Por Que Moisés Não Teve Permissão Para Entrar Na Terra Prometida?

06/07/2025

Desde os tempos antigos, intérpretes judeus e cristãos têm se intrigado com a decisão de Deus de impedir Moisés de entrar na Terra Prometida. O contexto imediato dessa decisão se encontra em Números 20. É o quadragésimo e último ano do Êxodo, e os israelitas mais uma vez ficaram sem água no deserto.

Diante dessa calamidade, o povo começa a reclamar contra Moisés e Aarão, dizendo que preferiam ter ficado no Egito. (É por causa dessa reclamação que o lugar recebe o nome de Meribá, ou "contenda".) Moisés então vai até a Tenda do Encontro, onde Deus lhe dá uma instrução:

Toma a tua vara e convoca a assembleia, tu e teu irmão Aarão. Ordenareis ao rochedo, diante de todos, que dê as suas águas; farás brotar a água do rochedo e darás de beber à assembleia e aos seus rebanhos. (Nm 20,8 – Bíblia Ave Maria)

Após reunir a congregação, Moisés se prepara para tirar água da rocha. Mas em vez de ordenar à rocha que desse sua água — como Deus lhe havia dito —, Moisés "feriu o rochedo com a sua vara duas vezes; as águas jorraram em abundância, de sorte que beberam, o povo e os animais". (Nm 20,11 – Bíblia Ave Maria). É nesse momento que Deus emite uma advertência solene a Moisés e Aarão:

Em seguida, disse o Senhor a Moi­sés e Aarão: "Porque faltastes à confiança em mim para fazer brilhar a minha santidade aos olhos dos israelitas, não introduzireis esta assembleia na terra que lhe destino". (Nm 20,12 – Bíblia Ave Maria)

À primeira vista, isso parece uma reação exagerada. Moisés e Aarão são culpados de um desvio aparentemente trivial das instruções de Deus e, em troca, recebem uma punição devastadora. A punição não parece se ajustar ao erro. Então, como devemos entender esse episódio confuso?

Falta de Fé?

Desde a Antiguidade, os comentaristas divergem quanto à melhor forma de interpretar o trecho de Números 20. O primeiro enigma é por que Moisés age da forma como agiu. Por que ele fere a rocha, em vez de simplesmente ordenar que ela dê água, conforme Deus lhe havia mandado? Em sua repreensão a Moisés e Aarão, Deus dá a entender que a desobediência deles teve origem em algum tipo de falta de fé: "Porque faltastes à confiança em mim para fazer brilhar a minha santidade aos olhos dos israelitas…" (cf. Nm 20,24; 27,14).

Uma possibilidade é que Moisés tenha considerado os detalhes do comando de Deus como irrelevantes, especialmente porque ele já havia obtido sucesso ao ferir uma rocha para obter água cerca de trinta e nove anos antes, no início do Êxodo (ver Ex 17,1–7). (Podemos acrescentar que há algo misterioso no fato de Deus ainda instruí-lo a levar o cajado até a rocha em Números 20, mesmo sem querer que ele o utilizasse.)

Outra possibilidade é que Moisés tenha ferido a rocha em um momento de impaciência e raiva — não direcionadas a Deus, mas aos israelitas — os "rebeldes" (Nm 20,10) que tanto lhe causaram sofrimento a ele e a Aarão. Essa interpretação talvez encontre apoio no Salmo 106:

[Os israelitas] irritaram a Deus nas águas de Meribá, e adveio o mal a Moisés por causa deles.Porque o provocaram tanto, palavras temerárias saíram-lhe dos lábios. (Sl 105/106,32-33)

Talvez Moisés, por um momento, tenha desistido de seu povo. Ele já não se importava em ajudá-los a perceber a santidade e o poder de Deus; queria apenas resolver logo a situação.

Outra possibilidade ainda é que tenha sido o orgulho de Moisés que o dominou. Suas palavras aos israelitas podem ser interpretadas como se ele e Aarão, e não Deus, fossem os autores do milagre: "Ouvi, rebeldes: Acaso faremos nós brotar água deste rochedo?" (Nm 20,10). Talvez o episódio da rocha ilustre Moisés cedendo à tentação de confiar em seu próprio poder, em vez de fazer o ato de fé que Deus lhe pediu.

No fim das contas, não sabemos por que Moisés agiu como agiu. Tampouco sabemos a resposta para nosso segundo enigma: por que a punição de Deus foi tão severa. O quadro se complica ainda mais quando consideramos que há vários outros momentos no Pentateuco em que Moisés mostra-se menos que perfeito (ver, por exemplo, Ex 4,24–26). E, no entanto, por alguma razão, as punições que ele recebeu nessas ocasiões foram bem mais passageiras.

Parece, então, que o autor sagrado intencionalmente deixou os eventos de Números 20 bastante ambíguos. Em um nível, essa ambiguidade é frustrante. Mas, em outro, a natureza misteriosa do texto nos convida a refletir mais profundamente sobre tudo o que Moisés foi obrigado a suportar.

