Por Que Jesus Deu A Comunhão A Judas?

Se Jesus deu a comunhão a Judas, então por que as Missas católicas não deveriam oferecer a comunhão a todos?
Por que a Igreja Católica "controla" quem pode receber a Eucaristia? Afinal, muitas igrejas protestantes praticam a "comunhão aberta", na qual a Ceia do Senhor é oferecida a todos os cristãos batizados presentes, ou a todos os fiéis (incluindo os não batizados), ou simplesmente a quem desejar recebê-la.
Mas, como um não-católico que assiste a uma Missa católica logo descobre, o contrário não acontece: os não-católicos (normalmente) não têm permissão para receber a comunhão. E os próprios católicos são lembrados de que "quem estiver consciente de pecado grave" não "comungue o Corpo do Senhor, sem fazer previamente a confissão sacramental, a não ser que exista uma razão grave e não tenha oportunidade de se confessar" (CDC 916). E os ministros da Sagrada Comunhão são instruídos de que não sejam admitidos à sagrada comunhão aqueles que foram excomungados ou que "obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto" (915).
À primeira vista, é fácil entender por que a prática católica da "comunhão fechada" parece escandalosa e farisaica. Afinal, quando "publicanos e pecadores aproximavam-se" de Jesus, foram os fariseus hipócritas que reclamaram que "Este homem acolhe os pecadores e come com eles" (Lucas 15,1-2). Se Jesus ceiava com pecadores, por que lhes negamos a Ceia do Senhor?
A resposta é que Jesus trata a Última Ceia de forma diferente. Para começar, enquanto Jesus ceava livremente com outros, a Última Ceia é apresentada nos Evangelhos como um evento mais exclusivo, entre Jesus e seus doze escolhidos. São Mateus diz que Jesus "se pôs à mesa com os Doze", e São Lucas descreve como Jesus lhes disse: "Vós sois aqueles que permaneceram comigo em minhas provações. Por isso, assim como o meu Pai me confiou o Reino, eu também vos confio o Reino. Havereis de comer e beber à minha mesa no meu Reino, e vos sentareis em tronos para julgar as doze tribos de Israel" (22,28-30).
Este é um momento especial e íntimo entre Jesus e seus seguidores mais próximos. Jesus lhes diz: "Ardentemente desejei comer convosco esta ceia pascal, antes de padecer" (Lucas 22,15). Este contexto judaico é significativo, visto que a Páscoa era uma celebração decididamente "fechada": "Se um estrangeiro que vive contigo quiser celebrar a Páscoa do Senhor, fará circuncidar todos os homens da família, e só então poderá participar como se fosse um nativo do país. Mas nenhum incircunciso poderá tomar parte" (Êxodo 12,48). Em outras palavras, qualquer pessoa era livre para participar da mesa da Páscoa... contanto que primeiro entrasse para o povo da aliança através da circuncisão.
Não se trata apenas de a Última Ceia ser um momento íntimo entre Jesus e seus discípulos, ou de ser o cumprimento da Páscoa judaica. Trata-se também de a Eucaristia ser comunhão com Jesus Cristo. É por isso que os católicos, que acreditam que a Eucaristia é realmente Jesus, tratam a Eucaristia com mais reverência e de maneira mais exclusiva do que os cristãos que acreditam que ela é apenas um símbolo. Levamos a sério a advertência de São Paulo de que quem "quem come e bebe sem distinguir devidamente o corpo" e que "come e bebe sua própria condenação" (1 Coríntios 11, 27,29).
Os cristãos encaram a hospitalidade (aberta a todos!) de maneira muito diferente da intimidade conjugal (reservada para aquele com quem se tem um relacionamento de aliança!). Então, com qual dessas duas a Eucaristia se assemelha mais? Se você pensa que a Eucaristia é apenas um símbolo, pode pensar que se assemelha mais à primeira. Mas as Escrituras são claras quanto à segunda. São Paulo pega as palavras de Gênesis 2,24, sobre como "eles serão uma só carne" na união sexual, e as aplica à união de Cristo e da Igreja (Efésios 5,31-32). E como essa união ocorre? Como Paulo explica: "O cálice da bênção, que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? E o pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo?" E Paulo insiste que nós "somos um só corpo, pois todos participamos desse único pão" (1 Coríntios 10,16-17). Em outras palavras, Cristo e a Igreja se tornam um só corpo por meio da Eucaristia.
São Justino Mártir nos contou tudo isso por volta do ano 160, escrevendo:
E este alimento é chamado entre nós Εὐχαριστία (a Eucaristia), da qual ninguém pode participar senão aquele que crê que as coisas que ensinamos são verdadeiras e que foi lavado com a lavagem que é para o remissão de pecados e para regeneração, e quem vive como Cristo ordenou. Pois não os recebemos como pão e bebida comuns; mas da mesma maneira que Jesus Cristo nosso Salvador, tendo sido feito carne pela Palavra de Deus, tinha carne e sangue para nossa salvação, da mesma forma fomos ensinados que o alimento que é abençoado pela oração de Sua palavra, e da qual nosso sangue e carne por transmutação são nutridos, é a carne e o sangue daquele Jesus que se fez carne.
