Revisitando Os Fundamentos Bíblicos Do Papado

Sempre que um papa morre e um novo papa é eleito, todos os olhares se voltam para Roma. Durante esses dias de incerteza, muitos católicos — e até mesmo não católicos — se veem refletindo sobre a natureza do papado. Será que essa instituição tão antiga remonta ao tempo dos apóstolos? E, em caso afirmativo, onde ela se encontra nas Escrituras? Neste artigo, tentaremos responder a essas perguntas, explorando as razões que nos levam a crer que o papado foi instituído pelo próprio Cristo.
"Sobre Esta Pedra…"
A palavra "papa" vem do grego antigo páppas, que significa "pai". A compreensão católica do papado começa com o reconhecimento de que Jesus conferiu a São Pedro uma missão única, com autoridade de ensino e paternidade espiritual:
Chegando Jesus ao território de Cesaréia de Filipe, perguntou aos discípulos: "Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?" Disseram: "Uns afirmam que é João Batista, outros que é Elias, outros, ainda, que é
Jeremias ou um dos profetas". Então lhes perguntou: "E vós, quem dizeis que eu sou?" Simão Pedro, respondendo, disse: "Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo". Jesus respondeu-lhe: "Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne ou sangue que te revelaram isso, e sim o meu Pai que está nos céus. Também eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja, e as portas do Inferno nunca prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus e o que ligares na terra será ligado nos céus, e o que desligares na terra será desligado? nos céus".
Nesse diálogo, tanto Simão Pedro quanto Jesus fazem uma afirmação sobre a identidade um do outro. Primeiramente, Pedro proclama que Jesus é "o Cristo, o Filho do Deus vivo". O termo "Cristo" é simplesmente a versão grega da palavra hebraica "Messias", que significa "Ungido". Ao declarar Jesus como o Messias, Pedro O reconhece como o tão esperado herdeiro do trono de Davi (cf. 2Sm 7,8-17; Sl 89,3-4; 132,11).
Por sua vez, Jesus declara que Simão, filho de Jonas, é "Pedro", a pedra sobre a qual edificará a Sua Igreja. Embora hoje "Pedro" seja um nome comum, o termo grego utilizado por Jesus no original (petros) significava simplesmente "pedra". Os estudiosos Curtis Mitch e Edward Sri explicam:
"O termo [Pedro] funciona como um título simbólico dado a Simão que anuncia seu papel único no plano de Deus. É usado palavras sinônimas, com gêneros gramaticais diferentes, para Pedro (petros, masculino) e a pedra (petra, feminino) sobre a qual Jesus edificará Sua Igreja. Assim, não devemos distinguir entre Pedro e a pedra, mas identificá-los como uma só e mesma fundação. De todo modo, essa distinção provavelmente nem se coloca, visto que Jesus quase certamente falou essas palavras em aramaico, usando o mesmo termo, kepha', que significa 'pedra maciça', em ambos os casos. A prova mais evidente desse pano de fundo é o fato de que Pedro é chamado de 'Cefas' (forma grega do aramaico kepha') nove vezes no Novo Testamento." (The Gospel of Matthew, p. 207)
Tendo feito essa declaração, Jesus então promete dar a Pedro as chaves do Reino dos Céus. Trata-se de uma clara alusão à dinastia davídica, onde o portador das chaves era o administrador real, ou primeiro-ministro, do rei reinante. Isso é extremamente significativo: Pedro acabara de proclamar Jesus como o Rei davídico; e Jesus, por sua vez, nomeia Pedro como Seu principal administrador.
O pano de fundo veterotestamentário para essa passagem está em Isaías 22, onde o profeta anuncia a substituição de um administrador real, Sebna, por outro, Eliacim:
"Naquele mesmo dia chamarei e meu servo Eliacim, filho de Helcias. Vesti-lo-ei com a tua túnica, cingi-lo-ei com o teu cinto, porei nas suas mãos as tuas funções; ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá. Porei sobre os seus ombros a chave da casa de Davi: quando ele abrir, ninguém fechará; quando ele fechar, ninguém abrirá"(Is 22,20-22).
