O Que A Bíblia Ensina Sobre O Perdão?

"Errar é humano, perdoar é divino", escreveu o poeta inglês Alexander Pope. Embora a religião cristã certamente concorde com essa avaliação, ela também dá um passo adiante: o perdão é uma graça que vem de Deus, mas é uma graça da qual Ele nos convida a participar.
O Catecismo da Igreja Católica descreve o perdão como "o cume da oração cristã", antes de observar que "só pode ser recebido num coração em sintonia com a compaixão divina" (§2844). O perdão é algo a que todos nós somos chamados, mas só podemos praticá-lo com a ajuda de Deus.
Neste artigo, examinaremos o que a Bíblia diz sobre o perdão e que papel ele deve desempenhar em nossa vida.
O Perdão na Bíblia
De uma perspectiva bíblica, praticar o perdão para com o próximo envolve primeiro apreciar o perdão que Deus nos concedeu. Aqui, a Bíblia fala de forma comovente sobre os esforços que Deus fez para restaurar a humanidade pecadora a Si mesmo:
"Mas eis aqui uma prova brilhante de amor de Deus por nós: quando éramos ainda pecadores, Cristo morreu por nós" (Rm 5,8).
"Nesse Filho, pelo seu sangue, temos a Redenção, a remissão dos pecados, segundo as riquezas da sua graça" (Ef 1,7).
"Porque é Deus que, em Cristo, reconciliava consigo o mundo, não levando mais em conta os pecados dos homens" (2Cor 5,19).
Esses versículos nos lembram que o perdão de Deus é totalmente gratuito, ou seja, é algo que se origina nas profundezas do amor divino, e não por causa de algo que tenhamos conquistado ou merecido.
A Sagrada Escritura deixa bem claro que nosso Deus é rico em misericórdia. Ele é um Pai que anseia pela salvação de todos os Seus filhos (ver Ez 33,11; 1Tm 2,4; 2Pe 3,9) e está sempre pronto a nos perdoar quando nos desviamos do caminho:
"Porquanto vós sois, Senhor, clemente e bom, cheio de misericórdia para quantos vos invocam" (Sl 86,5)
"Dele [Cristo] todos os profetas dão testemunho, anunciando que todos os que nele creem recebem o perdão dos pecados por meio de seu nome" (Atos 10,43).
"Se confessarmos nossos pecados, ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça" (1Jo 1,9).
Algo que devemos notar sobre esses três versículos é que cada um deles estabelece uma condição para que o perdão de Deus se torne efetivo em nosso coração. O primeiro descreve o perdão de Deus como vindo para aqueles que "vos invocam". O segundo relaciona o perdão a todos àqueles que "nele creem"; e o terceiro começa com a ressalva "se confessarmos os nossos pecados". Em cada caso, somos lembrados de que o perdão não é totalmente unilateral; ele vem como resultado do dom gratuito de Deus, sim, mas ainda exige nossa livre resposta e cooperação.
O Perdão de Deus Depende do Nosso Perdão
A maneira mais importante de cooperarmos com o perdão de Deus é aprendermos a perdoar aqueles que pecaram contra nós. Como rezamos no Pai Nosso: "... perdoai-nos as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido" (ver Mt 6,12). O Catecismo coloca isso da seguinte forma:
Ora, e isso é temível, esta onda de misericórdia não pode penetrar nos nossos corações enquanto não tivermos perdoado àqueles que nos ofenderam. O amor, como o corpo de Cristo, é indivisível: nós não podemos amar a Deus, a quem não vemos, se não amarmos o irmão ou a irmã, que vemos. Recusando perdoar aos nossos irmãos ou irmãs, o nosso coração fecha-se, a sua dureza torna-o impermeável ao amor misericordioso do Pai. Na confissão do nosso pecado, o nosso coração abre-se à sua graça. (§2840)
Essa mensagem preocupante - de que nosso coração permanecerá fechado para o perdão de Deus a menos que também perdoemos aqueles que nos ofenderam - é enfatizada repetidas vezes nas Escrituras e forma a base para a parábola de Nosso Senhor sobre o servo que não perdoa, em Mateus 18:
"Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, vosso Pai celeste também vos perdoará. Mas, se não perdoardes aos homens, tampouco vosso Pai vos perdoará" (Mt 6,14-15). "Assim vos tratará meu Pai celeste, se cada um de vós não perdoar a seu irmão, de todo o seu coração" (Mt 18,35). "E, quando vos puserdes de pé para orar, perdoai, se tiverdes algum ressentimento contra alguém, para que também vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe os vossos pecados" (Mc 11,25). "Como o Senhor vos perdoou, assim perdoai também vós" (Col 3,13).
De um ponto de vista bíblico, portanto, é de suma importância que aprendamos a "[serdes] misericordiosos, como também vosso Pai é misericordioso" (Lc 6,36; cf. Tg 2,13). Nunca devemos procurar retribuir o mal com o mal (ver 1Pe 3,9). Em vez disso, devemos imitar o amor misericordioso de Cristo, suplicando sinceramente à Sua graça que nos ajude a não nos tornarmos amargos em nosso coração (ver Hb 12,15).
