóstia para que todos vejam. Naquele momento, você contempla Cristo tanto quanto Maria, José e os pastores.
Venite adoremus. Contemple Aquele que antes estava envolto em faixas e agora está envolto na forma de pão. Antes da Comunhão, o padre segura a Hóstia e proclama: "Eis o Cordeiro de Deus". Levante os olhos e veja Aquele que hoje nasceu em Belém para que também pudesse vir habitar em você sob a forma de pão.
Autor: Pe. Paul D. Scalia
Original em inglês: The Catholic Thing