O Significado Mais Profundo Da Assunção

No ano jubilar de 1950, na festa de Todos os Santos, o Papa Pio XII publicou a constituição apostólica Munificentissimus Deus (Deus Munificentíssimo), que definiu formalmente o dogma da Assunção de Nossa Senhora. A palavra inglesa "Assunção" vem do substantivo latino assūmptiō, que significa "elevado".
Escrevendo apenas cinco anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Papa Pio observou que "nestes nossos tempos refulgiu com luz mais clara o privilégio da assunção corpórea da Mãe de Deus" (n. 3). O pontífice prosseguiu declarando infalivelmente que ""a imaculada Mãe de Deus, a sempre virgem Maria, terminado o curso da vida terrestre, foi assunta em corpo e alma à glória celestial" (n.º 44).
Nesta postagem, exploraremos algumas das razões pelas quais o Papa Pio chegou a essa conclusão, bem como algumas das lições que a Assunção de Maria nos ensina para nossa vida cotidiana hoje.
A Razoabilidade da Assunção
Os protestantes frequentemente contestam a doutrina da Assunção com base no fato de que ela nunca aparece explicitamente nas Escrituras Sagradas, e mesmo muitos católicos podem ter dificuldade em aceitar esse fato. É importante reconhecer, porém, que não há nada nas Escrituras que contradiga a Assunção. Sabemos também que muitos dos momentos cruciais da vida de Nosso Senhor e de Sua mãe — por exemplo, a morte de São José — não estão registrados nas Escrituras (ver João 21, 25).
Igualmente importante é o fato de que a Sagrada Escritura nunca afirma ser a única fonte da verdade divina. Os católicos, portanto, rejeitam a doutrina protestante da sola scriptura, que considera a Bíblia como a única regra infalível da fé, por ser ela própria antibíblica. Juntamente com as Igrejas Ortodoxas, os católicos reconhecem, em vez disso, um papel essencial para a Sagrada Tradição.
A Sagrada Tradição é o que nos ajuda a identificar com precisão as Escrituras em primeiro lugar; é o que nos fornece uma interpretação confiável das Escrituras em todas as épocas; e é o que nos permite descobrir aquelas verdades sobre a fé que podem ser inferidas das Escrituras, mesmo que não estejam explicitamente descritas nas Escrituras. A Assunção é uma dessas verdades.
De uma perspectiva católica, portanto, há uma série de dados que tornam o dogma da Assunção pelo menos possível, se não totalmente plausível:
- Maria é o ser humano mais santo e exaltado da história, perdendo apenas para Nosso Senhor.
- Há outros exemplos nas Escrituras de pessoas que foram assuntas ao céu.
- Não há relíquias de Nossa Senhora na Igreja primitiva.
- Por mais de mil anos, a maioria dos cristãos aceitou a verdade da Assunção.
- A doutrina da Assunção se encaixa de forma robusta e bela com o resto das Escrituras Sagradas.
Em conjunto, esses pontos ajudam a estabelecer que a Assunção não é irracional nem extravagante. É verdade que os cristãos que seguem a sola scriptura são forçados a rejeitar a Assunção. Mas para os fiéis que seguem a maioria dos relatos da tradição cristã (tanto católica quanto ortodoxa) em considerar a sola scriptura como algo tolo, a Assunção continua sendo uma doutrina perfeitamente razoável.
De uma perspectiva bíblica, a Assunção não é um evento sem precedentes; figuras como Enoque, Elias e, possivelmente, Moisés também parecem ter sido assuntos ao céu.
De uma perspectiva histórica, a falta de relíquias de primeira classe de Maria na Igreja primitiva levanta uma questão óbvia: o que aconteceu ao seu corpo? Existem alguns túmulos atribuídos a ela, mas os túmulos estão vazios. Dado que a Igreja primitiva reconheceu muito rapidamente a imensa honra devida a Nossa Senhora, é estranho que não possuamos nenhum dos seus restos mortais.
