O Cego Que Vê

27/10/2024
O Cego de Jericó de Nicolas Poussin, 1650 [Louvre, Paris]
O Cego de Jericó de Nicolas Poussin, 1650 [Louvre, Paris]

Ouvimos muito pouco sobre as pessoas que Nosso Senhor cura. Isso não é surpreendente. Os milagres são para nos revelar e ensinar sobre o Senhor, não sobre as pessoas que Ele curou. Portanto, quando ouvimos falar do cego Bartimeu no Evangelho de hoje (Marcos 10, 46-52), poderíamos facilmente ignorá-lo como apenas mais um abençoado beneficiário da misericórdia de Jesus. Mas ele desempenha um papel mais importante nessa cena do que a maioria dos beneficiários da cura de Jesus. De fato, nessa pequena cena, Bartimeu nos ensina, de certa forma, mais do que Jesus.

Ele nos ensina, em primeiro lugar, sobre fé. Ora, os cegos vivem constantemente pela fé. Eles confiam que o que não podem ver e verificar com seus próprios olhos é real, verdadeiro e presente. O cego Bartimeu vai ainda mais longe. Pela fé, ele viu mais claramente do que as pessoas com visão ao seu redor. Ele grita: "Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!". Muitos, se não a maioria da multidão, olharam para Jesus com seus olhos e viram apenas um homem, uma celebridade ou um milagreiro. Bartimeu, sem ver, viu o Filho de Davi, ou seja, o Messias.

Ver sem ver é precisamente o que fazemos quando cremos. Pela fé, "vemos" o que não podemos perceber com nossos olhos. Vemos a verdade sobre Deus Pai, o Filho e o Espírito Santo. Vemos nosso Senhor no Santíssimo Sacramento. Vemos Sua orientação providencial em nossas vidas. Sem fé, somos cegos para essas bênçãos. Muitos que veem fisicamente são, na verdade, cegos porque não têm fé. Bartimeu era o homem fisicamente cego que via por causa da fé. Crer – ver sem ver – é a primeira coisa que Bartimeu ensina.

Ao mesmo tempo, Bartimeu nos ensina sobre a oração, que é o fruto da fé. Seu clamor é uma oração básica: Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim. Essa aspiração contém o essencial. Primeiro, o apelo pessoal: Jesus. Depois, uma confissão de fé: Filho de Davi – o Messias. E, finalmente, uma petição: tem piedade de mim. A oração pode e deve ser tão básica quanto isso.

Bartimeu também mostra a perseverança necessária para a oração. 'Muitos o repreendiam, para que se calasse, mas ele gritava ainda mais alto". O maior obstáculo à oração é nossa própria incapacidade de perseverar. As distrações do mundo agem como a multidão que cercava Bartimeu. Na verdade, elas nos repreendem, nos dizem para ficarmos em silêncio, para continuarmos com coisas mais práticas, coisas mais importantes. Elas nos tentam a desviar e desistir de nossos esforços. Bartimeu ignorou essas coisas e perseverou em seu apelo ao Senhor. Nós também devemos fazer o mesmo.

É interessante notar que sua perseverança não é recompensada imediatamente. O Senhor o atrai ainda mais para esse exercício de fé e o faz perseverar mais. "Que queres que eu te faça?". Essa é uma pergunta estranha. Bartimeu é um mendigo; ele provavelmente quer dinheiro. Bartimeu é cego; ele provavelmente quer ver. O mais importante é que Jesus é divino; Ele já sabe o que Bartimeu quer.

Então, por que Ele pergunta? Para provocar uma oração mais profunda. São Beda diz: "Ele faz a pergunta para estimular o coração do cego a orar". Jesus sabe do que Bartimeu precisa. Ele faz a pergunta não para obter novas informações, mas para abrir o coração de Bartimeu para receber o que Ele deseja dar. Jesus não precisa saber, mas Bartimeu precisa pensar sobre isso, sobre o que ele realmente deseja.

"Que queres que eu te faça?". Nossa oração de fé é aprofundada quando consideramos essa pergunta, quando imaginamos Nosso Senhor nos perguntando isso sem rodeios. Queremos algumas coisas superficiais que nos beneficiam para este mundo. Existem coisas mais elevadas e nobres que queremos... mas ainda para este mundo. A pergunta de Jesus nos direciona para o que mais profundamente desejamos, mas ainda não percebemos que desejamos.

O que nos leva a um último ensinamento de Bartimeu: O Céu. A resposta de Bartimeu resume o anseio do coração humano: "Mestre, que eu veja!". Deus nos criou para ver. E não apenas para ver as coisas deste mundo com nossos olhos corporais, mas para vê-Lo face a face. Ele quer que usemos nossa visão para e na eternidade.

Certamente, Bartimeu desejava ver para poder ter uma vida normal. Mas há um indício de que era mais profundo do que isso. Talvez ele quisesse enxergar para que pudesse ver Jesus com seus próprios olhos, para que pudesse olhar para Aquele em quem acreditava. De fato, uma vez curado, ele não usa sua visão para seus próprios empreendimentos e interesses mundanos. Em vez disso, "seguia Jesus pelo caminho". Tendo-o visto com seus próprios olhos, ele não se separará.

Ao repetirmos as palavras de Bartimeu - "Mestre, que eu veja!" - expressamos nosso desejo mais profundo de ver o Senhor. Queremos ir para o Céu, ver Aquele em Quem acreditamos, olhar para a face Daquele que nos criou e para Quem fomos criados. Essa oração também é um apelo para que sejamos libertados das coisas que nos cegam para Ele - das imagens e ideias que desviam nossos olhos Dele.

Portanto, não vamos pensar em Bartimeu apenas como um pobre cego que Nosso Senhor curou. Ele não é um personagem passageiro, e é por isso que o conhecemos pelo nome. Ele nos dá um exemplo - de fé, de oração e do desejo que todos nós devemos cultivar pelo Céu.

Autor: Pe. Paul D. Scalia

Original em inglês: The Catholic Thing