Santa Maria Madalena E O Jubileu

2025 é um Ano Jubilar Ordinário dedicado ao tema "peregrinos da esperança". Biblicamente falando, o jubileu tem a ver com libertação, restauração e descanso. Como o Papa Francisco explicou logo após o início do Jubileu, "o Jubileu é, para as pessoas e para a Terra, um novo início; é um tempo onde tudo tem de ser repensado dentro do sonho de Deus".
Nessa mesma catequese, o Papa Francisco apontou a figura evangélica de Santa Maria Madalena como um modelo a ser seguido neste ano de graças especiais. De maneira exemplar, essa heroína bíblica mostra o que significa ser uma peregrina da esperança, e a história de sua vida ilustra maravilhosamente a libertação espiritual que somente Cristo pode proporcionar.
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Embora as últimas décadas tenham levantado novas questões sobre a identidade de Santa Maria Madalena, há uma tradição antiga que a associa à "mulher da cidade, pecadora" (Lucas 7,37), sem nome, que unge os pés de Jesus, por meio de suas lágrimas, no capítulo sete do Evangelho de Lucas. Independentemente de essa tradição estar ou não correta, ela provocou uma abundância de devoção e meditação cristã ao longo dos séculos. O que sabemos com certeza é que Maria Madalena já foi possuída por nada menos que sete demônios, antes de receber a cura espiritual de Cristo (ver Lucas 8,2; Marcos 16,9).
Um pensador que aceitou a tradição que identificava Maria Madalena com a mulher pecadora de Lucas 7 foi o cardeal inglês St. John Henry Newman. Em um discurso profundo sobre o tema "Pureza e Amor", Newman faz uma distinção fascinante entre "santos da pureza" e "santos do amor". Mesmo que não tenhamos vivido vidas de pureza excepcional (como São João Batista, São João Evangelista ou a Pequena Flor), ainda podemos nos tornar santos do amor ardente e penitente (como São Pedro, Santo Agostinho ou Santa Maria Madalena).
Isso nos dá a firme certeza de que nossas falhas passadas não definem nosso futuro, como o encontro entre a mulher pecadora (identificada por Newman como Santa Maria Madalena) e Cristo prontamente revela:
"Maravilhoso encontro entre o que era mais vil e o que é de mais puro! Aquelas mãos impudicas, aqueles lábios poluídos, tocaram, beijaram os pés do Eterno, e Ele não se esquivou da homenagem. E enquanto ela se debruçava sobre eles, e os umedecia com seus olhos cheios, como seu amor por Alguém tão grande, mas tão gentil, se tornou veemente dentro dela, acendendo uma chama que nunca morreria daquele momento para sempre! E que excesso atingiu, quando Ele registrou diante de todos os homens seu perdão e a causa dele! "'Seus numerosos pecados lhe estão perdoados, porque ela demonstrou muito amor. Mas aquele a quem pouco foi perdoado mostra pouco amor'. Em seguida, disse à mulher: 'Teus pecados estão perdoados'. … Ele, porém, disse à mulher: 'Tua fé te salvou; vai em paz'" [Lucas 7:47-50]. Daí em diante, meus irmãos, o amor era para ela, como para Santo Agostinho e depois para Santo Inácio de Loyola (grandes penitentes em seu tempo), como uma ferida na alma, tão cheia de desejo que se tornava angústia. Ela não podia viver fora da presença dAquele em quem estava sua alegria: seu espírito definhava em busca dEle, quando não O via; e esperava por Ele silenciosa, reverente e ansiosamente, quando estava em Sua bem-aventurada presença" (Newman, "Pureza e Amor").
Aos pés de Jesus, Maria Madalena encontrou a paz, o amor e a alegria que seu coração sempre desejou. Nesse momento dramático de jubileu espiritual, ela deixou para trás seus antigos hábitos pecaminosos e começou a viver "uma vida nova" (Rm 6, 4).
Conversão contínua
É claro que a cura de Maria Madalena com Jesus não foi o fim de sua jornada de fé, mas sim um novo e glorioso começo. O Papa Francisco nos lembrou que o Jubileu tem tudo a ver com novos começos: fazer um balanço de onde o Senhor nos trouxe, provar e ver Sua bondade (ver Sl 35,8) e nos comprometer novamente com o caminho da santidade.
Isso significa que a conversão não é uma coisa única, mas sim um processo contínuo que dura nada menos que a vida inteira. O Papa Francisco expôs esse ponto com referência especial a Maria Madalena, e vale a pena citar suas palavras em detalhes:
Nos Evangelhos, a figura de Maria Madalena destaca-se por isto de todas as outras. Jesus curou-a com a misericórdia (cf. Lc 8,2) e ela mudou. Irmãs e irmãos, a misericórdia muda, a misericórdia muda o coração. E Maria Madalena, a misericórdia reconduziu-a aos sonhos de Deus e deu novas metas ao seu caminho.
