Roma, Temos Um Problema

01/02/2024
Crédito da Foto: Ed Condon/Pillar Media
Crédito da Foto: Ed Condon/Pillar Media

Se alguma vez houve uma mensagem de emergência para Roma, esta é a mensagem. O S.O.S. pode ter sido há um ano, quando alguns bispos testemunharam um grande número de outros bispos usando seu privilégio canônico pastoral para contornar as ferrenhas prescrições do Motu Proprio Traditionis Custodes. Mas certamente é o alerta assustado em vista da Missa na Forma Extraordinária celebrada no Capitólio dos EUA na última terça-feira, 23 de janeiro.

Foi um momento de desmoronamento das Muralhas de Jericó. Desta vez, não foram os sacerdotes judeus e israelitas que circularam a cidade e tocaram suas trombetas de chifre, mas os católicos de todo o mundo que invadiram o Céu. Ou, em um paralelo mais recente, a queda do Muro de Berlim pelos alemães orientais, só que desta vez por católicos apaixonados da geração do milênio que não permitirão que a Missa de Sempre se torne um fóssil de eras passadas. Não se consegue enfatizar sua importância o suficiente. Essa Missa Extraordinária foi celebrada a pedido do Presidente da Câmara, Mike Johnson, em uma arquidiocese que testemunhou a quase revogação de todas as Missas Tradicionais (1). A ironia não poderia ter sido mais doce.

O Sr. Johnson pretendia que a Missa marcasse o aniversário da investigação do FBI sobre as Missas Tradicionais como possíveis ninhos de terrorismo doméstico. A Câmara investigou adequadamente esse disparate com o interrogatório de seu diretor, Sr. Wray, em uma audiência aberta no Congresso. Apesar de todo o seu contorcionismo, não conseguiu escapar da culpa pela atividade lamentável de seus agentes.

A Missa foi originalmente planejada para a pequena sala de jantar do Porta Voz, até que ele descobriu que os pedidos de participação excedia sua capacidade. A Missa foi então transferida para uma sala de reuniões maior, no final do corredor do gabinete do Presidente da Câmara. Uma equipe de jovens católicos de vários gabinetes da Câmara e do Senado ofereceu avidamente sua ajuda na organização do evento.

Mas mera organização é um eufemismo. Eles começaram a trabalhar com o entusiasmo e a paixão de homens em uma missão. Não tanto por causa do aniversário, mas pela celebração da Missa na Forma Extraordinária. Os organizadores contaram com a ajuda de um padre conhecido apenas por eles, para protegê-lo de qualquer ação punitiva. Todo o processo foi executado com precisão militar e atenção aos detalhes.

Isso atraiu a atenção do mundo.

Assim que a capela improvisada foi desmontada, a imprensa católica entrou em ação. Primeiro, as organizações de notícias online tradicionais e habituais, depois outras. O mais intrigante foi a reportagem da revista America, a revista jesuíta de referência da esquerda católica de vanguarda. A manchete alardeava "Missa em Latim ilícita realizada no Capitólio dos EUA". Essa foi boa.

É interessante o fato de que a Nova e Evoluída Sociedade de Jesus empregaria a palavra datada 'ilícita'. Afinal de contas, seus teólogos famosos há muito tempo baniram esse termo da linguagem teológica dos bem pensantes. Essa é a mesma Sociedade que proscreveu anacronismos como os absolutos morais há muito tempo (exceto, é claro, os novos absolutos morais da Esquerda Lacradora).

Essa é a Sociedade cujo amplo aparato universitário se tornou a fábrica do catolicismo anticatólico. Há muito tempo, essa sociedade, sempre tão moderna, levantou a bandeira do catolicismo laissez-faire (2). No entanto, aqui estavam eles com a fúria dos puritanos pendurando a letra escarlate (3) no pescoço de Hester Prynne (4). O que poderia vir a seguir para a Sociedade deploravelmente por dentro de tudo? Uma repetição atualizada dos dos Julgamentos das Bruxas de Salém?

Mas por que algumas cúrias diocesanas ficaram alarmadas? Porque essa não era a trajetória planejada pelos oponentes à Missa Tradicional. Depois de sessenta anos de sabedoria convencional do Novus Ordo (5), eles estavam certos de que a Missa Tradicional, a esta altura, já estaria esquecida há muito tempo. Tinham certeza de que seus esforços ao longo dos últimos cinquenta anos teriam garantido seu lugar no monte de cinzas da história, juntamente com as Sextas-feiras sem carne, as devoções ao Sagrado Coração, as novenas e o pecado mortal.

Eles não esperavam uma Revolução Juvenil que catapultasse novamente a Missa Tradicional para que todos pudessem vê-la.

Dois acidentes históricos contribuíram para essa revolução: um vírus pandêmico e a Traditionis Custodes. Quando a Covid atingiu o país e as igrejas fecharam, os católicos ansiosos pela Missa recorreram à Internet. Com o uso dos mecanismos de busca, milhares, dezenas de milhares, se depararam com essa estranha Missa Tradicional em latim, até então desconhecida para eles. Eles acharam sua transcendência, beleza e mistério palpável contagiantes.

