Jesus Poderia Realmente Ser Tentado?

Os três Evangelhos sinópticos recordam que Jesus foi para o deserto imediatamente após o seu batismo. Lá, segundo nos é dito, Jesus jejuou durante quarenta dias, após os quais o diabo veio para o tentar (ver Mateus 4,1-11; Marcos 1,12-13; Lucas 4,1-13). Por três vezes o diabo tenta induzir Jesus a cair; por três vezes o diabo é frustrado.
Sabemos que Jesus não comete nenhum pecado nesse episódio. No entanto, os evangelistas falam claramente que Ele foi "tentado" pelo diabo. Isso é corroborado ainda mais na epístola aos Hebreus:
Pois, tendo ele mesmo sofrido pela tentação, é capaz de socorrer os que são tentados (Heb 2,18).
Com efeito, não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado (Heb 4,15).
De acordo com esses textos, o fato de Jesus ter passado por tentações significa que Ele é mais capaz de se identificar conosco e nos ajudar em nossas próprias tentações. Mas isso levanta uma questão importante: em que sentido Jesus poderia realmente ser tentado?
Parece óbvio que Jesus não passou por tentações exatamente da mesma forma que nós. Afinal, quando somos tentados, há uma possibilidade real, baseada em longa experiência, de sucumbirmos à tentação e cairmos em pecado. No entanto, Jesus é Deus e, portanto, metafisicamente incapaz de pecar.
Isso leva a uma dificuldade: Jesus poderia realmente ser tentado se não houvesse nenhuma possibilidade de Ele sucumbir à tentação? E se não houvesse nenhuma possibilidade de Ele sucumbir, então seria realmente tão impressionante assim quando Ele resistiu com sucesso ao diabo?
A Estrutura da Tentação
Ao refletir sobre essas questões, podemos ser tentados (trocadilho intencional!) a pensar que há algo anticlimático e talvez até um pouco sem graça no confronto de Jesus com o diabo, visto que parece nunca ter havido qualquer chance real de Jesus perder. Diante desse enigma, precisamos fazer algumas distinções.
Em primeiro lugar, embora Jesus não tenha experimentado a tentação exatamente da mesma forma que nós, Ele ainda foi tentado pelo diabo. Para entender como isso funciona, podemos nos basear nos escritos de Santo Agostinho de Hipona e São Gregório Magno, que distinguem três estágios diferentes da tentação: sugestão, deleite e consentimento.
A sugestão ocorre quando um pensamento ou ação pecaminosa se apresenta a nós, seja por meio dos nossos sentidos físicos ou da nossa memória. Por exemplo, eu posso estar caminhando pelo terminal de um aeroporto quando vejo um outdoor com a imagem de uma mulher seminua. Embora eu não tenha escolhido ver essa imagem, ela agora está na minha mente, quer eu goste ou não. E imediatamente a imagem me sugere — um homem na casa dos 20 anos — a possibilidade de pecar.
Nesse momento, uma de duas coisas acontecerá: ou eu vou descartar a imagem da minha mente e seguir em frente, ou vou começar a sentir prazer com a imagem. Se eu seguir o primeiro caminho, então eu consigo vencer a tentação em seu primeiro estágio e não cometo nenhum pecado. Mas se eu seguir o segundo caminho, então a tentação começa a se desenvolver para o seu segundo estágio, ou seja, o deleite.
Por estas razões, a pecaminosidade da segunda fase da tentação é um pouco obscura. No entanto, parece que frequentemente envolve pelo menos algum tipo de pecado venial; e mesmo que não envolva pecado, ainda assim fala à nossa condição concupiscente e decorre dela. Embora o alcoólatra possa não cometer nenhum pecado novo quando se vê involuntariamente a deleitar-se com a visão da garrafa de uísque, a fonte do seu deleite continua a ser o seu desejo desordenado de prazer físico.
De qualquer forma, o que está claro é que a fase do deleite da tentação nos leva mais adiante no caminho do pecado. Ao começarmos a nos deleitar com uma tentação, vamos além da mera sugestão e nos encontramos no limiar da terceira fase da tentação, que é o consentimento.
