O Significado Da Ascensão
![A Ressurreição e Ascensão de Cristo, de um artista desconhecido, c. 400 [Museu Nacional da Baviera, Munique]. Esse relevo em marfim está entre as primeiras representações do evento da Páscoa: um anjo senta-se diante de um túmulo e a mão de Deus leva Cristo para o céu em Sua Ascensão. Os apóstolos, deslumbrados com a luz, estão a seus pés.](https://6323b73651.clvaw-cdnwnd.com/24b39ffcea37433b4ba1d3b1f650338a/200002829-0304d0304f/The-Resurrection-and-Ascension-of-Christ-1.jpeg?ph=6323b73651)
É fácil pensar no Céu como uma realidade meramente espiritual, na qual estamos livres da labuta física e da tristeza desta vida terrena. Mas nunca devemos nos esquecer de que o Céu também é para os corpos. Aguardamos ansiosamente a ressurreição dos mortos e a vida do mundo vindouro. A festa da Ascensão de hoje é um lembrete especial de que devemos ver nosso próprio corpo - e usar nosso corpo - com esse olhar voltado para coisas mais elevadas.
Nós, seres humanos, não fazemos sentido algum sem nossos corpos. Claro, podemos nos imaginar (e infelizmente muitas pessoas hoje em dia se imaginam assim) como uma mente, um espírito ou uma "consciência" presa em uma máquina de carne.
Nossos corpos, dizemos a nós mesmos, não têm mais significado intrínseco do que qualquer outra matéria vibratória que compõe nosso mundo. Todo esse material tem apenas o significado que damos a ele. Assim, nos imaginamos livres para manipular e usar todo esse mero material dentro dos limites sempre crescentes que nossa tecnologia ou o mercado permitir.
A miséria causada por essa maneira de ver a nós mesmos e ao nosso mundo é incalculável. Esse tipo de ethos desencarnado surge até mesmo em certos cantos da teologia moral católica, em que a natureza concreta dos atos é diminuída ou negada e tudo o que nos resta para distinguir o bem do mal é a intenção.
É um caminho tentador, que se torna mais tentador a cada dia, à medida que nosso poder de manipular o mundo material aumenta. Também é tentador pelo fato de não exigir nenhuma negação inicial de Deus ou das realidades espirituais, apenas uma negação de que a matéria vem com seu próprio significado embutido. Negar o Criador ou negar a natureza de sua Criação é mais ou menos a mesma coisa para o Diabo, que não se importa muito se você é realmente ateu, desde que aja como tal.
"Na realidade", como lemos na Gaudium et Spes, "o mistério do homem só no mistério do Verbo encarnado se esclarece verdadeiramente". Esse mistério do Verbo encarnado inclui mais do que o momento em que o Verbo se tornou carne no ventre de Maria. Ele abrange mais, até mesmo, do que o nascimento, a vida, a paixão, a morte e a ressurreição de Jesus. A Ascensão também faz parte do mistério do Verbo encarnado.
Nas palavras de Santo Agostinho, "A Ressurreição do Senhor é nossa esperança e sua Ascensão é nossa glória. " (St. Agostinho, Sermão 261,1,"O apego a Jesus Cristo").
Se o mistério do homem adquire luz somente no mistério do Verbo encarnado, então a Ascensão nos diz algo fundamental sobre nossa própria humanidade e nossos próprios corpos. Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro homem, mantém a plenitude de sua natureza humana. Sim, o corpo de Cristo é ressuscitado e glorificado. Mas o corpo que ressuscitou da sepultura, o corpo que ainda carrega as marcas da crucificação, esse mesmo corpo ascende ao céu. Cristo toma o seu lugar à direita do Pai, não por ter perdido o seu corpo, mas com esse mesmo corpo.
Nas palavras do Papa São João Paulo II, "Por toda a eternidade, mantém Cristo o Seu lugar como o primogénito entre muitos irmãos: a nossa natureza está com Deus em Cristo. E como homem, o Senhor Jesus vive para sempre a fim de interceder por nós diante do Seu Pai. Ao mesmo tempo, do Seu trono de glória, Jesus envia para toda a Igreja uma mensagem de esperança e um apelo à santidade". Como Cristo, que compartilha nossa natureza, está sentado no trono de glória, o horizonte em relação ao qual entendemos nossa própria vida e nosso próprio corpo foi irrevogavelmente alterado.
Essa é a "mensagem de esperança" da Igreja - uma participação na própria glória de Cristo - como que ela se torna, nas palavras de João Paulo II, "um chamado à santidade"? Será que ele simplesmente quer dizer que a santidade é a condição e o caminho pelo qual nossa esperança se realiza? Sem dúvida que sim. Mas há mais do que uma exortação a uma vida reta com o objetivo de alcançar a promessa do Céu.
Para ver isso com mais clareza, voltemos a Santo Agostinho, que nos incentiva, ao celebrar a Ascensão, a "subirmos com Ele e 'elevar mos nossos corações'". Agostinho continua:
"Ao subirmos, não nos orgulhemos e presumamos de nossos méritos, como se eles nos fossem próprios. Nosso coração deve estar no alto, mas apegado ao Senhor, sem o que, ele estaria dedicado ao orgulho, enquanto que, permanecendo sob as asas de Deus, ele está em um refúgio seguro, pois, ao vê-lo subir, dizemos: Senhor, fostes nosso refúgio de geração em geração" (Santo Agostinho, Sermão 261,1,"O apego a Jesus Cristo").
É orgulho refugiar-se em qualquer coisa que não seja Deus. É orgulho e presunção refugiar-se em nossas próprias ações ou ver nossos fracos esforços como um limite para a graça de Deus. O orgulho geralmente se manifesta na forma de pensar demais em nós mesmos e em nossos próprios méritos. Mas o orgulho também pode assumir a forma de uma falsa humildade que presume conhecer os limites da graça de Deus. É o orgulho que leva os homens a dizer: "Nós nos tornaremos como deuses"; é uma espécie diferente de orgulho que leva os homens a dizer: "Deus não pode nos tornar como Ele".
A Ascensão de "alguém que compartilha nossa natureza" ao trono de glória deve nos lembrar do destino para o qual fomos criados. Também deve abalar nossa presunção de conhecer os limites do que Deus pode fazer do homem. Nunca nos contentemos com menos do que o que Deus promete por meio da graça. Nunca deixemos de lembrar ao mundo o que significa a Ascensão.
Autor: Stephen P. White
Original em inglês: The Catholic Thing