Uma Verdade Insuficiente

24/06/2024

Carl Gustav Jung (1875-1961) foi o psicanalista suíço e fundador da Psicologia Analítica, cujas contribuições para a área podem acabar sendo mais duradouras (e mais próximas da verdade) do que as de seu mentor, amigo e antagonista Sigmund Freud. Ambos acreditavam que o desenvolvimento sexual era importante, mas Jung achava que a personalidade humana não era impulsionada pela libido como Freud insistia que era. Jung via um propósito espiritual na vida humana.

Seu trabalho foi influenciado por sua formação cristã, e ele estava entre os poucos cristãos da primeira geração de psicólogos.

Fico fascinado com o que Jung disse sobre a "morte de Deus" na cultura moderna, que ele acreditava estar no centro do projeto modernista/niilista: isso não significa que Deus foi totalmente rejeitado, mas que Ele desceu ao subconsciente. Talvez isso seja uma recapitulação da crucificação e sepultamento de Cristo. Portanto, se Jung estava certo, podemos supor o que acontece em seguida: uma ressurreição.

No entanto, quando um amigo se converteu ao catolicismo, Jung escreveu para ele: "Sou a favor daqueles que estão fora da Igreja". Tenho a sensação de que isso também pode ter sido verdade - pelo menos até agora - para o psicólogo junguiano contemporâneo, Jordan Peterson (autor de 12 Regras para a Vida), cuja esposa, Tammy, entrou para a Igreja Católica na Páscoa passada. Se Jordan seguirá ou não o mesmo caminho continua sendo uma questão em aberto, mas ele deveria.

Acredito que o Dr. Jordan Peterson possa ser uma figura em transição. No mínimo, ele está - por meio de seus livros e palestras extremamente populares - levando muitos jovens a reconsiderar o papel que a Bíblia pode desempenhar para ajudá-los a melhorar suas vidas. Mas Jordan Peterson também é uma figura em transição porque ele é (ou certamente parece ser) um homem em transição, e para chegar aonde ele quer chegar pode ser necessário romper com Jung.

Jung era cristão apenas de nome – e apenas isso. Talvez seja melhor dizer que ele era gnóstico. A sua apreciação da fé residia na sua utilidade vis-à-vis o ateísmo ('vis-à-vis' era um termo artístico de Jung), na medida em que o summum bonum, a ideia de Deus, está no centro do inconsciente coletivo - a expressão mais famosa de Jung..

Esse inconsciente coletivo é povoado por instintos e arquétipos que se manifestam em mitos que surgiram em culturas díspares ao longo da história e em todo o mundo e, em alguns casos, são anteriores a qualquer interação entre essas culturas. E mais do que isso, esses mitos surgem por meio de imagens mentais em sonhos, criando congruência e unidade entre uma cultura e cada um de seus indivíduos.

Isso guarda semelhanças com os trabalhos de Thomas Bulfinch (Da Mitologia), James George Frazer (O Ramo de Ouro) e, mais tarde, Joseph Campbell (O Herói de Mil Faces); e pode ser que até que guarde. Mas mesmo que haja alguma verdade nisso, certamente é uma verdade insuficiente.

Em suas diversas conversas por vídeo com Bispo Robert Barron – algumas delas antes de We Who Wrestle with God(1), Jordan Peterson é visto balançando a cabeça e tomando notas enquanto o bispo explica a compreensão católica de algumas partes do Gênesis, Êxodo, ou o Livro de Jó. (Dê uma olhada na conversa deles sobre Moisés e a Sarça Ardente.)

Jordan Peterson muitas vezes parece estar evocando a famosa prova ontológica de Anselmo de Canterbury:

Mas o ser do qual não é possível pensar nada maior não pode existir somente na inteligência. Se, pois, existisse apenas na inteligência, poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; o que seria maior. Se, portanto, o ser do qual não é possível pensar nada maior existisse somente na inteligência, este mesmo ser, do qual não se pode pensar nada maior, tornar-se-ia o ser do qual é possível, ao contrário pensar algo maior: o que, certamente é absurdo. Logo, o ser do qual não se pode pensar nada maior existe, sem dúvida, na inteligência e na realidade(2)

Jordan Peterson, no entanto, dá um toque tomista a isso ao dizer, essencialmente, que Deus é o fim máximo por trás de todos os fins - o summum bonum, como o bispo D. Barron o lembra.

O bom bispo também deixa claro para Jordan Peterson que Deus não é um ser com 's' minúsculo, em competição com outros seres, especialmente os seres humanos. Ele é o próprio Ser. Jordan Peterson anota isso. E tanto quanto (se não mais) o que o ateísmo puro de Sigmund Freud, Friedrich Nietzsche ou Jean-Paul Sartre, o agnosticismo brando que rejeita Deus como uma barreira à liberdade humana é o que está atormentando a modernidade. Jordan Peterson entende isso. Mas mesmo quando fala da Encarnação, percebe-se que ele se esquiva - que aceita o poder da história, mas não necessariamente o de Nosso Senhor.

E assistindo a trechos de vídeos da turnê 2024 de Jordan Peterson(3) (com o mesmo título de seu novo livro), tenho a impressão de um homem que ainda está lutando para entender sobre o que está falando. E é quase como se as pessoas em suas plateias tivessem desembolsado entre US$ 50 e US$ 450 por assentos para assistir a esse homem extraordinário resolver seus próprios pensamentos e sua própria salvação.

É um show e tanto.

Homens como o romancista francês Michel Houellebecq, Tom Holland (autor de Domínio) e Richard Dawkins (autor de Deus, um Delírio) são incrédulos, cada um dos quais se considera, como Dawkins diz, um "cristão cultural … e acho que seria realmente terrível se substituíssemos [o cristianismo] por qualquer religião alternativa". Para Jordan Peterson, entretanto, isso parece insuficiente.

Veja bem, este homem corajoso está fazendo um grande bem agora mesmo no espaço intelectual neojunguiano e quase cristão que ocupa. Mas a história de Jordan Peterson não terá um final verdadeiramente feliz a menos que ele siga sua esposa no abraço do Caminho, da Verdade e da Vida. A este respeito, somos encorajados pela devoção de Tammy Peterson ao Rosário.

Rezemos para que Jordan siga o caminho traçado por C.S. Lewis:

Ao desfrutar de um grande mito, chegamos mais perto de vivenciar como algo concreto o que, de outra forma, pode ser entendido apenas como uma abstração. … O cerne do cristianismo é um mito que também é fato. O velho mito do deus que morre, sem deixar de ser mito, desce do céu da lenda e da imaginação para a Terra da história. Ele acontece — em uma data específica, em um lugar específico semido nor consequências históricas definíveis. (Em seu livro, Deus no Banco dos Réus).

Talvez seja a hora do Dr. Jordan Peterson passar das Escrituras Hebraicas para João 1, 1-18. Uma verdade bíblica só pode ser totalmente conhecida dentro da fé.

Autor: Brad Miner

Original em inglês: The Catholic Thing 



Notas:

(1) Em uma tradução livre: Nós Que Lutamos com Deus

(2) ANSELMO. Proslógio. p. 102