De uma perspectiva eclesial, o fato de as Igrejas apostólicas terem aceitado a verdade da Assunção há muito tempo é significativo. E embora os primeiros Padres da Igreja não comentem a Assunção de forma alguma, a doutrina começa a ser discutida favoravelmente pelo menos a partir do século III d.C.
Quando o dogma da Assunção foi finalmente definido por Pio XII em 1950, foi o culminar de um processo de discernimento eclesial que durou mais de um milênio, e a decisão do papa contou com o apoio explícito da grande maioria dos bispos e leigos da Igreja. Esses fatos sugerem que o desenvolvimento dessa notável doutrina é fruto do Espírito Santo.
A Adequação da Assunção
Até agora, discutimos vários pontos que estabelecem a razoabilidade da Assunção, mas ainda não comentamos o quinto ponto mencionado acima: a doutrina da Assunção se encaixa de forma robusta e bela com o resto das Escrituras Sagradas.
Para entender como isso acontece, precisamos recordar o papel extraordinariamente único que Nossa Senhora é chamada a desempenhar na história da salvação. Ela é, naturalmente, a mãe do Deus-homem, aquela em cujo "sim" repousa a redenção de toda a criação. Como explicamos em um artigo anterior:
De acordo com o Novo Testamento, Maria é aquela cuja perfeita submissão à vontade de Deus ajuda a desfazer o pecado de Eva (ver Lc 1,38), aquela que é repleta de graça (ver Lc 1,28), aquela que é coberta pela sombra do Espírito Santo (ver Lc 1,34), aquela que é a mais abençoada entre as mulheres (ver Lc 1,42), aquela a quem todas as gerações chamarão de bem-aventurada (ver Lc 1,48), aquela cuja intercessão maternal leva Jesus a iniciar Seu ministério de milagres (ver Jo 2,5), aquela a quem Jesus confia Seu discípulo mais querido (ver Jo 19,27) e aquela que é retratada como uma mãe espiritual para todos os fiéis (ver Ap 12,17).
De um ponto de vista bíblico, Maria é a Mãe de Deus (veja Lc 1,43) e a nova Arca da Aliança que recebe a ira de Satanás (ver Ap 11,19-12;1,17). Além disso, ela está presente em todos os momentos cruciais da gestação da Igreja: a Encarnação, o nascimento de Cristo, a crucificação (ver Jo 19,25-27) e o Pentecostes (ver Atos 1,14). Em resumo, nossa Mãe Santíssima recebe um status muito mais elevado do que qualquer outra figura humana na Sagrada Escritura e, como tal, ela deve ser apreciada e celebrada por todos os cristãos.
Essas observações fornecem um contexto crucial para compreender por que a Assunção faz tanto sentido. Três aspectos em particular merecem destaque: a Imaculada Conceição de Maria; seu status como a nova Arca da Aliança; e seu status como a nova Eva.
Na sua Imaculada Conceição, Maria foi concebida livre de qualquer mancha de pecado. Isso é mencionado na saudação do anjo Gabriel a ela: "Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo!" (Lucas 1, 28). O Papa Pio explica a íntima conexão entre a Imaculada Conceição de Maria e a sua Assunção:
"… De fato esses dois dogmas estão estreitamente conexos entre si. Cristo com a própria morte venceu a morte e o pecado, e todo aquele que pelo batismo de novo é gerado, sobrenaturalmente, pela graça, vence também o pecado e a morte. Porém Deus, por lei ordinária, só concederá aos justos o pleno efeito desta vitória sobre a morte, quando chegar o fim dos tempos. Por esse motivo, os corpos dos justos corrompem-se depois da morte, e só no último dia se juntarão com a própria alma gloriosa.
