Os Dois Tipos De Hedonismo

19/06/2022
The Pursuit of Pleasure (A Busca do Prazer) por Joseph Noel Paton, 1848 [Yale Center for British Art, New Haven, CT]
The Pursuit of Pleasure (A Busca do Prazer) por Joseph Noel Paton, 1848 [Yale Center for British Art, New Haven, CT]

No mundo da filosofia moral antiga, havia duas escolas de hedonismo muito diferentes. Ambas concordavam com o princípio fundamental do hedonismo, a saber, que os sentimentos de prazer são as únicas coisas intrinsecamente boas no mundo e os sentimentos de dor as únicas coisas intrinsecamente más.

Todas as outras coisas que chamamos de boas (riqueza, saúde, liberdade, boa aparência, poder, fama etc.) são boas apenas de maneira instrumental; isto é, elas são boas na medida em que conduzem ao prazer. E todas as outras coisas que chamamos de más (pobreza, doença, escravidão, vício, feiúra, fraqueza, obscuridade etc.) são ruins apenas de maneira instrumental; isto é, são ruins na medida em que levam à dor.

Segue-se daí que a bondade moral, portanto, não é verdadeiramente boa; é boa apenas na medida em que leve ao prazer. E a maldade moral não é verdadeiramente má; é má apenas na medida em que leve à dor.

Mas as duas escolas discordavam sobre o que consideravam como prazer e dor.

Uma escola (os Cirenaicos) sustentava que os prazeres corporais (por exemplo, os prazeres da comida, bebida e sexo) são melhores do que os prazeres mentais (por exemplo, os prazeres de estudar geometria ou ler A Ilíada) porque são, pelo menos no momento em que são experimentados, mais agradáveis.

A outra escola (os epicuristas) inverteu isso, sustentando que os prazeres mentais são melhores do que os prazeres corporais porque são menos misturados à dor e são (ou pelo menos podem ser) mais duradouros. O epicurista admitiria que uma boa refeição e algumas taças de vinho são momentaneamente mais prazeirosas do que um bom livro; mas os prazeres do vinho e de uma boa refeição são breves e muitas vezes são seguidos de indigestão ou ressaca, enquanto o prazer que vem da leitura de Homero é duradoura e não nos dá nem indigestão e nem ressaca.

Outra diferença entre as duas escolas era que os cirenaicos reconheciam três estados mentais possíveis, prazer, dor e um estado neutro de nem prazer e nem dor; enquanto os epicuristas reconheciam apenas dois estados mentais: prazer e dor.

Quanto ao estado neutro, os epicuristas o consideravam como prazer; tudo, portanto, que não fosse doloroso seria considerado como prazer. E o maior de todos os prazeres seria a paz de espírito, que, ao contrário dos prazeres da comida, bebida e sexo, podia durar anos a fio sem efeitos colaterais dolorosos.

Se você fosse um cirenaico, poderia, se tivesse sorte, acumular um grande número de prazeres de curto prazo durante sua vida; mas seria difícil para você viver uma vida que fosse agradável de uma maneira geral, pois a pessoa comum experimenta um número imenso de dores, grandes e pequenas, no decorrer da vida.

Um mestre cirenaico em Alexandria, vendo que para a pessoa comum as dores corporais superam os prazeres corporais, concluiu que a maioria das pessoas estariam melhores se nunca tivessem nascido, e aqueles que tiveram o azar de nascer estariam melhor mortos. (Quando uma onda de suicídios resultou de seu ensino, as autoridades de Alexandria o demitiram. O coitado não tinha estabilidade...)

O estilo de vida epicurista não era tanto uma vida de busca de prazer, mas uma vida que evitava a dor. Com o tempo, tornou-se a forma predominante de hedonismo filosófico, pois os filósofos reconheceram que uma vida de vinho, mulheres (ou meninos: esse era o mundo antigo, lembre-se) e a música era impraticável a longo prazo; embora fosse bem possível, porém talvez não fácil, viver uma vida predominantemente livre de preocupação, medo e ansiedade.

Bem, creio que algo como aquela antiga transição de um hedonismo positivo que busca o prazer para um hedonismo negativo que evita a dor aconteceu, ou está acontecendo atualmente, no mundo moderno. A forma inicial do hedonismo moderno foi o utilitarismo, que buscava a "maior felicidade possível". A forma contemporânea de hedonismo é o liberalismo moral, que sustenta que podemos fazer o que quisermos, desde que não prejudiquemos os outros.

Acontece que, infelizmente, para pessoas que tiveram o azar de viver sob o domínio de planejadores sociais utilitaristas, esses planejadores (mesmo planejadores de algum talento como Lenin e Mao) não são muito bons em fazer arranjos para a felicidade de centenas de milhões de pessoas. Na verdade, muito pelo contrário. E assim desenvolveu-se um certo ceticismo quanto à possibilidade de planejadores sociais (ou seja, funcionários do governo) reorganizarem a sociedade para que a pessoa comum possa levar uma vida feliz.

Não digo que a crença nessa possibilidade tenha desaparecido totalmente. Longe disso. Em nosso meio, nos Estados Unidos [N.T.: e no Brasil também], ainda há pessoas (chamam-se progressistas: seria melhor chamá-los de leninistas modernos) que acreditam ser possível que um governo bom e sábio (isto é, um governo composto por pessoas como eles) pode fazer as pessoas felizes.

Mas há outros hedonistas modernos (do tipo negativo) que, duvidando da possibilidade de planejar a felicidade social, concluíram que o melhor que podemos fazer é diminuir o sofrimento, o que pode ser feito de duas maneiras: primeiro, não causando; segundo, atenuando-o quando nos deparamos com ele.

Essa atitude tem uma semelhança superficial com a moralidade cristã - com o infeliz resultado de que cristãos incautos muitas vezes cometem o grande erro de pensar que essa atitude bastante secular (até ateísta) é idêntica à ética cristã. Assim, muitas vezes encontramos católicos sinceros endossando a homossexualidade e o aborto, já que a recusa em endossá-los causa dor para muitos homossexuais e jovens grávidas.

This kind of hedonism, this anti-pain kind, leads to what is (I think) the predominant theory of morality in America today, the theory that says, "We are free to do whatever we wish provided we cause no evident pain to others." The trouble with this theory is not a small one: sooner or later, it will cause the moral disintegration of American society.

Esse tipo de hedonismo, esse tipo de anti-dor, leva (penso eu) à teoria da moralidade predominante hoje na América [N.T.: e no Brasil também], à teoria que diz: "Somos livres para fazer o que quisermos, desde que não causemos dor evidente aos outros." O problema com essa teoria não é pequeno: mais cedo ou mais tarde, causará a desintegração moral da sociedade americana [N.T.: e da brasileira também].

E essa desintegração, podemos ver, já está bem avançada.

Autor: David Carlin

Original em inglês: The Catholic Thing