O Mito Da Idade Média: A Idade Das Trevas?

25/02/2024

"A Igreja é absolutamente medieval"! Quantas vezes já ouvimos esse comentário, ou a essência dele, ser usado como uma forma de ignorar os ensinamentos católicos? A intenção é dizer que o catolicismo não acompanhou os avanços intelectuais, tecnológicos e sociais da modernidade e é apenas um retrocesso àqueles séculos vilipendiados que nos ensinaram a chamar de "Idade das Trevas".

O Mito da Idade Média, da historiadora Regine Pernoud, demonstra que essa atitude não é apenas equivocada em relação à Igreja, mas também em relação à Idade Média. Sua análise revela que não foi a Igreja, mas a própria modernidade que constitui um mero retrocesso histórico. Em nossa própria época, o paganismo dos tempos antigos é revivido, depois de uma pausa bem-vinda por quase um milênio. Aqueles que condenam o "neopaganismo" da atual cultura da morte provavelmente não sabem que sua caracterização é historicamente justificável.

"O termo 'Renascimento' (Rinascita) foi usado pela primeira vez por Vasari em meados do século XVI", explica Pernoud (p. 15). "Ele dizia bem o que pretendia, o que ainda significa pura o grande número . . . O que 'renasce', ... são as artes e as letras clássicas. Na visão, na mentalidade, desse tempo (e não só do século XVI, mas dos três séculos seguintes) teria havido duas épocas de brilho: Antiguidade e Renascimento — os tempos clássicos. E, entre eles, uma 'idade média' — período intermediário, bloco uniforme, 'séculos grosseiros', 'tempos obscuros'. (p. 15). … Estamos a esquematizar, certamente, mas não mais do que aqueles que empregam a palavra: Renascimento. Ora, toda a gente a emprega" (p. 16).

O ponto central de Pernoud é que a Idade Média não era "grosseira" - assista o vídeo a seguir - e "obscura". Outras coisas aconteciam além das pessoas que morriam de peste. Por um lado, o aprendizado floresceu e, embora tivesse uma marca cristã, não foi separado da sabedoria dos antigos. Bernardo de Claraval, por exemplo, citava os antigos com grande familiaridade (p. 17). Por outro lado, quantos dos intelectuais de hoje conseguem citar Bernardo de Claraval?

O que aconteceu durante o Renascimento, portanto, não foi uma redescoberta do período clássico, que nunca havia sido esquecido. O que surgiu, em vez disso, foi um desejo simplista de imitar, em vez de aprender com esse período. "Toda a beleza se resumia no Parthénon, em arquitectura, e na Vênus de Milo, em escultura", como diz Pernoud (p. 20). "O que surpreende hoje —sem nada tirar à admiração que o Parthénon e a Vénus de Milo podem provocar — é que semelhante estreiteza de vistas tenha podido fazer lei durante quatro séculos, aproximadamente. No entanto, assim foi: a visão clássica, a que se impôs ao Ocidente mais ou menos uniformemente, não admitia outro esquema, outro critério, senão a antiguidade clássica. Mais uma vez se pusera como princípio que a beleza perfeita fora atingida durante o século de Péricles e que, por um equência, quanto mais se aproximasse das obras desse tempo, melhor se atingiria a perfeição" (p. 21). Isso vai um pouco contra a opinião popular que se ouve falar da Renascença como uma época em que a criatividade foi certamente reprimida, mas Pernoud defende isso de forma convincente.

Um dos aspectos menos salutares da civilização clássica que o Renascimento copiou foi a autoridade centralizada. Após a queda do Império Romano, como nos ensinam, a sociedade entrou em um caos. Os homens começaram a explorar outros homens, à medida que surgia a separação entre o senhor feudal e o servo. Passaram-se uns bons dez séculos até que alguma aparência de ordem social e justiça surgisse novamente.

Na verdade, a diminuição da opressão romana foi uma coisa boa. Pernoud coloca o conceito de servo medieval sob uma nova luz, destacando que ser servo era muito melhor do que ser escravo. "O fato é que não há dimensão comum entre o servus antigo, o escravo, e o servus medieval, o servo. Porque um é uma coisa e o outro é um homem. O sentido da pessoa humana entre os tempos antigos e os tempos medievais conheceu uma mutação, lenta, porque a escravatura estava profundamente enraizada nos costumes da sociedade romana, em particular, mas irreversível" (p. 77). Portanto, embora a divisão social senhor/servo talvez não fosse a ideal, era muito melhor do que o que a humanidade vinha fazendo há séculos. Foi somente depois que o Renascimento abandonou e difamou a mentalidade medieval que a escravidão plena surgiu novamente em nossos tempos modernos mais "humanos".

De acordo com o tema de sua outra obra, A Mulher no Tempo das Catedrais, Pernoud também considera o impacto desses desenvolvimentos sociais sobre o gênero "mais fraco". Tanto a despersonalização da mentalidade escrava quanto a tendência à mera cópia afetaram negativamente as mulheres. "Ora o direito romano não é favorável à mulher, como também o não é à criança", ela nos lembra (p. 92), catalogando os muitos privilégios e direitos que as mulheres perderam quando o Renascimento nos levou de volta à época romana. Em uma passagem reveladora, em O Mito da Idade Média, ela mostra como as mulheres cooperaram ativamente, mesmo que inconscientemente, em sua própria reescravização no feminismo moderno, conforme escreve:

Aliás, ela é demasiado ilusória, digamo-lo; tudo se passa como se a mulher, deslumbrada de satisfação à ideia de ter penetrado no mundo masculino, ficasse incapaz do esforço de imaginação suplementar que lhe seria preciso para trazer a esse mundo a sua própria marca, aquela precisamente que falta à nossa sociedade. Basta-lhe imitar o homem … Contestações desta espécie … podem, no entanto, levar a desejar que esse mundo feudal seja um pouco melhor conhecido daquelas que acreditam de boa-fé que a mulher 'sai finalmente da Idade Média'; elas têm muito que fazer para reencontrar o lugar que ocupou no seu tempo a rainha Leonor ou a rainha Branca… (p. 103)

A apresentação de Pernoud sobre "aquela terrível Idade Média", erudita, detalhada e, às vezes, exigente, vale bem o esforço que exige de seu leitor. Embora não tenha um propósito diretamente apologético, ela se torna uma ferramenta vital em uma época em que "medieval" é uma ofensa suficiente para tirar a Igreja do mapa, no que diz respeito ao diálogo atual. Mas não se deve perder a oportunidade de aprender sobre o fascinante período da história impropriamente chamado de "idade das trevas". Parece que a única "escuridão" envolvida é a ignorância e o preconceito de nossos dias.

Autora: Helen M. Valois

Original em inglês: CERC - Catholic Education Resource Center