Mas Deus quis excetuar dessa lei geral a bem-aventurada virgem Maria. Por um privilégio inteiramente singular ela venceu o pecado com a sua concepção imaculada; e por esse motivo não foi sujeita à lei de permanecer na corrupção do sepulcro, nem teve de esperar a redenção do corpo até ao fim dos tempos" (Munificentissimus Deus, nº 4-5).
Se a Imaculada Conceição de Maria aponta para a Assunção de Nossa Senhora, o mesmo acontece com a sua posição de nova Arca da Aliança. Esta posição é destacada nos Evangelhos e no livro do Apocalipse, e é atestada por Padres da Igreja como Santo Ambrósio e Santo Atanásio.
Em virtude da Encarnação, Maria tornou-se durante nove meses um tabernáculo vivo, uma nova e maior Arca da Aliança contendo o próprio Deus em seu ventre. O Papa Pio cita São Roberto Belarmino, que se opõe, com razão, à ideia de que este tabernáculo imaculado sofra a corrupção da sepultura:
"Quem há, pergunto, que possa pensar que a arca da santidade, o domicílio do Verbo, o templo do Espírito Santo tenha caído em ruínas? Horroriza-se o espírito só com pensar que aquela carne que gerou, deu a luz, alimentou e transportou a Deus, se tivesse convertido em cinza ou fosse alimento dos vermes" (ver Munificentissimus Deus, n.º 34, citando São Roberto Belarmino).
Na tradição da Igreja, o Salmo 132,8 tem sido por vezes interpretado como uma expressão mística da verdade da Assunção de Maria: "Levanta-te, Senhor, para o lugar do teu repouso, tu e a arca do teu poder".
A terceira característica de Nossa Senhora que lança luz sobre sua Assunção é sua posição de nova Eva. Essa identificação é feita muito cedo na história da Igreja. Considere o que Santo Irineu escreveu por volta do ano 180 d.C.:
A sedução de que foi vítima, miseravelmente, a virgem Eva, destinada a varão, foi desfeita pela boa-nova da verdade, maravilhosamente anunciada pelo anjo à Virgem Maria, já desposada a varão. Assim como Eva foi seduzida pela fala de anjo e afastou-se de Deus, transgredindo a sua palavra, Maria recebeu a boa-nova pela boca de anjo e trouxe Deus em seu seio, obedecendo à sua palavra. Uma deixou-se seduzir de modo a desobedecer a Deus, a outra deixou-se persuadir a obedecer a Deus, para que, da virgem Eva, a Virgem Maria se tornasse advogada. O gênero humano que fora submetido à morte por uma virgem, foi libertado dela por uma virgem; a desobediência de uma virgem foi contrabalançada pela obediência de uma virgem"(Contra as Heresias - Livro I, 19,1)
Maria é a nova Eva que auxilia Jesus, o novo Adão, na redenção do mundo. Ela é osso dos seus ossos e carne da sua carne (cf. Gn 2, 23), partilha do seu DNA e da sua missão salvífica. Pio XII descreve-a como "generosa companheira do divino Redentor que obteve triunfo completo sobre o pecado e suas conseqüências" (n. 40).
Para que o triunfo do novo Adão sobre o pecado e a morte fosse completo, era justo que a nova Eva participasse do Seu triunfo. Por isso, Maria foi preservada não só do pecado original e pessoal, mas também da corrupção que se segue à morte. A Assunção de Maria torna-se assim, à semelhança da Ressurreição do seu divino Filho, um primeiro fruto da glória que aguarda os nossos corpos mortais (cf. 1 Cor 15, 20-23). Em outras palavras, não é apenas o novo Adão, mas também sua noiva mística, a nova Eva, que juntos transformaram a morte física em um caminho para a vida eterna, abrindo o caminho para todos os fiéis.
Por último, mas não menos importante, a Assunção ressalta maravilhosamente a totalidade da vitória de Cristo sobre o diabo. Enquanto a primeira Eva trouxe a morte ao mundo ao obedecer à voz da serpente, a nova Eva trouxe a vida ao mundo ao obedecer à voz de Deus. Seu "sim" tornou possível o Calvário, pelo qual o Filho de Deus deu Sua vida em resgate por muitos e destruiu as fortalezas do diabo.