Assim como Eliacim, Pedro recebe autoridade para "abrir e fechar", ou "ligar e desligar", em nome do Rei. (Ligar e desligar é uma expressão idiomática judaica que se refere à autoridade de ensinar, julgar e também de perdoar os pecados; cf. Jo 20,23). Desta vez, porém, o Rei não é um monarca qualquer, mas o próprio Messias davídico, o Filho do Deus vivo! Jesus é o Rei eterno e divino, e escolhe Pedro como a rocha sobre a qual edificará Sua Igreja.
Doravante, Pedro será o administrador do Cristo, aquele que possui o poder de ligar e desligar em Seu nome. Seria estranho, no entanto, que Jesus concedesse essa autoridade a Pedro apenas para que ela cessasse com sua morte. Na verdade, há boas razões para acreditar que Jesus pretendia que essa autoridade fosse transmitida aos sucessores de Pedro:
"Dado que o ofício de administrador-chefe em Israel era exercido por uma sucessão de titulares, é razoável supor que a autoridade de Pedro também tenha sido destinada aos seus sucessores. Na verdade, Isaías 22,22 é um texto cujo foco está precisamente na sucessão do cargo de um administrador real ao outro" (Mitch e Sri, p. 209).
A Primazia de Pedro
Críticos protestantes da Igreja às vezes objetam que os católicos construíram toda sua teologia do papado com base em uma única passagem do Evangelho, a de Mateus 16. Tal objeção, contudo, é infundada, pois o Novo Testamento realça repetidamente a posição de honra e autoridade únicas de Pedro entre os doze apóstolos. Encontramos evidências disso em diversos trechos dos Evangelhos:
- Mt 10,2: Pedro é descrito como o "primeiro" (gr. prōtos) entre os apóstolos.
- Mt 14,22-33: Pedro é o único a andar sobre as águas, e Jesus o sustenta quando começa a afundar.
- Mt 17,24-27: Somente Pedro é abordado pelas autoridades quanto ao pagamento do imposto do Templo.
- Mc 16,7: Após a Ressurreição, o anjo destaca Pedro: "Ide, dizei aos seus discípulos e a Pedro…"
- Lc 5,1-10: Jesus entra no barco de Pedro, manda que ele lance as redes, e o chama para ser pescador de homens.
- Lc 22,31-32: Jesus alerta que Satanás pediu para prová-lo, mas garante: "Eu, porém, orei por ti, a fim de que tua fé não desfaleça. Quando, porém, te converteres, confirma teus irmãos".
- Lc 24,34: Jesus ressuscitado aparece a Pedro antes dos demais apóstolos.
- Jo 20,4-6: O discípulo amado chega primeiro ao túmulo, mas espera que Pedro entre primeiro.
As evidências continuam nos Atos dos Apóstolos:
- At 1,15-26: Pedro toma a iniciativa de escolher o sucessor de Judas.
- At 2,14: Pedro é o primeiro a pregar após Pentecostes.
- At 3,6-12: Pedro realiza o primeiro milagre da Igreja primitiva, curando um aleijado.
- At 5,1-11: É Pedro quem julga Ananias e Safira.
- At 5,15: As pessoas trazem os doentes para que ao menos a sombra de Pedro os toque.
- At 10: Pedro recebe a revelação para pregar aos gentios, e o Espírito Santo desce sobre eles enquanto ele fala.
- At 15: No Concílio de Jerusalém, Pedro se levanta "depois de muita discussão" para declarar que a salvação também se destina aos gentios, e toda a assembleia silencia ao ouvi-lo.
O apologista católico Dave Armstrong, um dos grandes apologistas americanos católicos, resume assim: "O nome de São Pedro é mencionado mais vezes do que todos os outros discípulos juntos: 191 vezes (162 como Pedro ou Simão Pedro, 23 como Simão e 6 como Cefas). João aparece apenas 48 vezes".
Um Só Pastor
Uma das razões pelas quais faz sentido que Jesus tenha instituído o papado é a necessidade de garantir a unidade da Igreja. Sem a autoridade divina do papado, outras comunidades cristãs carecem da certeza de que suas doutrinas são verdadeiras. Nossos irmãos protestantes, por exemplo, nem mesmo têm certeza sobre quais livros pertencem à Bíblia, pois lhes falta uma autoridade final para resolver essa questão.
A situação é um pouco melhor entre os irmãos ortodoxos, que ao menos mantêm a sucessão apostólica e a autoridade dos bispos e patriarcas. Ainda assim, padecem por não reconhecerem a primazia do sucessor de Pedro. As divisões entre os diversos grupos ortodoxos, por exemplo, resultaram no fato de que não realizam um concílio ecumênico desde o Segundo Concílio de Niceia, em 787 d.C.
