Imaculada Conceição: Salva Pela Graça

08/12/2022

A Imaculada Conceição - nosso dogma católico de que Maria foi preservada de contrair o pecado original em sua concepção - é algo que parece nos separar de nossos irmãos protestantes. A verdade, porém, é que expressa um ponto de fé particularmente caro aos reformadores protestantes: somos levados a uma relação com Deus, ou justificados, não por quaisquer obras ou méritos de nossa parte, mas unicamente pela graça de Deus. Maria foi salva do pecado como resultado da obra redentora de Cristo... voltando no tempo para preservá-la do pecado e unir sua alma a Deus desde a primeira momento de sua existência. E nós católicos temos fortes precedentes bíblicos que podemos compartilhar com os irmãos separados para ajudar a iluminar este dogma Mariano.

Vamos começar com um princípio que é adotado por todos os cristãos: as realidades do Novo Testamento superam em muito suas "sombras", suas prefigurações, no Antigo (Hb 10, 1; 8, 5-6; 12, 22-24). São Paulo, por exemplo, referiu-se a Adão - o filho criado por Deus, a cabeça física de nossa raça - como uma "figura do que havia de vir", Jesus (Rm 5, 14). Da mesma forma, Cristo é a cabeça de uma nova humanidade redimida; mas em glorioso contraste com Adão: Adão era filho de Deus por adoção, mas Cristo por filiação divina. O primeiro homem era da terra, o segundo do céu (1Cor 15, 45-49). "Portanto, como pelo pecado de um só a condenação se estendeu a todos os homens, assim por um único ato de justiça recebem todos os homens a justificação que dá a vida." (Rm 5, 18). O Novo não apenas se iguala, mas supera amplamente o Antigo; e o que é verdade para Adão e Jesus também é verdade para Eva e Maria.

Quando encontramos Eva nas Escrituras, ela vem até nós pura da mão criativa de Deus. Ela era uma filha que carregava Sua imagem e semelhança (Gn 1, 26; 5, 3), vivendo em íntima amizade com Deus. Quando o seu pecado, porém, a colocou sob o domínio da morte e do diabo (Gn 3, 3; Sb 2, 24; Ef 2, 1-3; 1Jo 5, 19), Deus imediatamente falou de outra Mulher - uma em "inimizade" com o diabo - e sua Semente, que esmagaria a cabeça da serpente (Gn 3, 15). No Evangelho de João encontramos Jesus referindo-se a Maria como a Mulher profetizada (2, 3-4; 19, 26-27), com este ponto reforçado no Livro do Apocalipse de João (12, 1-5, 17). Se a primeira mulher, a "mãe de todos os viventes" (Gn 3,20), foi criada na amizade de Deus; o princípio bíblico que observamos até aqui, diria que o mesmo se aplica a Maria. Quando nos voltamos para a narrativa da anunciação, encontramos o Anjo Gabriel dirigindo-se a Maria exatamente como esperávamos - "Ave Kecharitōmenē" (Lc 1, 28) - significando aquela que foi, e é agora, absolutamente cheia da graça, da vida sobrenatural, de Deus.

Mas como Maria poderia experimentar tal liberdade do Pecado Original e união com Deus antes da encarnação de Cristo e do sacrifício redentor? Foi porque seu Filho é o Cordeiro sacrificado desde a fundação do mundo (Ap 13, 8). Jesus é uma Pessoa divina, que se ofereceu ao Pai "pelo Espírito eterno" (Hb 9,14). Seu sacrifício redentor avançou a tempo de nos abraçar; mas também retrocedeu, tornando dignos da misericórdia de Deus Abraão e seus descendentes (Hb 10, 3-4; 9, 24-26; 11, 1-2, 17-19, 39-40). Os méritos de Cristo - e somente eles - redimem o homem da maldição da Queda. Não há vida sobrenatural, não há união com Deus, fora dEle, quer estejamos falando dos santos da Antiga Aliança ou da Nova. Nada podemos fazer para merecer este dom da adoção divina: "Porque é gratuitamente que fostes salvos mediante a fé. Isto não provém de vossos méritos, mas é puro dom de Deus. Não provém das obras, para que ninguém se glorie." (Ef 2, 8-9). E, às vezes, Deus nem exige que nossa fé se aproprie desse dom da graça - Ele é livre para distribuir Seus dons como quiser (Mt 20, 15)!

Vemos isso no Antigo Testamento e no Novo. A graça de Deus, dada em vista dos méritos de Cristo, purificou o profeta Jeremias do pecado original e o "consagrou" como profeta in utero (Jr 1, 5). Fez com que São João Batista fosse "desde o ventre de sua mãe será cheio do Espírito Santo" (Lc 1,15). Deus estendeu esta graça a Jeremias e João para moldá-los para a obra divina que estava por vir. Ele fez o mesmo por Maria quando a chamou para a obra mais sublime, a união mais íntima possível entre Deus e uma criatura - a sua maternidade divina. O sacrifício de Jesus voltou não apenas para limpar Maria do pecado original, como no caso de Jeremias e João, mas também para preservá-la de contrair aquele dano à nossa natureza que nos inclina ao egoísmo e ao pecado. Ela foi salva pela graça - como nós - mas da forma mais radical possível; e essa graça a consagrou como a Nova Eva, a nova mãe de todos os viventes!

Após séculos ponderando sobre a Revelação de Deus, a Igreja chegou ao ponto em que podia enunciar claramente a verdade da "Imaculada Conceição" de Maria para si mesma e para o mundo. Não estava acrescentando algo novo ao depósito da Fé (Judas 3) externo a ela, mas articulando claramente uma verdade implícita desde o início. Em 8 de dezembro de 1854, o Papa Pio IX invocou sua autoridade como Sucessor de Pedro para ensinar infalivelmente:

"Declaramos, afirmamos e definimos: A doutrina que sustenta que a beatíssima Virgem Maria, no primeiro instante da sua Conceição, por singular graça e privilégio de Deus onipotente, em vista dos méritos de Jesus Cristo, Salvador do gênero humano, foi preservada imune de toda mancha de pecado original, essa doutrina foi revelada por Deus, e por isto deve ser crida firme e inviolavelmente por todos os fiéis. (Ineffabilis Deus).

Quando a Igreja nos chama todos os anos para celebrar o que Deus fez por Maria, reconhecemos e louvamos o que Ele fez também por nós: "Bendito seja Deus, Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que do alto do céu nos abençoou com toda a bênção espiritual em Cristo, e nos escolheu nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis, diante de seus olhos. No seu amor nos predestinou para sermos adotados como filhos seus por Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua livre vontade, para fazer resplandecer a sua maravilhosa graça, que nos foi concedida por ele no Bem-amado. Nesse Filho, pelo seu sangue, temos a Redenção, a remissão dos pecados, segundo as riquezas da sua graça." (Ef 1, 3-7).

Autor: Shane Kapler

Original em inglês: Catholic Exchange