O Pecado Original E O Pecado Pessoal

Sabemos que nossos pecados devem ser perdoados se quisermos chegar ao céu. Mas e quanto ao pecado original? Como o pecado original pode ser perdoado se toda a humanidade depois de Adão e Eva não cometeu o pecado em si?
A Igreja Católica ensina que é impossível uma pessoa ser culpada pelo pecado pessoal de outra. Isso é metafisicamente absurdo, além de contrário às Escrituras (ver Ezequiel 18,19-20, CIC 2056).
A Igreja ensina que Adão e Eva — e somente eles — cometeram o pecado pessoal que chamamos de pecado original. Todo o resto da humanidade herda o pecado de Adão e, como tal, é culpada de um pecado real e próprio, embora seja de uma categoria diferente (CIC 402-406). Isso é um mistério, mas o que a Igreja deixa claro é que o que herdamos de Adão é "um estado, não um ato" (404). E, como tal, esse estado decaído representa um "pecado" por analogia — um pecado real, mas não um pecado pessoal.
Algumas pessoas acreditam erroneamente que nós, católicos, queremos dizer que o pecado original não é "real" quando dizemos que não é "pessoal". Mas o pecado "pessoal" é uma categoria de pecados que difere do "pecado original", no que se refere aos filhos e filhas de Adão e Eva. Pecado pessoal significa um pecado real cometido pela pessoa individualmente. O pecado original, com relação a toda a humanidade depois de Adão, representa os efeitos do pecado pessoal de Adão, herdado por toda a humanidade por meio da propagação. Portanto, não representa um pecado pessoal. Na verdade, é um estado decaído do ser.
A maneira mais fácil de entender isso é como a Igreja ensina no parágrafo 404 do Catecismo:
"Como é que o pecado de Adão se tornou o pecado de todos os seus descendentes? Todo o gênero humano é, em Adão, «sicut unum corpus unius hominis – como um só corpo dum único homem». Em virtude desta «unidade do gênero humano», todos os homens estão implicados no pecado de Adão, do mesmo modo que todos estão implicados na justificação de Cristo.
Todavia, a transmissão do pecado original é um mistério que nós não podemos compreender plenamente. Mas sabemos, pela Revelação, que Adão tinha recebido a santidade e a justiça originais, não só para si, mas para toda a natureza humana; consentindo na tentação, Adão e Eva cometeram um pecado pessoal, mas este pecado afeta a natureza humana que eles vão transmitir num estado decaído. É um pecado que vai ser transmitido a toda a humanidade por propagação, quer dizer, pela transmissão duma natureza humana privada da santidade e justiça originais".
E é por isso que o pecado original se chama «pecado» por analogia: é um pecado «contraído» e não «cometido»; um estado, não um ato.
Agora que fizemos a distinção crucial entre o pecado original cometido por Adão e Eva e o pecado original herdado pelo resto da humanidade, temos que fazer outra distinção entre a realidade que é o "pecado original", frequentemente chamado de "mancha do pecado original", que habita em todos os homens desde a concepção, "Pois reconheço minhas transgressões e diante de mim está sempre meu pecado" (Sl 51, 5), e a concupiscência que permanece mesmo depois que o pecado ou a mancha do pecado original é remida pela fé e pelo batismo (ver CIC 508, 403, etc.). O primeiro é um pecado verdadeiro e próprio, embora, novamente, esteja em sua própria categoria — "um estado, não um ato", como vimos no Catecismo acima.
Romanos 5,12 é talvez o texto mais claro das Escrituras que ensina o cerne da doutrina: "Eis porque, como por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, e assim a morte passou a todos os homens, porque todos pecaram".
Mais uma vez, trata-se de um pecado (real), mas apenas por analogia. Toda a humanidade está "implicada" no pecado de Adão, como diz o Catecismo acima, mas de uma forma misteriosa que não compreendemos totalmente. Como diz São Paulo em Romanos 5, 18-19,
Por conseguinte, assim como pela falta de um só resultou a condenação de todos os homens, do mesmo modo, da obra de justiça de um só, resultou para todos os homens justificação que traz a vida. De modo que, como pela desobediência de um só homem, todos se tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos.
A concupiscência representa uma propensão ao pecado herdada pela Queda, mas não é, propriamente falando, um pecado, embora Paulo a chame de "pecado" em Romanos 7,17. Ele a chama de "pecado que habita em mim", porque representa a fomes peccati, ou "tendência ao pecado", que habita em todos nós devido à queda de Adão. Nesse caso, não é nem mesmo "pecado" por analogia, como é o pecado original. É como diz o Concílio de Trento, Sessão Cinco, Sobre o Pecado Original:
Conforme o que o Concílio definiu no mesmo decreto, verdade é que nas pessoas batizadas remanesce a concupiscência ou aguilhão do pecado. Essa, porém, não é pecado no rigor da palavra. Como Santo Agostinho também diz, "a culpa (resultante] da concupiscência é perdoada às crianças, mediante o Batismo, mas fica-lhes a própria concupiscência, para as exercer na luta". Noutro lugar, reafirma ele a mesma verdade: "No Batismo, destrói-se a culpa (provinda] da concupiscência, mas persiste a fragilidade".
Em resumo, observe que o "pecado original" é um pecado verdadeiro e propriamente dito, mas é muito diferente quando se considera Adão em comparação com o resto da humanidade. Para Adão sozinho (e Eva), o pecado original foi um pecado pessoal. Para todos os outros, o pecado original era e é também um pecado verdadeiro e próprio, mas não um pecado pessoal. Era e é um pecado por analogia e, como tal, pertence a cada um de nós como um verdadeiro "pecado", mas é um estado de ser, não um ato. E, por ser um pecado verdadeiro e próprio que pertence a cada um de nós, deve ser purificado através do Batismo.
A concupiscência, por outro lado, não é um pecado. Ela não precisa ser "perdoada". Ela será curada no momento da morte. Em outras palavras, não haverá concupiscência no Céu. E essa cura será plena e completa na ressurreição do corpo no fim dos tempos. Paulo chama isso de "redenção do nosso corpo" (Rm 8,23).
Mas a concupiscência não precisa ser "perdoada" como se fosse uma falha pessoal, ou mesmo um pecado, porque não é.
Redimida? Aperfeiçoada? Sim.
"Perdoada"? Isso é impossível. Não há nada a perdoar.
Autor: Tim Staples
Original em inglês: Catholic Answers