Será Que Deus Tem Senso De Humor?

23/11/2025

O humor e o riso são partes essenciais do que significa ser humano. Aristóteles considerava a capacidade de rir uma das características que nos distingue dos animais irracionais. De fato, o humor é uma parte tão bela e complexa do ser humano que é difícil imaginar como ele poderia ter se desenvolvido por meios puramente naturais.

Se os seres humanos são produto de um processo evolutivo cego, por que diabos temos senso de humor? Como ele surgiu, visto que não possui nenhum valor óbvio para a sobrevivência? O fato de certas coisas nos fazerem rir incontrolavelmente indica que não somos produto de uma evolução cega, mas sim de um projeto intencional.

Não é de surpreender, portanto, que as Escrituras também falem sobre o valor do humor. Em Eclesiastes, somos lembrados de que há "tempo de chorar, e tempo de rir" (3,4). O Livro de Provérbios observa que "coração alegre, corpo contente" (17,22). Na versão das bem-aventuranças de São Lucas, Jesus declara: "Bem- aventurados vós, que agora chorais, porque haveis de rir" (6,21).

Tudo isso levanta uma questão antiga: Deus tem senso de humor? Podemos pensar sobre essa questão de várias maneiras diferentes. Se pensarmos em Deus em Sua divindade, então devemos concordar com Santo Tomás de Aquino que Ele não tem senso de humor da mesma forma que os seres humanos (ver Suma Teológica III.16.5). Mas isso não precisa ser motivo de decepção, porque sabemos que o que Deus tem, em vez disso, é algo ainda melhor.

O Senso de Humor de Deus

Como tudo que diz respeito a Deus, essa qualidade "ainda melhor" permanece um tanto misteriosa. De fato, como Deus é infinito e nós não, nossa linguagem sobre Ele é necessariamente limitada. Portanto, precisamos sempre ter cuidado ao atribuir-Lhe características humanas ou ao tratá-Lo como mais um ser entre muitos, quando na realidade Ele é o próprio Ser.

Ao mesmo tempo, nossa tradição cristã nos fornece os recursos para falar — em linguagem metafórica e analógica — sobre o humor, a alegria e até mesmo a felicidade infantil de Deus. Isso é apropriado, contanto que nos lembremos de que não estamos falando literalmente e que Deus não possui essas coisas da mesma forma que nós. Em vez disso, Deus é a fonte e o fim de todas essas coisas boas.

Dito isso, o próprio fato de Deus ter inventado coisas tão maravilhosas como o humor, o riso e a brincadeira sugere que essas coisas são, em algum sentido remoto, tênues imagens ou ecos distantes da bondade e da alegria que existem por toda a eternidade na Santíssima Trindade. Certamente, os Salmos não se furtam a usar linguagem metafórica para descrever como Deus ri dos ímpios (ver Sl 37,Sl 13; 2,4; Sl 59,8). Nos profetas, também, somos informados da alegria que Deus sente quando o Seu povo triunfa:

"O Senhor, teu Deus, está no meio de ti

como herói Salvador!

Ele anda em transportes de alegria por causa de ti,

e ele te renova seu amor.

Ele exulta de alegria a teu respeito

como em um dia de festa" (Sf 3, 17-18).

Podemos pensar também no livro de Gênesis, quando Deus disse a Abraão (com 100 anos) e Sara (com 90 anos) que eles conceberiam um filho na velhice. Em resposta a essa notícia, Abraão "Abraão caiu com o rosto por terra e se pôs a rir" (Gênesis 17,17). Pouco depois, Sara reage de maneira muito semelhante (ver Gênesis 18,11-15).

A resposta de Deus é bastante curiosa: Ele instrui Abraão e Sara a darem ao filho o nome de Isaque, que em hebraico significa "ele ri". É um dos poucos casos em toda a Bíblia em que Deus intervém para dar nome a uma criança diretamente. Contudo, nessa ocasião, Deus considerou que seria uma intervenção válida... presumivelmente para que Ele pudesse dar a última risada.

Pope Benedict XVI was a big believer that God has a sense of humor, even if it remains very different from our own. In a book-length interview given before he became pope, he shared:

O Papa Bento XVI acreditava firmemente que Deus tem senso de humor, ainda que muito diferente do nosso. Em uma entrevista que rendeu um livro, concedida antes de se tornar papa, ele compartilhou:

Eu acredito que [Deus] tem um grande senso de humor. Às vezes, Ele nos dá um empurrãozinho e diz: 'Não se leve tão a sério!' O humor é, na verdade, um elemento essencial na alegria da criação. Podemos ver como, em muitas áreas de nossas vidas, Deus quer nos incentivar a levar as coisas com mais leveza; a enxergar o lado engraçado; a descer do pedestal e não esquecer nosso senso de diversão."(Deus e o Mundo: Uma Conversa com Peter Seewald)

O Coração de uma Criança

Frequentemente, as pessoas mais em contato com a "alegria da criação" são as crianças. Estudos mostram que as crianças riem, em média, mais de 300 vezes por dia, enquanto os adultos riem, em média, apenas cerca de 15 vezes por dia. Talvez essa seja uma das razões que levaram Jesus a nos advertir: ""Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos Céus" (Mateus 18,3).

