"Eles Não Têm Vinho": O Papel De Nossa Senhora Na Salvação

14/03/2023

Gosto da maneira como João começa a história das bodas de Caná porque apresenta Maria com uma autoridade misteriosa, sutil e humilde, mas claramente essencial para a narrativa. Ele faz isso primeiro apresentando Maria diante de Jesus: "E achava-se ali a mãe de Jesus. Também foram convidados Jesus e os seus discípulos" (Jo 2,1-2). Jesus acaba de iniciar seu ministério público e tem alguns discípulos, mas Maria, sem ser uma figura pública, é apresentada como a convidada principal. Essa primazia é enfatizada nas interações que se seguem. Maria informa a Jesus que "Eles já não têm vinho". Jesus responde: "Mulher, isso compete a nós? Minha hora ainda não chegou" (Jo 2, 4). É uma resposta intrigante e voltarei a ela mais tarde, mas por enquanto quero me concentrar no que acontece a seguir. Maria diz aos servos: "Fazei tudo o que ele vos disser" (Jo 2, 5). Estas são as últimas palavras que Maria profere no Evangelho, e são fortes. Quem é essa "mulher" e por que sua autoridade é um pré-requisito para os servos obedecerem a Jesus?

A festa de casamento em Caná não é, claro, apenas uma bela história sobre Jesus salvando uma festa. Deus planejou o evento e João está contando para que possamos aprender mais sobre como Deus trabalha. A primeira coisa que devemos reconhecer é que o papel de Maria é real. Deus a colocou na história da salvação por uma razão. Ela é o meio pelo qual Ele escolheu para entrar no mundo e permanece, mesmo depois de Jesus adulto, como uma intermediária entre Ele e os necessitados.

Num nível mais profundo, Maria é o Novo Israel, a nova noiva de Deus, e Ela está intercedendo em nome do antigo Israel – as outras pessoas na festa. O antigo Israel está sem vinho. É disso que Isaías está falando na primeira leitura*: "Como um jovem desposa uma virgem, assim te desposará o teu edificador. Como a alegria do noivo pela sua noiva, tal será a alegria que o teu Deus sentirá em ti" (Is 62, 5). Por causa da infidelidade do antigo Israel, Deus permitiu que fosse levado para o exílio, mas prometeu que o justificaria. Maria já está vindicada, Ela é a Imaculada Conceição e intercede por aqueles que ainda estão no exílio. Essa realidade é aludida quando Jesus diz a ela: "Mulher, isso compete a nós?". Maria já recebeu o vinho novo por um privilégio especial da graça; porém, para que outros sejam atraídos ao novo casamento, Jesus realiza o seu primeiro "sinal", transformando a água em vinho, que aponta para o futuro do novo casamento que se realizará entre Deus e o seu povo.

É a este "novo casamento" que Jesus se refere quando diz: "Minha hora ainda não chegou" (Jo 2, 4). No Evangelho de João, sempre que Jesus diz "minha hora", ele está se referindo à Sua crucificação. Portanto, Sua resposta à Mãe indica que Ele já pretende dar-lhes vinho novo. Seu Precioso Sangue, derramado na cruz para nos salvar do pecado, é o vinho novo. E, claro, como Jesus diz mais tarde no Evangelho de João: "Em verdade, em verdade vos digo: se não comerdes a carne do Filho do Homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós mesmos" (Jo 6, 53). Esta é a realidade apresentada na Eucaristia. A Missa é a reapresentação do sacrifício de Cristo na cruz, que é também a celebração do Seu casamento com a Igreja, na qual nos dá o vinho novo.

Na Missa, sob a aparência do pão e do vinho, recebemos o Corpo e o Sangue de Jesus. Durante as bodas de Caná, Jesus transformou a água em vinho. Tanto as aparências quanto a substância foram alteradas. Se Ele tivesse apenas acrescentado cor e sabor à água, o mordomo não poderia ter dito: "Todo o homem põe primeiro o bom vinho, e, quando já os convidados têm bebido bem, então lhes apresenta o inferior; tu, ao contrário, tiveste o bom vinho guardado até agora" (Jo 2,10). Mudar as aparências é uma coisa, mudar a substância é outra. Na Eucaristia, Deus deixa as aparências do pão e do vinho, mas muda a substância (ou seja, a transubstanciação). Embora não vejamos a mudança em substância, sabemos pela fé que ela ocorreu. As bodas de Caná são um sinal que nos aponta para essa realidade mais profunda.

Autor: Pe. Scott Murray

Original em inglês: Catholic Insight


*Calendário do ano litúrgico 2019 ,Ano C, Texto referente à Liturgia da Palavra de Domingo, 20 de janeiro de 2019.