O Amor É Tolerante E Intolerante

02/03/2023

Cada comunidade, inevitavelmente, tem um valor ou conjunto de valores que considera fundamental, alguns bens básicos que posicionam todas as outras reivindicações de bondade. Para a maioria das democracias liberais modernas, por exemplo, liberdade e igualdade desempenham esse papel determinante no discurso moral. Nas sociedades comunistas, a justiça econômica, interpretada como a eliminação da estrutura de classes, forneceria tal fundamento. No contexto do nacional-socialismo alemão, a defesa da Pátria e a vontade do Führer ancoravam o sistema moral, porém corrupto. Existe um meio bastante simples de identificar esse valor final: em relação a qualquer ato moral ou político em particular, continue fazendo a pergunta: "Por que isso está sendo feito?" até chegar ao ponto em que você se encontrará dizendo: "Bem, porque isso é simplesmente uma coisa boa". O "simplesmente uma coisa boa" é o valor que sua sociedade ou cultura considera inegociável e que, por sua vez, determina todos os valores subordinados.

Enquanto uma sociedade liberal, a nossa foi, como afirmei acima, amplamente moldada pelos valores de liberdade e igualdade, mas nos últimos anos, o terreno mudou um pouco. Mesmo uma pesquisa casual da cena cultural contemporânea revela que o inegociável, os valores indeterminados e determinantes parecem ser a inclusão, a tolerância e a diversidade. Se você perguntasse à maioria das pessoas hoje, especialmente aos jovens, por que você deveria ser inclusivo, tolerante e aceitar a diversidade, a resposta, imagino, seria confusa: "Bem, essas são coisas simplesmente boas de se ser".

E aqui gostaria de fazer um contraste com a comunidade da Igreja. Num contexto propriamente cristão, o valor último, que posiciona e determina qualquer outro valor, não é a tolerância, nem a diversidade, nem a inclusão, mas sim o amor. Admito que as coisas podem ficar confusas neste ponto, pois os bens fundamentais da sociedade secular hoje têm muito em comum com o amor, que de fato é muitas vezes inclusivo, tolerante e encorajador da diversidade. Mas nem sempre - e daí expõe uma fábula.

Amar é desejar o bem do outro enquanto outro. É sair do buraco negro da própria autoestima e desejar verdadeiramente o que é melhor para o outro. Portanto, certamente, o amor é inclusivo na medida em que reconhece a dignidade essencial de cada indivíduo; o amor é tolerante, na medida em que respeita a bondade também de quem tem pontos de vista errôneos; e o amor encoraja a diversidade, na medida em que evita a imposição imperialista do próprio ego sobre o outro. No entanto, às vezes o amor é exclusivo, intolerante e não aceita a diversidade – precisamente porque deseja o bem do outro.

Para ilustrar essa proposição contra-intuitiva, deixe-me começar com um exemplo bastante comum. Suponha que você seja o técnico de um time de beisebol da faculdade e esteja presidindo os treinos. Você pesquisa vários jogadores de vários níveis de habilidade e é compelido a fazer sua seleção de, digamos, vinte jogadores entre cem candidatos. Suas escolhas excluirão muito mais do que incluirão; eles semearão infelicidade mais abundantemente do que alegria. Mas se você for um bom homem, eles serão feitos por amor. Você estará desejando o bem daqueles jogadores avançados que podem e devem praticar suas habilidades através de uma competição acirrada e que farão a alegria dos torcedores que assistirão aos seus jogos; e você estará desejando o bem daqueles jogadores menos avançados que não devem ser autorizados a comprometer a integridade da equipe e que provavelmente devem entrar em alguma outra arena de empreendimento. Em suma, tanto a inclusão quanto a exclusão serão atos de amor, o que prova que o amor é um valor mais fundamental e posicional.

Agora, um exemplo um pouco mais elevado. A Igreja de Jesus Cristo é radicalmente inclusiva, pois seu propósito final é atrair todas as pessoas ao Senhor. A Colunata de Bernini na Praça de São Pedro, estendendo-se como braços para abraçar as grandes multidões, evoca essa aspiração. Jesus disse: "Ide, pois, e ensinai a todas as nações" e "Ide por todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura". Assim, a inclusão é sem dúvida uma das dimensões do amor da Igreja. No entanto, a Igreja também é excludente e intolerante, pois discerne que certas formas de comportamento são repugnantes à sua própria integridade. Assim, por uma variedade de razões, exclui as pessoas de receber a comunhão e, em casos extremos, excomunga formalmente outras pessoas. Declara solenemente que aqueles que estão em estado de pecado mortal não são dignos de se aproximar da mesa Eucarística, a menos que primeiro recebam a absolvição sacramental. E afirma abertamente que a vida cristã tem uma estrutura formal, que por sua própria natureza exclui certos estilos de vida que são incompatíveis com ela. Essas discriminações, julgamentos e exclusões são, se assim posso dizer, modos de "amor duro". Embora pareçam duros, são formas de querer o bem do outro.

Uma música que tem sido amplamente tocada nos círculos católicos nos últimos vinte anos inclui a frase: "Todos são bem-vindos neste lugar". Certa vez, o Cardeal Francis George observou habilmente: "Sim, todos são bem-vindos na Igreja, mas nos termos de Cristo, não nos seus". O verdadeiro amor inclui e exclui; o verdadeiro amor é tolerante e intolerante.

"Tolerância e intolerância se aplicam a duas coisas totalmente diferentes. A tolerância se aplica apenas a pessoas, mas nunca a princípios; a intolerância se aplica apenas aos princípios, mas nunca a pessoas. Devemos ser absolutamente intolerantes com as verdades da matemática, mas devemos ser tolerantes com o matemático. Não devemos ter a mente aberta ao recebermos nossas contas e dizer que vinte e vinte podem dar sessenta, mas devemos ser tolerantes com o dono da mercearia que comete o erro. Nada é tão assustadoramente exclusivo quanto a verdade. Devemos ser intolerantes com a verdade, pois ela é obra de Deus e não nossa. Devemos ser tolerantes com as pessoas, pois elas são humanas e sujeitas ao erro". - Fulton Sheen, The Mystical Body of Christ.

Autor: Dom Robert Barron

Original em inglês: Word on Fire