Começaram assim sua própria investigação sobre suas origens. Sua investigação abriu novos horizontes, sugeriu uma série de perguntas e criou uma fome irresistível. O Summorum Pontificum do Papa Bento XVI não passou despercebido por eles, quando ele abalou os próprios fundamentos da prática litúrgica convencional de mais de meio século:

"Aquilo que para as gerações anteriores era sagrado, permanece sagrado e grande também para nós, e não pode ser de improviso totalmente proibido ou mesmo prejudicial. Faz-nos bem a todos conservar as riquezas que foram crescendo na fé e na oração da Igreja, dando-lhes o justo lugar".

Quando a pandemia diminuiu e as igrejas abriram suas portas, as Missas Tradicionais disponíveis aumentaram. Finalmente, uma religião para adultos.

Da mesma forma, a promulgação da Traditionis Custodes. Muitos católicos curiosos se perguntaram o que poderia ser esse rito proibido da Missa. Que tipo de maldade ele carregava para merecer uma condenação tão universal? Seu mal deve ser sem precedentes. Essa Missa proibida deve representar um perigo terrível para as almas para merecer a supressão imediata, como um câncer que se espalha pelo Corpo Místico de Cristo.

Que outra conclusão poderia ser tirada? Afinal de contas, o papado que estava aplicando suas sanções mais brutais contra ela, se gabava de seu "não julgar", de ir para as "periferias" e de tolerar práticas nunca antes aceitas pela Igreja em nome do "andar juntos". Ele estava desenvolvendo novos paradigmas (como a "teologia contextual") que tornariam as condenações uma coisa de um passado medieval embaraçoso. Não é preciso que flores de todos os tipos desabrochem? O fato de um papado agir de forma tão fora de sua índole deve significar que ele estava enfrentando uma malignidade indescritível. Quase se podia ouvir o lamento de Voltaire, "esmague a infame!" (6).

Caso contrário, por que uma censura tão draconiana? O que era essa nova maldade tentadora e sem igual?

A curiosidade foi aguçada e foram para internet atrás de respostas. Quando os olhos da geração do milênio se depararam com a prática ilícita, ficaram perplexos. Essa Missa proibida parecia falar-lhes de Deus, de Seus mistérios e de Seu amor. Ela apresentava uma solenidade que alimentava seus corações famintos. Apresentava as verdades de forma ordenada cujo poder eles não conseguiam resistir. Isso é maldade? Isso merece o selo da ilicitude?

As mentes jovens se comprometeram em ir mais fundo. Eles se viam como Colombos do século XXI em busca de um novo mundo. Mesmo dentro dos limites claustrofóbicos da Traditionis Custodes, eles ainda descobriram o tesouro e se viram transformados. Isso não era uma maldade. Era o Paraíso.

As instâncias oficiais fizeram cara feia. Os teólogos escreveram diatribes. Os liturgistas rosnaram.

Roma, temos um problema.

Quase se podia ouvir os assustados apparatchiks da cúria e a classe do conhecimento permitido: algo está acontecendo que nunca deveria ter acontecido. Décadas de liturgia reformada estabelecida pareciam estar em risco. A terra firme litúrgica estava tremendo sob seus pés. Mais de meio século de estudos litúrgicos estava escapando de suas mãos.

Não há com que se preocupar. Afinal de contas, o número de pessoas que lotavam estas Missas era minúsculo em comparação com a população católica em geral. No entanto, isso proporcionou pouco consolo. Pois nesses números aparentemente insignificantes havia uma paixão, uma devoção e um compromisso inexplicáveis. Mais irritante era a sua deferência à autoridade da Igreja, a sua modéstia, o seu espírito irênico e o seu, digamos, desejo de serem simplesmente bons católicos.

Roma, temos um problema.

Para tudo isso, Graham Greene em O Condenado, em tons perfeitos de ortodoxia católica, escreveu, "Você não pode imaginar, minha filha, nem eu, nem ninguém pode, o... espantoso mistério da misericórdia divina"

Autor: Pe. John A. Perricone

Original em inglês: Crisis Magazine


Notas:

(1) - Missa Tradicional, Missa de Sempre, Missa Tridentinha, Missa em Latim e Missa de S. Pio V são denominações para a Santa Missa na forma extraordinária do Rito Romano.

(2) - Laissez-faire é uma expressão em francês que significa "deixe fazer".

(3) - Na rígida comunidade puritana de Boston do século XVII, a jovem Hester Prynne tem uma relação adúltera que termina com o nascimento de uma criança ilegítima. Desonrada e renegada publicamente, ela é obrigada a levar sempre a letra "A" de adúltera bordada em seu peito.

(4) - Hester Prynne é a protagonista do romance A Letra Escarlate, de Nathaniel Hawthorne. Ela é uma mulher condenada por seus vizinhos puritanos..

(5) - O Missal Romano de 1970 é o formulário litúrgico padrão para o Rito Romano, e atende às reformas prescritas pelo Sacrossanto Concílio Ecumênico Vaticano II. Esse Missal renovado foi aprovado por Sua Santidade, o Papa Paulo VI, e é conhecido, para diferenciá-lo do anterior, como Novus Ordo. É utilizado pela grande maioria dos fiéis e clérigos do Rito Romano.

(6) - Voltaire, o mais famoso intelectual iluminista, se tornou célebre por defender ardentemente os direitos humanos em seus escritos. Ele foi um dos críticos mais ferrenhos das Inquisições, e um dos principais responsáveis pela difusão a lenda negra da Inquisição, que foi criada pelos protestantes. Ao final de todas as suas cartas, ele escrevia: "Esmagai a infame". A referida "infame", no caso, era a Igreja Católica. Para todo o conteúdo desta nota, acessar O Catequista