O Rei Público E Presente

26/11/2023
Cristo Coroado com Espinhos por Caravaggio, c. 1601 [Museu Kunsthistorisches, Viena, Áustria]
Cristo Coroado com Espinhos por Caravaggio, c. 1601 [Museu Kunsthistorisches, Viena, Áustria]

No Dia de Ação de Graças, comemoramos o aniversário do martírio do Beato Miguel Pro. Em 23 de novembro de 1927, tendo sido condenado injustamente, ele foi levado ao pelotão de fuzilamento para ser executado. Foi-lhe dado alguns momentos para ajoelhar-se em oração. Em seguida, levantou-se, perdoou seus carrascos e estendeu os braços em forma de cruz para aguardar - e até mesmo saudar - sua morte. No instante anterior à salva que o atingiu, ele gritou: "Viva Cristo Rey!"

Esse grito - Viva Cristo Rey! - era popular entre os católicos perseguidos no México da década de 1920. Era o grito de guerra dos Cristeros, os combatentes da liberdade que se levantaram contra a opressão do governo. Surgiu como uma resposta fiel à recém-criada festa de Cristo Rei, que hoje celebramos. Infelizmente, cometemos dois erros com relação a essa festa.

Primeiro, tendemos a confiná-la ao pessoal, a uma realidade interior ou devoção particular. É claro que há algo intensamente pessoal em Cristo Rei. Essa é a terrível lição do Evangelho de hoje: "Foi a mim que o fizestes… foi a mim que o fizestes". Por mais importante que seja doar para instituições de caridade e dar esmolas, no final não há como terceirizar as obras de misericórdia. Cada um de nós deve responder pessoalmente ao Cristo pobre, sedento, faminto, nu, sem-teto e preso em nosso meio. Mas a manifestação de recompensa e punição indicada pela parábola de hoje significa que nossa devoção pessoal a Cristo Rei também é, em última análise, pública.

Em segundo lugar, muitas vezes vemos o significado de Cristo Rei apenas como uma realidade escatológica, algo que virá no fim do mundo.(1) E, sim, também é verdade que o reinado de Cristo será plenamente realizado somente quando ele retornar em Sua glória. Ouvimos isso no Evangelho de hoje. Mas esse mesmo Evangelho também - e mais importante - ensina que seu Reino já está vigente porque Cristo já está presente nos pobres. Seu Reino não é algo que podemos adiar.

Tudo isso significa que o reinado de Cristo, o Rei, deve ser não apenas pessoal e eventual, mas também público e atual. Ele deve ser vivido externamente, porque Cristo é o Rei de toda a nossa vida, não apenas da nossa vida privada. Deve ser vivido agora, porque Cristo, o Rei, está presente em nosso meio. De fato, incentivar essa vivência pública e presente do reinado de Cristo Rei era o objetivo principal da festa.

Pio XI instituiu essa solenidade em 1925 com a encíclica Quas Primas. Era uma época estranha para falar sobre realeza porque muitas das monarquias do mundo estavam desaparecendo. Czar, Kaiser, Imperador e Sultão foram todos varridos pela Primeira Guerra Mundial. As monarquias deram lugar às repúblicas, os reis ao povo.

Pio XI passou grande parte de seu pontificado lidando com essa nova situação geopolítica de um mundo menos monárquico e mais autodenominado "democrático". Ele negociou concordatas com novos governos (muitas vezes desagradáveis) para garantir espaço para a missão da Igreja. Mas, em meio a tudo isso, ele chamou a atenção não para a democracia ou para a monarquia, mas para Cristo, o Rei.

O que preocupava Pio XI não eram necessariamente as novas formas de governo, mas a secularização radical dos estados e das sociedades. Deus havia sido exilado da praça pública. As únicas considerações válidas eram os direitos humanos, a inventividade e o poder. Os direitos, a verdade e a graça de Deus não eram apenas ignorados, mas muitas vezes proibidos. Havia um novo absolutismo do homem sobre Deus que rapidamente levaria, como o papa intuiu, à desumanidade do homem para com o homem.

É claro que enfrentamos o mesmo fenômeno hoje, a tentativa de construir uma sociedade justa sem o Justo. Deus e seus fiéis não são bem-vindos na praça pública. A separação entre Igreja e Estado é interpretada por muitos como significando que você deve se separar de sua fé se quiser ter um papel na vida pública. Os únicos católicos celebrados na política são aqueles que vão contra os ensinamentos de sua própria Igreja sobre o direito à vida e ao casamento, que estão dispostos a reconhecer Cristo como Rei em particular, mas não publicamente.

Para combater isso, Pio XI chamou a atenção para o reinado público e atual de Cristo, o Rei. A verdade e os direitos de Cristo não podem ser confinados à devoção privada ou adiados até sua segunda vinda. Eles devem ser reconhecidos agora. A paz que buscamos em todos os nossos debates políticos, guerras culturais e conflitos sociais só pode vir a nós no Reino de Cristo. Pax Christi in Regno Christi foi o lema de Pio XI: A Paz de Cristo no Reino de Cristo. O reino de Cristo não se opõe ao florescimento humano, mas é a condição necessária para ele. Ou, como Bento XVI ensinaria anos mais tarde, "Quem defende Deus, defende o homem".

A Quas Primas é, em muitos aspectos, uma encíclica social. Ela aborda longamente o ordenamento adequado da sociedade. Mas ela também instituiu uma festa, uma celebração anual para tecer a verdade de Cristo Rei no tecido da vida dos fiéis. O maior serviço que podemos prestar à sociedade é cultivar uma devoção pública à presença de Cristo Rei. Se não fizermos isso, perderemos totalmente o objetivo dessa festa.

Viva Cristo Rey! Não apenas interiormente, mas publicamente. Viva Cristo Rey! Não no futuro, mas agora.

Beato Miguel Agustín Pro, s.j., prestes a ser executado por um pelotão de fuzilamento na cidade do México, 27 de november de 1927
Beato Miguel Agustín Pro, s.j., prestes a ser executado por um pelotão de fuzilamento na cidade do México, 27 de november de 1927

Autor: Pe. Paul D. Scalia

Original em inglês: The Catholic Thing


Nota:

(1) - A mudança da festa de sua data original para o final do ano litúrgico contribui para essa impressão.