Transfiguração: De Um Grau De Glória Para Outro
![A Transfiguração, de Giovanni Bellini, c. 1487 [Museu Nacional de Capodimonte, Nápoles, Itália]](https://6323b73651.clvaw-cdnwnd.com/24b39ffcea37433b4ba1d3b1f650338a/200002935-645e9645ea/bellini.jpeg?ph=6323b73651)
Todos os três Evangelhos Sinópticos contêm a Transfiguração de Jesus, que a Igreja celebra. Em todos os relatos, porém, imediatamente antes de sua Transfiguração, Jesus pergunta aos seus discípulos quem os outros pensam que Ele é e, em seguida, quem eles pensam o que Ele é. Pedro declara que Ele é o Cristo, o Filho do Deus vivo (cf. Mateus 16,13-16). Em resposta a Pedro, Jesus prediz que será entregue às autoridades, morto e ressuscitará ao terceiro dia.
Jesus faz previsões semelhantes em duas ocasiões posteriores. Todos os três Evangelhos Sinópticos observam que os apóstolos não compreenderam tais profecias e, é claro, Pedro repreende Jesus por declarar que Ele morreria. Embora Jesus não mencione nessas previsões que seria crucificado, Ele diz aos Seus discípulos que eles devem carregar diariamente suas cruzes se quiserem ser Seus seguidores.
A Transfiguração se segue imediatamente. Assim, a Transfiguração só pode ser plenamente compreendida à luz da Cruz.
Lucas nos informa que
"cerca de oito dias depois dessas palavras, ele levou consigo Pedro, João e Tiago e subiu à montanha para orar. Enquanto orava, a aparência de seu rosto se alterou e suas vestes tornaram-se brancas como a neve. E eis que dois homens conversavam com ele, Moisés e Elias, que apareceram em glória e falavam do seu êxodo, que Jesus realizaria em Jerusalém". (Lucas 9,28-31)
O rosto transfigurado de Jesus "resplandeceu como o sol". (Mateus 17,2) O rosto humano de Jesus irradiava a glória do Filho encarnado do Pai, cheio do Espírito. Junto com o Jesus transfigurado, Moisés e Elias falaram do "êxodo, que Jesus realizaria em Jerusalém". O que é esse "êxodo", essa "passagem"?
Refere-se à profecia de Jesus de que Ele seria crucificado e, ao terceiro dia, ressuscitaria dos mortos. A Transfiguração é a encenação profética da morte e ressurreição de Jesus, ou seja, por meio do sacrifício salvífico de Si mesmo na Cruz, Ele mereceria a glória transformadora de Sua ressurreição – o oitavo dia eterno da nova criação. Ao fazer isso, Ele cumpriria a lei (Moisés) e os profetas (Elias).
Quando a Transfiguração estava chegando ao fim, Pedro declara que é bom "estarmos aqui" e sugere que construam três tendas, "uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias", embora ele não soubesse o que estava dizendo (Lucas 9,33). Enquanto isso, "uma nuvem luminosa os cobriu", Pedro, João e Tiago, "uma nuvem" na qual eles entraram com medo. De dentro dessa nuvem cheia do Espírito, o Pai declarou: "Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo, ouvi-o!" (Lucas 9,34-35)
Aqui, a Transfiguração remete e reconfirma o batismo de Jesus no Jordão por João. Lá, após a descida do Espírito Santo, o Pai declara: "Tu és o meu filho amado; em ti está o meu agrado" (Lucas 3, 22).
Por que o Pai está satisfeito com seu Filho amado? No ato de ser batizado, Jesus, no Espírito Santo, começa obedientemente a obra salvífica de Seu Pai. No Seu batismo, Jesus já toma Sua Cruz e, ao fazê-lo, o Pai encantado o transfigura, ressuscitando-O gloriosamente dos mortos.
No presente ato da Transfiguração de Jesus, o Pai confirma que Jesus é Seu Filho amado, Seu Cristo escolhido e cheio do Espírito, em Quem, com Quem e por meio de Quem Ele vencerá o pecado e a morte e trará a vida eterna.
Pedro, João e Tiago devem ouvir o Filho escolhido do Pai. Mas a que devem eles prestar atenção? Ao entrarem na nuvem cheia do Espírito junto com Jesus, Moisés e Elias, eles também, ao seguirem Jesus, comprometeram-se a carregar suas cruzes. Assim como Jesus deve morrer na Cruz e ressuscitar em três dias, eles também devem fazer o mesmo.
Eles tem que realizar seus êxodos, eles também tem que passar, por meio de suas cruzes, para a glória transfigurada de suas ressurreições. Assim, tanto para Jesus quanto para Seus discípulos, não há transfiguração sem a glória da Cruz, o único meio pelo qual se pode alcançar a glória transfigurada e resplandescente.
Mas, surpreendentemente, e com significado teológico, o Evangelho de João não relata a Transfiguração. Para João, Jesus manifesta sua glória ao longo de toda a sua vida. Todo o Evangelho de João é a revelação da glória de Jesus.
No Prólogo, o Verbo é a luz vivificante através da qual o Pai criou tudo o que existe – "a luz verdadeira que ilumina todo homem" (João 1,9). O clímax do Prólogo ocorre quando o Verbo se torna homem, pois, por meio da Encarnação, "nós vimos a sua glória, glória que ele tem junto ao Pai como Filho único" (João 1,14).
Depois de realizar Seu primeiro milagre – transformar água em vinho nas bodas de Caná –, o evangelista observa que Jesus "manifestou a sua glória e os seus discípulos creram nele" (João 2:11).
Para João, cada um dos sete sinais milagrosos de Jesus manifesta a Sua glória. Na sua oração sacerdotal, Jesus implora ao Seu Pai: "E agora, glorifica-me, Pai, junto de ti, com a glória que eu tinha junto de tiantes que o mundo existisse" (Jo 17, 5; ver também 1, 20-24). De que maneira o Pai glorifica Jesus, o Seu Filho encarnado?
Tal como nos relatos sinópticos da Transfiguração, a glória transfigurada de Jesus manifesta-se na Sua morte e ressurreição. Quando Jesus ficou perturbado com a perspectiva da Sua crucificação, pediu ao Seu Pai que glorificasse o Seu nome. Do céu, o Pai declara: "Eu o glorifiquei e o glorificarei novamente" (João 12, 27-28).
Desde toda a eternidade, o Pai glorificou Seu Filho. Ele glorificará novamente Seu Filho agora encarnado. Ao ser gloriosamente elevado na Cruz, por meio da qual Ele é gloriosamente elevado ao céu, contemplamos a glória transfigurada e cruciforme da ressurreição de Jesus.
A lição da Transfiguração é clara. Ao longo de nossas vidas, nós também, por meio de nossas cruzes diárias, devemos ser transfigurados à gloriosa semelhança ressuscitada de Jesus Cristo, nosso Salvador e Senhor. Ao "refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transfigurados nessa mesma imagem" (2 Coríntios 3, 18).
Autor: Pe. Thomas G. Weinandy, OFM, Cap.
Original em inglês: The Catholic Thing