Claro que nada disso é possível sem a graça de Deus. "Mas amamos, porque Deus nos amou primeiro", diz a Escritura (1Jo 4:19). Embora seja verdade que o perdão de Deus esteja ligado ao nosso próprio perdão, em um nível mais profundo, até mesmo nossos próprios atos de amor e perdão só são possíveis graças aos estímulos de Sua graça divina.
Devemos Perdoar Aqueles que Não Estão Arrependidos?
Uma outra pergunta que pode surgir dessa discussão é se devemos perdoar as pessoas que não se arrependem do que fizeram. Responder a essa pergunta é mais complicado do que se imagina!
Por um lado, há uma passagem no Evangelho de Lucas em que Jesus parece dizer claramente que só precisamos perdoar nosso irmão se ele se arrepender de seu pecado: "Acautelai- vos! Se teu irmão pecar, repreende-o, e se ele se arrepender, perdoa- lhe. E caso ele peque contra ti sete vezes por dia e sete vezes retornar, dizendo 'Estou arrependido', tu lhe perdoarás" (Lc 17, 3-4).
Essa linha de raciocínio é apoiada por pensadores como São João Paulo II em sua encíclica Dives in Misericordia:
Cristo sublinha com insistência a necessidade de perdoar aos outros. Quando Pedro lhe perguntou quantas vezes devia perdoar ao próximo, indicou-lhe o número simbólico de «setenta vezes sete» [ver Mt 18,22], querendo desta forma indicar-lhe que deveria saber perdoar sempre a todos e a cada um. É evidente que exigência tão generosa em perdoar não anula as exigências objectivas da justiça. A justiça bem entendida constitui, por assim dizer, a finalidade do perdão. Em nenhuma passagem do Evangelho o perdão, nem mesmo a misericórdia como sua fonte, significam indulgência para com o mal, o escândalo, a injúria causada, ou os ultrajes. Em todos estes casos, a reparação do mal ou do escândalo, a compensação do prejuízo causado e a satisfação da ofensa são condição do perdão. (Negrito adicionado)
São João Paulo II afirma claramente que o perdão requer um grau de cooperação moral por parte daquele que é perdoado.
Por outro lado, há vários lugares nas Escrituras em que o perdão parece ser defendido como algo louvável, mesmo quando as pessoas que estão sendo perdoadas não mostram sinais de arrependimento. Embora diferentes figuras da tradição o interpretem de várias maneiras, o grito de Jesus na Cruz é o exemplo mais famoso do que parece ser um caso de perdão sem condições: "Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem" (Lc 23:34). Outro exemplo é o martírio de Santo Estêvão, que reza enquanto está sendo apedrejado até a morte: "Senhor, não lhes imputes este pecado." (Atos 7,60).
Como podemos entender tudo isso? Uma maneira de esclarecer parte da confusão é ver que o perdão pode significar algumas coisas diferentes. Em um nível, o perdão significa abrir mão de sentimentos de má vontade em relação à pessoa que nos prejudicou. Mesmo que ainda sintamos uma raiva justa contra ela, e mesmo que ainda desejemos justiça, o perdão significa querer o melhor para ela.
Nesse sentido básico, o perdão é simplesmente colocar em prática a instrução de Cristo de amar nossos inimigos (ver Mt 5,44). É a decisão de não buscar vingança (veja Rm 12,19) e até mesmo de rezar por aquele que nos feriu. Aqui o Catecismo oferece um desafio ousado:
Não está no nosso poder deixar de sentir e esquecer a ofensa; mas o coração que se entrega ao Espírito Santo muda a ferida em compaixão e purifica a memória, transformando a ofensa em intercessão. (§2843)
Justamente por termos sido perdoados em Cristo, podemos descobrir a graça de perdoar aqueles que nos prejudicaram, pelo menos em um sentido da palavra. E essa decisão traz seu próprio tipo de liberdade, em que nos recusamos a permitir que o ato de traição da outra pessoa mantenha um domínio sobre nosso coração: "Toda amargura, ira, indignação, gritaria e calúnia sejam desterradas do meio de vós, bem como toda malícia. Antes, sede uns com os outros bondosos e compassivos. Perdoai-vos uns aos outros, como também Deus vos perdoou, em Cristo" (Ef 4,31-32).
Mas e quanto ao outro sentido de perdão? Aqui não nos referimos apenas à boa vontade para com aquele que nos prejudicou, mas também ao perdão e à reconciliação. Quando estamos falando sobre o perdão nesse sentido mais completo, as palavras de Nosso Senhor em Lucas 17,3-4 certamente se aplicam: devemos estar sempre prontos para perdoar nosso irmão se ele voltar para nós com tristeza; mas se ele não se arrepender, então perdoá-lo continua sendo impossível porque ele está escolhendo persistir em seu pecado.
Autor: Clement Harrold
Original em inglês: St. Paul Center