Não seria possível que a alegria habitual das crianças seja mais celestial e mais divina do que a ansiedade e o mau humor habituais dos adultos? G.K. Chesterton certamente considerava essa ideia, como explicou em uma famosa passagem:

Pelo fato de as crianças terem uma vitalidade abundante, elas são espiritualmente impetuosas e livres; por isso querem coisas repetidas, inalteradas. Elas sempre dizem: "Vamos de novo"; e o adulto faz de novo até quase morrer de cansaço. Pois os adultos não são fortes o suficiente para exultar na monotonia. Mas talvez Deus seja forte o suficiente para exultar na monotonia. É possível que Deus todas as manhãs diga ao sol: "Vamos de novo"; e todas as noites à lua: "Vamos de novo". Talvez não seja uma necessidade automática que torna todas as margaridas iguais; pode ser que Deus crie todas as margaridas separadamente, mas nunca se canse de criá-las. Pode ser que ele tenha um eterno apetite de criança; pois nós pecamos e ficamos velhos, e nosso Pai é mais jovem do que nós. (Ortodoxia, cap. IV, "A Ética de Elfolândia")

Talvez Deus se deleite com a alegria da criação muito mais do que nós, pois Ele tem (em algum sentido remoto e analógico) o coração de uma criança. E não só isso, pois na plenitude dos tempos Ele também escolheu se tornar criança.

O Humor do Deus-Homem

Independentemente do que possamos dizer sobre Deus em Sua divindade transcendente, podemos ter praticamente certeza de que, em Sua Encarnação, Ele assumiu um senso de humor muito semelhante ao nosso. Como o Concílio de Calcedônia afirmou, por meio de Sua Encarnação, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade tornou-se "semelhante a nós em tudo, menos no pecado" (ver CIC 467). Visto que o humor não está ligado ao pecado, Jesus deve ter tido senso de humor.

Há algumas evidências disso nos Evangelhos, como observou Austin Ruse(1). Sem dúvida, Cristo possuía a maior capacidade de contar histórias que o mundo já conheceu. Ele também tinha um jeito expressivo com as palavras, e podemos imaginar o brilho em Seus olhos quando disse coisas como "é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus" (Mateus 19,24). Há até indícios de que Jesus usava trocadilhos, como quando repreendeu os escribas e fariseus em Mateus 23,34: "Condutores cegos, que coais o mosquito [aramaico, galma] e e tragais o camelo [aramaico, gamla]!"

Dito isto, é bastante surpreendente o fato de os Evangelhos nunca registrarem Jesus rindo, ou sequer sorrindo. Diversas explicações podem ser dadas para essa omissão, mas a dada por Chesterton é que a alegria de Cristo era tão grande, tão íntima, tão deslumbrante, que Ele a manteve sob um véu durante Sua vida terrena:

A alegria, que foi a pequena publicidade do pagão, é o gigantesco segredo do cristão. E no fechamento deste caótico volume torno a abrir o estranho livrinho do qual proveio o cristianismo; e novamente sinto-me assombrado por uma espécie de confirmação. A tremenda figura que enche os evangelhos ergue-se altaneira nesse respeito, como em todos os outros, acima de todos os pensadores que jamais se consideraram elevados.A compaixão dele era natural, quase casual. Os estóicos, antigos e modernos, orgulhavam-se de ocultar as próprias lágrimas. Ele nunca ocultou as suas; mostrou-as claramente no rosto aberto ante qualquer visão do dia-a-dia, como a visão distante de sua cidade natal. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Solenes super-homens e diplomatas imperiais orgulham-se de conter a própria ira. Ele nunca a conteve. Arremessou móveis pela escadaria frontal do Templo e perguntou aos homens como eles esperavam escapar da danação do inferno. No entanto, alguma coisa ele ocultou. Digo-o com reverência; havia naquela chocante personalidade um fio que deve ser chamado de timidez. Havia algo que ele encobria constantemente por meio de um abrupto silêncio ou um súbito isolamento. Havia uma certa coisa que era demasiado grande para Deus nos mostrar quando ele pisou sobre esta nossa terra. Às vezes imagino que era a sua alegria. (Ortodoxia, cap. IX, "A autoridade e o aventurei")

Independentemente de Chesterton estar certo ou não sobre a timidez de Cristo, podemos ter certeza de que o Senhor nos chama a participar de Sua alegria. Portanto, devemos nos esforçar para viver vidas de santidade e amor radicais, para que um dia possamos ouvir aquelas preciosas palavras: "Muito bem, servo bom e fiel! Sobre o pouco foste fiel, sobre o muito te colocarei. Vem alegrar-te com o teu senhor!" (Mateus 25,21).

Autor: Clement Harrold

Original em inglês: St. Paul Center


Nota:

(1) - Austin Ruse é editor colaborador da revista católica americana Crisis Magazine. É presidente do Center for Family and Human Rights [Centro para a Família e Direitos Humanos] em Nova Iorque e Washington DC.