O Evangelho de João narra o seu encontro com Jesus Ressuscitado de uma forma que nos faz pensar. Várias vezes se repete que Maria se voltou. O Evangelista escolhe bem as palavras! Em lágrimas, Maria olha primeiro para dentro do sepulcro, depois volta-se: o Ressuscitado não está do lado da morte, mas do lado da vida. Pode ser confundido com uma das pessoas que encontramos todos os dias. Depois, quando ouve pronunciar o próprio nome, o Evangelho diz que Maria se volta de novo. É assim que cresce a sua esperança: agora vê o sepulcro, mas não como antes. Pode enxugar as suas lágrimas, porque ouviu o próprio nome: só o seu Mestre o pronuncia assim.
Queridos irmãos e irmãs, de Maria Madalena, a quem a tradição chamou "apóstola dos apóstolos", aprendamos a esperança. Entra-se no mundo novo convertendo-se mais do que uma vez. O nosso caminho é um convite constante a mudar de perspetiva. O Ressuscitado leva-nos ao seu mundo, passo a passo, com a condição de que não pretendamos saber já tudo.
Perguntemo-nos hoje: eu sei voltar-me para ver as coisas de forma diferente, com um olhar diferente? Tenho o desejo de conversão?
Com essas percepções penetrantes, o Papa Francisco faz eco a uma longa tradição que vê um significado mais profundo na descrição de São João de Maria Madalena "virando-se" várias vezes enquanto estava do lado de fora do túmulo vazio.
Santo Agostinho, por exemplo, descreveu o segundo virar-se de Madalena como um movimento interior do coração:
"Mas como é que esta mulher, que já se tinha voltado para ver Jesus, quando supunha que Ele era o jardineiro, e estava realmente a falar com Ele, se disse que se voltou novamente para lhe dizer Rabboni: mas apenas porque, quando ela então se voltou em corpo, ela supôs que Ele era o que Ele não era, enquanto agora, quando se voltou de coração, ela O reconheceu ser o que Ele era" (Tratados sobre o Evangelho de João, 121, cap. 2).
Essas caracterizações nos ajudam a descobrir em Maria Madalena um exemplo profundo da conversão contínua que é tão essencial ao espírito do Jubileu.
Compartilhando a Boa Nova
De muitas maneiras, a história tradicional da vida de Maria Madalena lembra as palavras do Salmo 41: "Como a corça anseia pelas águas vivas, assim minha alma suspira por vós, ó meu Deus" (Sl 41,2). Foi sua busca ardente pelas correntes da graça de Deus que levou essa filha de Israel a se tornar uma santa do amor tão radiante.
Sem dúvida, foi esse mesmo ardor que a levou a sair bem cedo na manhã do domingo de Páscoa, "quando ainda estava escuro" (João 20,1), em busca dAquele que havia trazido tanta luz à sua alma cansada. E quando finalmente se reuniu com Ele, não conseguiu guardar sua alegria para si mesma: "Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: 'Vi o Senhor', e as coisas que ele lhe disse" (João 20,18).
Ao comentar essa passagem, Santo Tomás de Aquino observa a extraordinária honra tríplice dada a Maria Madalena:
"Observe os três privilégios concedidos a Maria Madalena. Primeiro, ela teve o privilégio de ser profeta porque era digna o suficiente para ver os anjos, pois um profeta é um intermediário entre os anjos e as pessoas. Em segundo lugar, ela tinha a dignidade ou a posição de um anjo na medida em que olhava para Cristo, para quem os anjos desejam olhar. Em terceiro lugar, ela tinha o ofício de apóstolo; de fato, ela era a apóstola dos apóstolos, na medida em que era sua tarefa anunciar a ressurreição de nosso Senhor aos discípulos. Assim, da mesma forma que foi uma mulher a primeira a anunciar as palavras de morte, também foi uma mulher a primeira a anunciar as palavras de vida" (Comentário sobre o Evangelho de João).
Ela, que antes vivia como escrava de seus demônios, agora brilha como modelo de discípula. E ela também nos ensina a entrar na alegria e na liberdade do novo e perpétuo Jubileu que Cristo inaugurou por meio de Sua paixão, morte e ressurreição.
Como o Papa Francisco expressou de forma tão bela, "Em vez de olharmos para a escuridão do passado, para o vazio de um sepulcro, aprendamos de Maria Madalena a voltarmo-nos para a vida. Ali espera-nos o nosso Mestre".
Autor: Clement Harrold
Original em inglês: St. Paul Center