Os Pecados do Povo

Um aspecto da narrativa bíblica que pode lançar luz sobre o castigo de Moisés é seu papel como figura sacerdotal que intercede junto a Deus em favor do povo. Encontramos uma ilustração dramática disso em Deuteronômio 9, que recorda a apostasia de Israel com o bezerro de ouro em Êxodo 32. Moisés relembra aos israelitas como, em nada menos que três ocasiões, ele ofereceu oração e penitência em nome deles:

Em Horeb, o provocaste de tal forma que ele, irado, quis aniquilar-te. Quando eu subi ao monte para receber as tábuas de pedra, as tábuas da alian­ça que o Senhor fez convosco, permaneci no monte quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber água. (Dt 9,8-9)
Prostrei-me em seguida diante do Senhor, como antes, e estive quarenta dias e quarenta noites sem comer pão, nem beber água, por causa de todos os pecados que tínheis cometido, fazendo o que é mau aos olhos do Senhor, e provocando-o à ira. (Dt 9,18)
Fiquei, portanto, quarenta dias e quarenta noites prostrado diante do Senhor, porque vos queria aniquilar. (Dt 9,25)

Nesses textos, Moisés brilha como um protótipo de Cristo: alguém que intercede pela nação e oferece satisfação a Deus pelos pecados dela. Quando colocamos isso ao lado da punição que Moisés recebe em Números 20, abre-se a possibilidade de que Moisés, de certo modo, tenha sido chamado a compartilhar da punição da geração pecadora de israelitas que foi impedida de entrar na Terra Prometida (ver Dt 2,14).

Essa linha de raciocínio parece ser sustentada em outras passagens de Deuteronômio. Veja os seguintes trechos, que sugerem que os pecados do povo foram responsáveis, ao menos em parte, pela ira de Deus contra Moisés:

O Senhor, tendo ouvido o som de vossas palavras, encolerizou-se e fez este juramento: 'Nenhum dos homens desta geração perversa verá a boa terra que eu, com juramento, prometi dar a vossos pais, exceto Caleb, filho de Jefoné. Este a verá, e eu darei a ele e a seus filhos o solo que ele pisou, porque cumpriu a vontade do Senhor'. Até contra mim se irritou o Senhor por causa de vós:' tu tampouco' – disse-me ele – 'entrarás nessa terra!'.
Entrementes, roguei ao Senhor, dizendo: 'Senhor Javé, começastes a mostrar ao vosso servo vossa grandeza e o poder de vossa mão. Qual é, nos céus ou na terra, o deus que pode igualar-se a vós em obras e grandes feitos? Ah, se eu pudesse, também eu, passar e ver essa boa terra além do Jordão, essa bela montanha, e o Líbano!'. Mas o Senhor irou-se contra mim por causa de vós, e não me ouviu. Disse-me: 'Basta! Não me fales mais em tal coisa!'. (Dt 3,23-26)
O Senhor irritou-se contra mim por causa de vós, e jurou que eu não passaria o Jordão, nem entraria na boa terra que ele, o Senhor, vosso Deus, vos dá como herança. (Dt 4,21)

Esses versículos comoventes ressaltam até que ponto Moisés foi chamado a se identificar com Israel pecador e a sofrer por ele. É justamente esse papel sacerdotal de Moisés, além disso, que leva o povo a se queixar dele em Meribá, da mesma forma como queixam de Deus:

[O povo] procurou disputar com Moisés. (Nm 20,3)
Estas são as águas de Meribá, onde os israelitas se queixaram do Senhor (Nm 20,13)

A Moisés, portanto, pertence o privilégio e o fardo de mediar Israel a Deus, e Deus a Israel. No entanto, só podemos compreender os primeiros livros da Bíblia se lembrarmos que Moisés sempre o faz de maneira imperfeita: ele é apenas um tipo ou símbolo de Cristo, não o próprio Cristo. Essas imperfeições são destacadas em Meribá, onde, por razões não totalmente claras para nós, Moisés vacila em sua relação com Deus.

E, no entanto, a interpretação que temos considerado aqui sugeriria que pode haver mais em Meribá do que aparenta. Sem dúvida Deus está punindo Moisés em certo sentido. Mas será que, num sentido mais profundo, Deus está convidando Moisés a oferecer reparação em nome de Seu povo? Talvez Moisés, que há muito tempo aceitara ser o instrumento escolhido por Deus, agora estivesse sendo chamado a fazer o sacrifício supremo de amor e obediência pelo bem de Israel pecador.

Se isso for verdade, então isso sugere que foi precisamente ao olhar para os sofrimentos de Moisés que Israel pôde entrever a santidade absoluta de Deus, expressa em sua total incompatibilidade com o pecado: "Estas são as águas de Meribá, onde os israelitas se queixaram do Senhor, e onde este fez resplandecer a sua santidade" (Nm 20,13; cf. Ez 28,22).

Ao compartilhar da penalidade por sua desobediência, Moisés revelou aos israelitas tanto o verdadeiro custo do pecado deles quanto a verdadeira radicalidade do amor redentor. E, em seu sacrifício, o povo de Deus viu uma imagem d'Aquele que viria: o novo e maior Moisés, o Filho eterno de Deus, que sofreria e morreria não apenas por Israel, mas pelo mundo inteiro.

Autor: Clement Harrold

Original em inglês: St. Paul Center