Sobre A Unidade Na Igreja

24/03/2023
Os Quatro Primeiros Artigos do Credo (tapeçaria) por artistas/tecelões flamengos desconhecidos, entre 1475–1500 [Museu de Belas Artes de Boston]
Os Quatro Primeiros Artigos do Credo (tapeçaria) por artistas/tecelões flamengos desconhecidos, entre 1475–1500 [Museu de Belas Artes de Boston]

Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica. Esta é uma verdade que professamos cada vez que recitamos o Credo. Dadas as óbvias divisões entre as Igrejas e denominações cristãs, e mesmo dentro da Igreja Católica, vale a pena ponderar: em que consiste esta unidade?

A resposta mais simples é que a Igreja é uma em virtude de nosso único batismo e do único Cristo em quem somos batizados. Professamos uma só fé, em comunhão com os bispos em sucessão ininterrupta aos apóstolos, e estes com e sob o sucessor de Pedro, o bispo de Roma.

Em última análise, a unidade da Igreja é a unidade do próprio Cristo. Por isso, a divisão na Igreja é sempre uma ferida no Corpo de Cristo. Daí o imperativo urgente para a obra de um ecumenismo genuíno, tão enfatizado no Concílio Vaticano II e pelo Papa João Paulo II em sua encíclica de 1995, Ut unum sint ("Para que sejam um"), na qual insistia: "Acreditar em Cristo significa querer a unidade; querer a unidade significa querer a Igreja; querer a Igreja significa querer a comunhão de graça que corresponde ao desígnio do Pai desde toda a eternidade".

Não somos os principais agentes da unidade da Igreja; Deus é. Mas podemos cooperar, ou não, no fortalecimento e preservação dessa unidade. Separar-nos de nossos bispos, de Pedro ou da fé recebida através da Tradição prejudica nossa unidade. Considere as admoestações de Paulo aos coríntios, nas quais ele atribui a rivalidade entre eles ao fato de "serem da carne". Pecado e mundanismo não são apenas ocasiões de culpa pessoal, mas são causas concretas de divisão dentro do Corpo de Cristo.

Sempre foi assim, como lemos na Carta aos Hebreus:

Lembrai-vos de vossos guias que vos pregaram a Palavra de Deus. Considerai como souberam encerrar a carreira. E imitai-lhes a fé. Jesus Cristo é sempre o mesmo: ontem, hoje e por toda a eternidade. Não vos deixeis desviar pela diversidade de doutrinas estranhas… (Hb 13,7-9)

A credibilidade do testemunho da Igreja diminui quando falta unidade, não apenas no espaço – de uma diocese para outra – mas no tempo. Como se o Evangelho de hoje fosse um Evangelho diferente do de ontem; como se o Espírito que anima a Igreja hoje fosse um Espírito diferente daquele que a animava no século passado, ou no último milênio, ou no próprio Pentecostes. O Espírito que pairava sobre as águas da criação é o mesmo Espírito Santo que anima a Igreja hoje.

Hoje em dia, a ideia do desenvolvimento da doutrina é muitas vezes reduzida a uma espécie de casuística, um meio de justificar qualquer tipo de desvio do que nos foi transmitido. O desenvolvimento da doutrina é um corolário da profunda unidade da fé através do tempo e do espaço. O desenvolvimento doutrinário autêntico não é uma técnica para manipular a Tradição, um meio de dobrar a Tradição aos nossos propósitos ou aos do mundo.

Mas não somos mestres da Palavra de Deus. Nem mesmo os bispos o são. O Concílio Vaticano II deixou isso perfeitamente claro quando declarou, na Dei Verbum:

Porém, o encargo de interpretar autênticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição, foi confiado só ao magistério vivo da Igreja, cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo. Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado.

Isso nunca é demais reafirmar: o Magistério da Igreja, exercido em nome de Jesus Cristo, não está acima da palavra de Deus, escrita ou transmitida - isto é, tanto no que diz respeito à Escritura quanto à Tradição! – antes a serve. A unidade da Igreja não é estranha à palavra revelada de Deus, conforme encontrada nas Escrituras e na Tradição, mas é totalmente inseparável dela.

Permanecer fiéis ao que recebemos é mais do que uma questão de assentimento intelectual. A unidade com Cristo se manifesta na caridade. A própria fé, vivida nas circunstâncias concretas do nosso tempo, representa um garantidor muito real e concreto da unidade eclesial no espaço e no tempo. O Corpo de Cristo, o Povo de Deus, inclui aquela grande multidão de testemunhas que vieram antes de nós; aqueles que, como diz São Paulo, combateram o bom combate, terminaram a sua carreira, guardaram a fé.

O Papa Paulo VI estende este ponto na Evangelii Nuntiandi. A Igreja deve preservar a sua herança, mas nunca basta possuir a Boa Nova. A Igreja também deve partilhá-lo. E isso requer sabedoria para entender aqueles com quem queremos compartilhá-lo:

É absolutamente indispensável colocar-nos bem diante dos olhos um patrimônio de fé que a Igreja tem o dever de preservar na sua pureza intangível, ao mesmo tempo que o dever também de o apresentar aos homens do nosso tempo, tanto quanto isso é possível, de uma maneira compreensível e persuasiva. Esta fidelidade a uma mensagem da qual nós somos os servidores, e às pessoas a quem nós a devemos transmitir intata e viva, constitui o eixo central da evangelização.

E aqui, como dizem, é a hora da verdade. A Igreja é obrigada a proteger e defender a Verdade da qual ela é guardiã. Sua unidade depende e resplandece nisso. Mas também é verdade que, precisamente por causa deste tesouro que ela possui, a Igreja deve testemunhar a Boa Nova de maneira convincente, não tanto para nós mesmos, mas para aqueles com quem queremos compartilhar a Boa Nova.

A unidade na Igreja, como a evangelização, deve ser construída sobre a verdade e o amor.

Autor: Stephen P. White 

Original em inglês: The Catholic Thing