O consentimento é o momento em que nos entregamos à tentação. Quando isso acontece, nossa culpa moral está firmemente estabelecida. São Gregório ajuda a explicar a interação entre os três estágios da tentação:
Pois, quando o espírito maligno sugere o pecado na alma, se nenhum prazer no pecado se seguir, nenhum pecado é cometido. Mas, quando a carne começa a sentir prazer, então o pecado tem seu início. Mas, se ele se transforma em consentimento deliberado, então o pecado é considerado consumado. Portanto, na sugestão está a semente do pecado, no prazer seu alimento, no consentimento sua consumação. (Registrum Epistolarum, Livro XI, Carta 64)
Devemos observar como Gregório descreve o consentimento como a "conclusão" do pecado. Santo Agostinho também oferece uma análise útil em seu comentário sobre o Sermão da Montanha:
Se o deleite leva ao gozo, é preciso reprimir esse deleite, pois ele é culpo-so. Por exemplo, quando jejuamos, o aspecto do alimento desperta o apetite, mas não consentimos ele e o submetemos ao jugo da razão. Se damos a ele nosso consentimento, o pecado está consumado, pois Deus o vê no fundo de nosso coração, mesmo que ele não seja visto pelos humanos. (Sobre o Sermão da Montanha, Livro I, Capítulo 34)
Aqui, Agostinho enfatiza que o pecado se origina no coração. Enquanto a fase da sugestão da tentação é normalmente imposta a nós por alguma força exterior (ou seja, o mundo, a carne e o diabo), a fase do consentimento surge de dentro de nossa vontade; é uma resposta interior e voluntária pela qual somos culpados.
Como Jesus Experimentou a Tentação
Com este pano de fundo, podemos agora abordar a questão de como é que Jesus pôde ser tentado.
Baseando-se na obra de Santo Agostinho e São Gregório, São Tomás de Aquino responde a esta questão explicando que, embora Jesus pudesse experimentar e tenha experimentado a primeira fase da tentação (sugestão), Ele nunca experimentou a segunda e terceira fases da tentação (prazer e consentimento).
Daí decorre que as tentações se apresentavam a Jesus da mesma forma que se apresentam a você ou a mim. Como a sugestão é imposta por algo externo a nós, Jesus podia experimentá-la sem cometer nenhum pecado. Assim, por exemplo, uma mulher vestida de forma indecente poderia passar por Jesus na rua, e a imagem dessa mulher poderia entrar em Sua consciência por um momento.
Onde Jesus difere de você e de mim, porém, é em Sua resposta a esse tipo de situação. Como a vontade e os afetos de Nosso Senhor eram perfeitamente ordenados, Ele nunca, em toda a Sua vida, se deleitou ou consentiu com uma única tentação de pecar. Como observa São Gregório: Ele "podia ser tentado por sugestão, mas o deleite do pecado não mordeu Sua mente; e por isso toda aquela tentação diabólica foi exterior, não interior".
Como nós, Jesus passou por tentações que lhe foram impostas externamente pelo mundo, pela carne e pelo diabo. Mas, ao contrário de nós, Ele nunca cooperou internamente com essas tentações de forma alguma.
Um Combate Espiritual Dramático
Voltemos à questão que levantamos acima: a perfeita impecabilidade de Cristo torna Sua vitória no deserto menos impressionante?
De forma alguma, e por uma razão muito boa: embora Jesus não pudesse pecar no deserto, Ele podia sofrer e sofreu. De fato, quando Jesus enfrenta o diabo, Ele o faz como alguém debilitado pela fome, que atingiu os limites absolutos da resistência humana. Aqui está um campeão divino que entende o que é sentir-se fraco.
O Catecismo nos lembra que "a vitória de Jesus sobre o tentador, no deserto, antecipa a vitória da paixão, suprema obediência do seu amor filial ao Pai." (CIC 539). É no deserto que descobrimos pela primeira vez o rosto misericordioso do Salvador, que escolhe mergulhar no nosso sofrimento e transformá-lo a partir de dentro.
E é essa surpreendente demonstração de condescendência divina que torna o episódio das tentações tão impressionantemente belo. Pois quando a harmonia da criação foi destruída pelo pecado do homem, nosso Deus não permaneceu distante ou afastado. Em vez disso, Ele assumiu nossa condição humana; Ele entrou no deserto do sofrimento; Ele abraçou Sua Cruz. E assim, quando dizemos a nós mesmos que não achamos a vitória de Cristo no deserto muito impressionante, perdemos completamente o ponto principal.
O que impressiona nas tentações não é que o Deus-homem resista com sucesso ao diabo; não, o que impressiona é que o Deus-homem Se deixa tentar em primeiro lugar.
O que impressiona é que o Deus-homem Se humilha a ponto de Se tornar um mero ser humano que Se deixa atormentar por uma de Suas criaturas.
O que é impressiona é que o Deus-homem escolhe livremente o caminho da Cruz, mesmo quando poderia ter salvado o mundo de uma maneira mais fácil e menos dolorosa.
O que impressiona, por fim, é que no árido deserto da Judeia, o Deus todo-poderoso do universo luta no lugar dos pecadores — e Ele é vitorioso em nosso favor.
Autor: Clement Harrold
Original em inglês: St. Paul Center