Parece, portanto, apropriado que Jesus tenha instituído um pastor terreno para representá-Lo na condução e proteção de seu rebanho. É exatamente isso que vemos no Evangelho segundo São João:"Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: devo conduzi-las também; elas ouvirão a minha voz; então haverá um só rebanho, um só pastor" (Jo 10,16).
Quem é esse único pastor? Em primeiro lugar, é claro que é o próprio Jesus, identificado como o Bom Pastor (cf. Jo 10,11). Mas há boas razões para crer que, em sentido secundário, esse "um só pastor" também se refira a Pedro. No final do Evangelho, Jesus diz a Pedro: "Apascenta as minhas ovelhas" (Jo 21,16). O verbo grego usado por Jesus para "apascentar" é poimaine, o mesmo termo de "pastor" em Jo 10. Ou seja, Jesus está ordenando a Pedro que seja o pastor de Suas ovelhas — não em substituição a Ele, mas como prolongamento de Sua missão. Pedro é pastor na medida em que é representante e administrador de Cristo.
Outro ponto importante: quando Jesus fala de "um só rebanho e um só pastor", Ele menciona as "outras ovelhas" que ainda precisam ser trazidas — isto é, os gentios. Agora volte ao capítulo 21, onde se dá a seguinte cena:
Quando saltaram em terra, viram brasas acesas, tendo por cima peixe e pão. Jesus lhes disse: "Trazei alguns dos peixes que apanhastes". Simão Pedro subiu então ao barco e arrastou para a terra a rede, cheia de cento e cinqüenta e três peixes grandes; e apesar de serem tantos, a rede não se rompeu.
Como já vimos, os peixes simbolizam as almas que Pedro é chamado a pescar. O número 153 é significativo porque, segundo São Jerônimo, os biólogos gregos haviam identificado 153 espécies diferentes de peixes no mundo natural. De acordo com essa interpretação, os 153 peixes simbolizam todas as nações.
E o que faz Pedro? Ele arrasta a rede para a margem! Num nível literal, isso parece inacreditável. Nenhum homem teria força suficiente para realizar tal feito sozinho, e João até faz questão de destacar que os peixes eram "grandes." No entanto, num nível espiritual, o texto assume um significado muito mais profundo.
Pedro, sem dúvida, deve ter recebido ajuda para puxar a rede, mas João deliberadamente concentra-se no apóstolo chefe para destacar o papel único que ele é chamado a desempenhar na vida da Igreja. Tim Staples explica:
Os peixes simbolizam os fiéis (como em Lc 5,8-10), e a rede representa a Igreja (cf. Mt 13,47). O fato de a rede não se romper também é significativo: a Igreja fundada por Cristo, contendo todos os fiéis de Deus, e conduzida por Pedro com este poder, jamais será destruída. É nesse contexto que Jesus interroga Pedro três vezes: "Tu me amas?" E, diante da resposta afirmativa, Jesus ordena: "Apascenta as minhas ovelhas" (gr. poímaine, "pastoreia") (v. 16). O Bom Pastor, Jesus, confia a Pedro a missão de ser o pastor profético de João 10,16 — o pastor de todo o povo de Deus. Quantas são as ovelhas de Jesus? Todas. E a quantas delas Jesus encarregou Pedro de apascentar? A todas.
Jesus quis que Seu rebanho fosse uno na doutrina e na prática. Por isso instituiu Pedro e seus sucessores como pastores terrenos, encarregados de garantir que a Igreja permaneça "a coluna e sustentáculo da verdade" (1Tm 3,15). Essa é a doutrina constante das Escrituras e a fé da Igreja desde os tempos apostólicos.
Desde o primeiro século, os Padres da Igreja — como São Clemente de Roma, Santo Inácio de Antioquia, Santo Irineu de Lião e São Cipriano de Cartago — testemunham a verdade da sucessão apostólica e da autoridade do papado. Como católicos de hoje, devemos ser profundamente gratos a Jesus por esse imenso dom que é o papado. E podemos confiar com plena certeza: a rocha sobre a qual Cristo edificou Sua Igreja jamais será vencida pelas forças da morte.
Autor: Clement Harrold
Original em inglês: St. Paul Center
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