Confrontado com a pureza radiante da humilde serva de Nazaré, o maligno percebeu, para sua vergonha, o verdadeiro poder da Cruz de Cristo, que removeu o aguilhão da morte e roubou ao inferno a sua vitória. Na sua gloriosa Assunção, os salões do céu regozijaram-se com a vitória sobre Satanás, que as Escrituras tinham profetizado há muito tempo: "O Senhor o derrubou pela mão de uma mulher!" (Judite 13, 15; cf. Gn 3, 15).
A Assunção nos Ensina a Esperança
Podemos encerrar essas reflexões com uma breve reflexão sobre o que a Assunção nos ensina hoje. A Missa da Solenidade da Assunção contém um belo prefácio:
Hoje a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi elevada ao céu. Sinal de inabalável esperança e consolo para o povo peregrino, ela é primícia e imagem da Igreja chamada à glória, pois não quisestes que sofresse a corrupção do sepulcro aquela que gerou, de modo inefável, o vosso Filho feito homem, autor de toda a vida.
Esta oração destaca a íntima conexão entre este mistério e a virtude da esperança. Em um mundo onde a esperança está tão frequentemente ausente, a Assunção de Maria nos ensina a fixar nossos olhos nas coisas do alto (cf. Cl 3,2).
A Assunção nos lembra a verdade da Ressurreição: a verdade de que a morte não é o fim, que a doença e a dor não têm a última palavra e que a redenção que nos espera é aquela que inclui nossos corpos mortais (ver Rm 8, 23). Nas palavras do Catecismo da Igreja Católica, "A Assunção da santíssima Virgem é uma singular participação na ressurreição do seu Filho e uma antecipação da ressurreição dos outros cristãos" (nº 966).
A Assunção também nos dá esperança de que a vitória sobre o pecado é possível; e que a santidade pessoal e a pureza de coração não são ideais impossíveis, mas virtudes alcançáveis que são impressionantes de se ver. Finalmente, a Assunção nos dá esperança de que, em todas as nossas provações, temos uma Mãe sem pecado e poderosa que intercede incansavelmente por nós para que cheguemos em segurança ao lar celestial.
Concluímos, então, com a descrição profética do próprio Papa Pio XII sobre os maravilhosos frutos espirituais que o dogma da Assunção traria à Igreja e ao mundo:
Nós… confiamos firmemente que esta solene proclamação e definição será de grande proveito para a humanidade inteira, porque reverte em glória da Santíssima Trindade, a qual a virgem Mãe de Deus está ligada com laços muito especiais. É de esperar também que todos os fiéis cresçam em amor para com a Mãe celeste, e que os corações de todos os que se gloriam do nome de cristãos se movam a desejar a união com o corpo místico de Jesus Cristo, e que aumentem no amor para com aquela que tem amor de Mãe para com os membros do mesmo augusto corpo. E também é lícito esperar que, ao meditarem nos exemplos gloriosos de Maria, mais e mais se persuadam todos do valor da vida humana, se for consagrada ao cumprimento integral da vontade do Pai celeste e a procurar o bem do próximo. Enquanto o materialismo e a corrupção de costumes que dele se origina ameaçam subverter a luz da virtude, e destruir vidas humanas, suscitando guerras, é de esperar ainda que este luminoso e incomparável exemplo, posto diante dos olhos de todos, mostre com plena luz qual o fim a que se destinam a nossa alma e o nosso corpo. E, finalmente, esperamos que a fé na assunção corpórea de Maria ao céu torne mais firme e operativa a fé na nossa própria ressurreição. (Munificentissimus Deus, nº 42)
Autor: Clement Harrold
Original em inglês: St. Paul Center