Um Retrato Esclarecedor Do Jovem Jesus

03/11/2024
Cristo encontrado no Templo, por Simoone Martini, 1342 [Walker Art Galler, Liverpool, England, atualmente emprestado ao MET]
Cristo encontrado no Templo, por Simoone Martini, 1342 [Walker Art Galler, Liverpool, England, atualmente emprestado ao MET]

"Siena: A ascensão da Pintura" foi recentemente inaugurada no Metropolitan Museum of Art e recebeu ótimas críticas. Uma coleção de mais de 100 objetos de todo o mundo, a exposição traça o surgimento de Siena, uma importante parada ao longo da Via Francigena que liga Roma a Canterbury, como um ponto de apoio da inovação artística no auge do Renascimento.

Uma das obras mais comentadas aparece no final da exposição: "Cristo Encontrado no Templo" (1342), de Simone Martini. A pintura chama a atenção por seu tema - o jovem Cristo é geralmente retratado "sentado no meio dos doutores, ouvindo-os e interrogando-os" (Lucas 2, 46), onde Maria e José o encontram depois de três dias.

Martini nos leva à cena posterior. José parece encarar seu filho adotivo, com um braço em volta dele e o outro apontando para sua esposa sentada. Embora o Evangelho registre apenas as palavras de Maria: "Filho, porque procedeste assim connosco? Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição" (Lucas 2,48), aqui José fala muito.

Ele parece estar admoestando Jesus, demonstrando o alívio aflito que vem depois de muita preocupação. O espectador quase pode ouvi-lo dizer: "Como pudeste fazer isso com tua mãe?" Por sua vez, Maria se senta estoicamente, com a mão estendida no que pode ser um gesto de segurança ou conforto. Ela segura um livro aberto, certamente uma passagem das Escrituras com a qual ela "guardava todas essas coisas no seu coração" (Lucas 2, 51).

No entanto, é o Cristo adolescente que atrai a atenção. Ele está de pé, mal-humorado, ligeiramente curvado, com os braços desafiadoramente cruzados, os olhos estreitos e os lábios franzidos. A cena tem um certo charme para qualquer pessoa familiarizada com o mau humor dos adolescentes e faz com que a Sagrada Família não pareça tão diferente de qualquer outra família nesse momento de desentendimento ou de uma repreensão mal recebida.

Embora admire o brilhantismo técnico demonstrado por Martini, achei o trabalho teologicamente preocupante. Holland Cotter, co-chefe de crítica de arte do The New York Times, escreveu em sua resenha que "Jesus, José e Maria parecem uma família moderna disfuncional: um adolescente irritadiço, um pai exasperado e uma mãe mediadora".

Mas a Sagrada Família não era disfuncional, e o Filho de Deus não fazia beicinho. Afirmar isso não é diminuir a humanidade de Cristo. Jesus não é mais humano por compartilhar as falhas de nossa natureza decaída. Por exemplo, quando o Diabo tentou Jesus no deserto, Jesus não lutou contra essas tentações da mesma forma que você e eu poderíamos lutar. Ele não achou as tentações sedutoras e não lutou para rejeitá-las. Esse fato torna Jesus mais humano, não menos. Sua liberdade da concupiscência, ou a inclinação para o pecado, flui da natureza humana perfeita que ele possuía e que, com a graça, nós nos esforçamos para recuperar.

É claro que Jesus era capaz de se enfurecer, como visto na purificação do Templo. Sua raiva, porém, era justa, a resposta adequada ao sacrilégio que estava ocorrendo. E Jesus tinha total controle sobre essa raiva, direcionando-a com Seu intelecto e vontade perfeitos. Esse controle emocional não foi uma habilidade que Jesus aprendeu; Ele o tinha como parte de Sua humanidade perfeita, mesmo quando era adolescente.

Então, o que fazer com o Cristo amuado de Martini? Pode ser simplesmente uma imagem bem-intencionada, mas com falhas teológicas, uma tentativa de tornar Jesus mais compreensível, mas que acaba diminuindo Sua natureza humana. Me faz lembrar de filmes e programas de televisão que retratam Maria sentindo dores de parto no nascimento de Cristo.

Ao tentar enfatizar a humanidade de Maria e de Jesus, a representação erra ao contradizer a doutrina de que Maria preservou sua integridade virginal até mesmo no próprio ato do parto. Preservada do Pecado Original, Maria não sofreu, no nascimento milagroso de seu Filho, as dores de parto que entraram na experiência humana como resultado da Queda (Gênesis 3,16). Assim como a liberdade de Jesus no deserto, a liberdade de Maria das dores de parto não diminui sua humanidade nem compromete sua maternidade. Em vez disso, ela exalta ambos ao restaurar o que havia sido perdido.

Essas representações cinematográficas, no entanto, geralmente vêm de cineastas não católicos que não conhecem ou não aceitam a doutrina da virgindade perpétua de Maria. Assim, é mais difícil aceitar que Martini erre de forma tão dramática em meio a uma cultura profundamente católica.

Sempre me pareceu que a pergunta de Jesus a Seus pais que buscavam informações era uma frustração gentil, no tom de: "Vós realmente não entendeis isso?" É o mesmo tipo de resposta que O ouvimos dar na Última Ceia, quando Filipe pede para ver o Pai: "Há tanto tempo que estou convosco, e ainda não me conheceste, Filipe?" (João 14, 9)

Martini parece estar dando à pergunta de Jesus um pouco mais de força, tornando-a mais uma repreensão. Quando Pedro tenta dissuadir Jesus de Se submeter à sua Paixão, Jesus responde duramente: "Afasta-te de mim, Satanás, porque teus sentimentos não são os de Deus, mas os dos homens" (Marcos 8, 33). Jesus não permitirá que nada se interponha entre Ele e Sua obra de salvação.

Talvez seja com essa leitura em mente que Martini descreve a conversa, Jesus demonstrando uma pontinha de irritação instrutiva pelo fato de Seus pais, por mais bem-intencionados que fossem, O afastarem da casa de seu Pai. Se esse foi o entendimento de Martini, ele pinta o versículo do Evangelho sob uma luz diferente, dando-lhe um poder e uma ressonância inesperados, e ligando-o aos outros episódios do Evangelho de alguém cujas boas intenções desviariam Jesus do caminho.

Nessa cena raramente retratada, Martini teria sido bem-sucedido, assim como um ator talentoso, cuja nova interpretação de uma fala conhecida a imbui de um significado até então não considerado. De fato, sua representação chama o espectador a olhar mais profundamente, além do que pode parecer uma grosseria adolescente e ver, em vez disso, o Senhor encarnado como mestre do momento.

Se esse for, de fato, o caso, o trabalho de Martini é ainda mais uma obra-prima, pois faz o que se espera de uma grande arte: nos tirar de nós mesmos, reconsiderar nossas pressuposições e, por fim, nos aproximar do Próprio artista divino.

Autor: Pe. Brian A. Graebe

Original em inglês: The Catholic Thing