O Remédio Para As Nossas Confusões

O catolicismo é uma religião de Fé e Razão - e tem uma tradição rica e secular de pensamentos profundos sobre Deus e o Homem. Porém, a "coisa" católica também é uma religião de mistérios - não uma bobagem supersticiosa, como acreditam alguns críticos, mas mistérios no sentido de que a razão humana tem limites óbvios para a própria razão. Não sabemos - e não podemos saber - por meio do raciocínio humano comum, de onde o mundo e nós mesmos viemos, ou para onde estamos indo. Para nos orientar na convivência com esses e outros mistérios, a razão, em sua melhor forma, reconhece que precisamos da Revelação, uma revelação Daquele que sabe. E, portanto, temos uma fé fundamentada naquilo que Ele nos revelou.

Em uma época instável como a nossa - uma época em que grandes confusões estão espalhadas até mesmo dentro da Igreja - é mais urgente do que o habitual manter essa fé. Em meio a confusões e coisas piores, os céticos apontam para os muitos males do mundo como prova de que nossa crença em um Criador amoroso é mera ilusão. Por que, por exemplo, tal Ser criaria seres humanos que - como vemos repetidamente na história e não menos em nossa própria era "iluminada" - são perfeitamente capazes de assassinato em escala industrial (incluindo o holocausto de dezenas de milhões de inocentes no útero), guerra, tortura, estupro, escravidão, opressão e milhares de outros atos que constituem o que Santo Agostinho chamou de mysterium iniquitatis - o mistério da iniquidade.

Uma resposta tradicional é que Deus assumiu o risco de criar seres humanos livres sabendo que faria algo ainda maior ao nos redimir, depois que caíssemos. Se você quiser ler um exemplo brilhante de como tudo isso significa algo de uma gloriosidade insuspeitada, vale a pena passar algum tempo com as primeiras páginas do Silmarillion de Tolkien, em que Deus canta o mundo para a existência junto com os anjos. E então, como um prodígio musical, incorpora as notas dissonantes introduzidas pelo Diabo em uma sinfonia de uma beleza de tirar o fôlego.

O mistério ainda envolve tudo isso, é claro, tanto porque um mistério, por definição, não tem explicação completa neste mundo, porque, francamente, nossa razão humana teria preferido algo menos elevado. A maioria de nós preferiria que o que consideramos "discórdia" nunca tivesse existido. Queremos uma existência sem incômodos. Mas tudo indica que Deus pensou que uma história humana mais simples não teria sido tão maravilhosa quanto a que Ele realmente escolheu fazer. E faz parte da fé entender o que isso significa, tanto quanto formos capazes.

Recebemos ajuda de vários de nossos ancestrais cristãos. No início do Paraíso de Dante, por exemplo, Beatriz explica:

Conservam - respondeu-me - ordem constante

As coisas entre si: esta é a figura

Que o universo ao Senhor faz semelhante…

Cada um entre na ordem, que eu revelo,

Se vai por modos vários inclinando,

Mais ou menos, ao seu princípio belo.

Para portos diferentes navegando

No vasto mar do ser… (Canto I)

Isso vai ao cerne do que nos aflige atualmente. Sabemos muitas coisas específicas por meio de várias ciências e tecnologias, e até mesmo conhecemos alguns princípios morais, mas perdemos a Única Coisa que mantém as Muitas juntas: a ordem que Deus colocou no mundo. Dante e toda a tradição católica contêm uma boa dose de raciocínio tomista e aristotélico, mas a mensagem geral é mais agostiniana: precisamos da divina ordo amoris. "Ó Vós que sois o amor, ponde em ordem meus amores".

Essa oração é mais urgente do que nunca hoje, mesmo dentro da Igreja. Somente a Igreja Católica tem toda a gama de recursos culturais - graças às suas raízes judaicas, filosofia grega, direito romano, teologia medieval, etc. - para trazer uma perspectiva universal ao mundo. Católico significa simplesmente "de acordo com o todo" (em grego: kata holos), ou seja, universal.

Não temos simplesmente uma lista de doutrinas, ou mesmo princípios morais, ou um Credo. Temos - exclusivamente temos - uma visão do todo que pode encaixar as muitas coisas que Deus criou em uma ordem inteligível: Uma ordem divina que nos foi dada e que precisamos ter sempre em mente para nos guiar pelas muitas confusões que marcam esta época na vida da Igreja.

Autor: Robert Royal

Original em inglês: The Catholic Thing

* Imagem: A inscrição abaixo de Cristo (com os evangelistas e Moisés) expressa o endosso do Senhor à teologia tomista: BENE SCPSISTI DE ME, THOMMA ("Escreveste bem sobre mim, Tomás"). O santo está entronizado entre Aristóteles e Platão. A seus pés está o estudioso árabe Averróis, cujos escritos ele refutou. Na parte inferior, há um grupo de clérigos de cada lado de um papa, que alguns dizem ser Pio II e outros acreditam ser Sisto IV.