Um Feliz Aniversário Para Nossa Senhora

08/09/2023
A Natividade da Virgem, de Andrea di Bartolo, 1400/1405 [National Gallery, Washington, DC]
A Natividade da Virgem, de Andrea di Bartolo, 1400/1405 [National Gallery, Washington, DC]

Sabemos relativamente pouco sobre as origens de Nossa Senhora; nossas informações vêm principalmente do Protoevangelho de São Tiago, que contém muitas lendas e histórias piedosas sobre seus pais (Ana e Joaquim) e sua infância. No entanto, sabemos com certeza que toda mulher judia devota sonhava em ser a mãe do Messias ou, pelo menos, em dar à luz uma filha que o seria.

A Igreja Universal comemora a natividade de Maria em 8 de setembro. Embora a Igreja normalmente homenageie os santos nas datas de sua morte, não de seu nascimento, há três exceções: Nosso Senhor, Nossa Senhora e São João Batista. Por que essas exceções? Porque Nosso Senhor e Sua Mãe Santíssima foram concebidos sem o pecado original, ao passo que é crença católica comum que o Batista nasceu sem pecado devido à sua santificação no ventre durante a visita de Maria grávida a Isabel, fazendo com que João "saltasse de alegria". (Lucas 1, 44)

Nesta festa, somos apresentados à genealogia de Jesus de acordo com São Mateus (1, 1-17) - uma passagem bastante estranha do Evangelho, com nomes ainda mais estranhos. Será que podemos dar algum sentido a ela?

São Mateus apresenta um Jesus totalmente judeu, com a intenção de mostrar a continuidade entre o cristianismo e o judaísmo, de fato, o cumprimento do último no primeiro. Portanto, ele retrata Jesus como o "novo Moisés", a Igreja como o "novo Israel" e o Evangelho como a "nova Lei".

Ele faz isso de várias maneiras: uma estrutura de cinco livros de sua obra para fazer um paralelo com os cinco livros da Torá; uso frequente do número sete; dezenas de citações do Antigo Testamento. Mas o evangelista Mateus também faz outra coisa para mostrar esse ponto e o faz de forma tão sutil que a maioria dos leitores não percebe.

Sua genealogia proclama poderosamente o judaísmo de Jesus, o que anuncia e demonstra definitivamente que Jesus é filho de Davi, de onde viria o tão esperado Messias, de acordo com os profetas.

Para apreciar adequadamente a genealogia, é importante entender que os judeus (como a maioria dos povos antigos) tinham um grande fascínio pelo valor simbólico e pelo significado dos números. Para eles, "sete" era o sinal da perfeição absoluta, enquanto "seis" simbolizava a imperfeição grosseira. Não é de surpreender, portanto, que a linhagem do Messias seja dividida em três grupos de quatorze ancestrais (duas vezes o número da perfeição e também o valor numérico das letras do nome de Davi).

Isso não é "histórico" em nosso entendimento moderno da palavra, especialmente porque há muitas lacunas. Ela não nos conta a linhagem da raça humana a partir de Adão (como em Lucas), mas a partir de Abraão, o homem que o Cânon Romano chama de "nosso pai na fé". A lista é pontuada por eventos importantes na história judaica: as origens do povo, a realeza de Davi, o exílio babilônico, a vinda do Messias.

Isso difere significativamente das genealogias hebraicas padrão, principalmente pelo fato de algumas mulheres terem sido incluídas: Tamar, que seduziu seu sogro Judá em uma união incestuosa (Gênesis 38); Raabe, a principal prostituta de Jericó, que abrigou os espiões de Josué (Josué 2); Betsabéia, a esposa de Urias que cometeu adultério com Davi e depois conspirou com ele para assassinar seu marido (2 Samuel 11); Rute, a esposa de Boaz e nora de Noemi, que é um exemplo de amor e devoção fiéis.

A inclusão dessas mulheres é notável por vários motivos. Primeiro, a natureza desagradável da maioria delas (e também de muitos homens) é um lembrete de que todos nós - e também o Filho de Deus - viemos a este mundo com uma história. Segundo, o fato de três delas não serem apenas mulheres, mas também estrangeiras, aponta para a missão de Jesus aos gentios. Terceiro, em uma sociedade patriarcal como a dos judeus, o nome e a propriedade eram transmitidos por meio dos homens, não das mulheres. Portanto, a menção dessas mulheres serve como uma afirmação crucial da importância da mulher Maria, "de quem nasceu Jesus, que é chamado o Cristo". (Mateus 1,16).

A genealogia é, de fato. A de José, não a de Maria. Mas, embora o patrimônio legal de Nosso Senhor tivesse que vir de um homem, Suas origens humanas não vieram - um ponto deixado eminentemente claro pelo evangelista.

São Mateus quer que compreendamos que a história da salvação atingiu um ponto alto com o nascimento de Jesus, uma novidade que Deus Todo-Poderoso havia preparado desde toda a eternidade, a vinda de Emanuel, Deus conosco - o evento mais significativo da história. E isso ocorreu por meio da ação de uma mulher, sem a ajuda de um homem! É totalmente correto dizer que, com o advento de Deus em carne, o status das mulheres mudou.

"Faça-se em mim segundo a tua palavra". "E o Verbo se fez carne." Toda vez que imitamos a resposta de fé e confiança em Deus de nossa Mãe Santíssima, o Verbo se faz carne mais uma vez - em nós e em nosso mundo - como fez há mais de 2000 anos na pequena aldeia de Nazaré.

Mas observe: a genealogia de Nosso Senhor não terminou com Sua concepção e nascimento. Por meio da graça do batismo, que torna Sua encarnação redentora e o mistério pascal disponíveis para nós, temos o grande privilégio de fazer parte dessa nobre linhagem. Mostramo-nos dignos dessa honra ao sermos identificados com a Mãe de Jesus - que compartilhou a condição humana, mas estava tão concentrada em seu Deus que Ele foi capaz de usá-la para desfazer a espiral negativa da história humana.

Como disse São João Henrique Newman: "Aquele que nos acusa de fazer de Maria uma divindade, está negando a divindade de Jesus. Esse homem não sabe o que é divindade. . . . A ela pertence, como criatura, uma reivindicação natural de nossa simpatia e familiaridade, pois ela nada mais é do que nossa companheira. Ela é nosso orgulho. Nas palavras do poeta, 'o orgulho solitário de nossa natureza maculada'".

Que Maria, Mãe de Cristo e Mãe da Igreja, interceda junto a seu Filho, nosso Irmão, para que possamos responder com fé, esperança e amor - ao nosso próprio momento conturbado.

Autor: Pe. Peter M.J. Stravinskas

Original em inglês: The Catholic Thing