Assim, os primeiros cristãos não praticavam a comunhão aberta. Eles exigiam que qualquer pessoa que se apresentasse para receber a Eucaristia fosse (1) batizada, (2) católica praticante e (3) não vivesse em pecado. Por quê? Porque, como diz Justino, os primeiros cristãos perceberam que a Eucaristia não é comida e bebida comuns, mas verdadeiramente a carne e o sangue de Jesus. Os primeiros cristãos levavam tão a sério essa proteção da Eucaristia que na Igreja primitiva, os catecúmenos, ou ouvintes que ainda não haviam sido batizados, eram dispensados ao final da Liturgia dos Catecúmenos, e os fiéis, ou cristãos batizados, permaneciam para celebrar o mistério da Eucaristia.
Mas e Judas? É muito fácil dizer, como faz a Liturgia Oriental, "Coisas santas para pessoas santas". Mas, naquela primeira Eucaristia, encontramos Judas Iscariotes. Benjamin Perry, um pastor protestante da Middle Church na cidade de Nova York ("onde a terapia encontra a Broadway"), apresenta o argumento da seguinte maneira:
Não negue a comunhão a ninguém. Nunca.
A comunhão não é uma recompensa. Não é um privilégio para os justos. É um convite para se aproximar da mesa de Deus, onde todos têm o suficiente e todos têm um lugar.
Lembre-se: Jesus deu a comunhão a Judas
Como podemos entender isso? Para começar, não está totalmente claro se Jesus deu a Eucaristia a Judas, e os primeiros cristãos discordavam sobre esse ponto. No entanto, a opinião majoritária é que provavelmente sim, e por um bom motivo: o pecado de Judas era secreto. Como explica Santo Tomás de Aquino, "Cristo, como Deus, conhecia a nequícia de Judas; mas não a conhecia ao modo por que os homens conhecem. Por isso não excluiu a Judas da comunhão, para dar o exemplo aos outros sacerdotes, de não excluírem tais pecadores ocultos".
Esta é uma distinção importante. Considere o caso de duas pessoas que cometem adultério. Uma delas se arrepende e se confessa; a outra não. Se o sacerdote souber do adultério apenas por meio da confissão, ele não pode negar a comunhão ao pecador impenitente, pois fazê-lo seria revelar esse pecado secreto. Da mesma forma, "se teu irmão pecar contra ti", primeiro "vai corrigi-lo, tu e ele a sós! Se ele te ouvir, terás ganho o teu irmão" (Mt 18,15). As pessoas devem ter espaço para se arrependerem em silêncio, sem serem humilhadas publicamente. Mas nada disso se aplica quando a pessoa é abertamente não-católica, seja em credo ou em ação. É por isso que o cânon 915 diz que se nega a comunhão em casos de "pecado grave manifesto" — o pecado tem que ser revelado.
No caso de Judas, vemos esses princípios em ação. Inicialmente, Tomás de Aquino destaca: "Cristo, como Deus, conhecia a nequícia de Judas; mas não a conhecia ao modo por que os homens conhecem". Jesus não quer revelar publicamente seu pecado secreto e, por isso, diz: "Em verdade vos digo, um de vós me vai entregar". Seus discípulos, incluindo Judas, perguntam então: "Acaso sou eu, Senhor?" (Mateus 26, 20-25). Jesus deu a Judas uma última chance de se converter sem mencioná-lo abertamente. Ao fazer isso, também tocou a consciência dos outros discípulos, que não têm certeza de que não serão eles a trair Jesus. Somente quando o pecado de Judas se torna manifesto, quando ele está abertamente traindo Jesus, é que Jesus o repreende abertamente: "Judas, com um beijo tu entregas o Filho do Homem?" (Lucas 22,48).
Este é o modelo que a Igreja tem procurado seguir nos últimos dois mil anos. Se o pecado da pessoa for privado, trate do assunto em particular (inclusive instruindo-a a não se apresentar para a Comunhão); se o pecado da pessoa for público, evite o escândalo recusando-lhe a comer e beber, pois isso seria "sua própria condenação" (1 Coríntios 11, 29.
Autor: Joe Heschmeyer
Original em inglês: Catholic Answers
Leituras Sugeridas:
Livro Apologias - São Justino Martir está disponível em arquivo epub. Após baixar, para transformar epub em PDF acessar aqui. Judas comungou na Última Ceia? Comunhão, traição e o mistério do Amor Divino