Conversas Com ‘Seu’ Deus
As guerras episcopais sobre a fé e a moral católicas apenas começaram. Grande parte do debate atual gira em torno de abstrações teológicas muito distantes – ou pelo menos assim parece – dos deveres diários da maioria dos católicos. Uma única palavra, no entanto, capta a essência da controvérsia que gira em torno dos recentes argumentos do Cardeal McElroy, por exemplo, que está ansioso para coroar a consciência (de um tipo) como rei de nossas vidas morais.
O Cardeal McElroy declara implicitamente a "consciência" como divina porque, em seu julgamento, nossa perspectiva sobre certo e errado, nobre e pernicioso, virtude e vício, reina suprema. Nós nos tornamos deuses, distinguindo o bem do mal. (cf. Gn 3, 5)
Ele sem dúvida afirmaria que eu fiz uma caricatura de sua posição. Ele sabe e prega que a consciência deve ser formada: "Como afirmou o Papa Francisco, o papel da Igreja é formar consciências, não substituí-las. Exclusões categóricas dos divorciados recasados e pessoas L.G.B.T. da Eucaristia não dão o devido respeito às conversas internas de consciência que as pessoas têm com seu Deus ao discernir a escolha moral em circunstâncias complexas".
A única palavra que revela a crença heterodoxa do cardeal aqui é o simples adjetivo possessivo 'seu'. "As conversas internas de consciência que as pessoas têm com seu Deus". Isso sugere claramente que não pertencemos simplesmente a Deus; antes, em algum sentido não especificado, Deus nos pertence.
São Paulo ensinou algo bem diferente: "Ou não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que está em vós e que recebestes de Deus? ... e que, portanto, não pertenceis a vós mesmos" (1 Cor 6,19; cf. 7, 23), Da mesma forma, o Catecismo nos lembra que "A formação da consciência é indispensável aos seres humanos, submetidos a influências negativas e tentados pelo pecado a preferir o seu juízo próprio e a recusar os ensinamentos autorizados" (nº 1783; cf. nº 2526).
A visão do cardeal McElroy sobre consultar nosso próprio deus é análoga à panacéia contemporânea: "O que Jesus faria?" nesta ou naquela circunstância. Com certeza, todos seguiremos o caminho certo, nobre e virtuoso. Mas como é que esse questionamento a nós mesmos sobre o Caminho do Senhor parece resultar com tanta frequência na aprovação total do que já queríamos fazer ou dizer de qualquer maneira?
Em um nível ainda mais profundo, isso remonta a uma heterodoxia anterior – o contextualismo ou ética situacional de Joseph Fletcher(1) (1905-1991).
Em 1952, o Papa Pio XII condenou a ética situacional. Ele apontou que os proponentes da clemência moral sustentam erroneamente que "a Igreja, em vez de promover a lei da liberdade e do amor humanos, e nela insistir como um desempenho digno da vida moral, apoia-se, pelo contrário, quase exclusivamente e com excessiva rigidez, na firmeza e na intransigência das leis morais cristãs, recorrendo frequentemente àqueles do tipo 'é obrigado', 'não é lícito'".(2)
Soa familiar?
São Boaventura ensina que "a consciência é como o arauto de Deus e o seu mensageiro; o que diz não o ordena de si própria, mas como proveniente de Deus, à semelhança de um arauto quando proclama o édito do rei. E disto deriva o fato de a consciência ter a força de obriga" (3). Assim, pode-se dizer que a consciência dá testemunho da própria retidão ou iniquidade do homem ao próprio homem, mas, juntamente com isso e de fato antes, a consciência é o testemunho do próprio Deus, cuja voz e julgamento penetram nas profundezas da alma do homem, chamando-a de fortiter et suaviter (4)à obediência… "Nisto, e em nada mais, se encontra todo o mistério e dignidade da consciência moral: em ser o lugar, o espaço santo no qual Deus fala ao homem".(5)
E acrescenta que a consciência "formula assim a obrigação moral à luz da lei natural … O carácter universal da lei e da obrigação não é anulado, antes fica reconhecido".(6)
O Cardeal McElroy e aqueles cuja ênfase na consciência resulta em uma ética situacional de facto, quaisquer que sejam seus protestos em contrário, ignoram ou deturpam a lei moral natural e a lei positiva divina, sustentando que o caminho de Deus está desatualizado ou oneroso. Suas abordagens constituem, poderíamos dizer, o Magistério do Espelho, refletindo o nosso gosto, a nossa tentação, a nossa "verdade".
O Cardeal Robert Sarah lamentou a ausência de liderança, ou sua corrupção, entre aqueles que são ungidos e ordenados para falar a verdade com autoridade dos púlpitos da Igreja de Cristo: "O verdadeiro escândalo", ele aponta, "não é a existência de pecadores, pois a misericórdia e o perdão sempre existem precisamente para eles, mas sim a confusão entre o bem e o mal causada pelas tergiversações dos pastores católicos. Se os homens consagrados a Deus não forem mais capazes de compreender a radicalidade da mensagem evangélica e procurarem anestesiá-la, estaremos no caminho errado".(7)
Cardeal Sarah não cita o Livro das Lamentações, mas poderia muito bem tê-lo feito, pois é aí que encontramos este apelo inflamado sobre os falsos profetas: "não revelaram tua falta para mudar tua sorte, serviram-te oráculos de vazio e sedução". (Lm 2, 14) "Porque os lábios do sacerdote", admoestou Malaquias, "guardam o conhecimento, e de sua boca procura-se ensinamento: pois ele é o mensageiro do Senhor dos Exércitos. Mas vós vos afastastes do caminho, fizestes tropeçar a muitos pelo ensinamento" (Ml 2, 7-8).
As complexidades teológicas do debate episcopal podem ser obscuras, mas as principais questões em jogo são tão atemporais quanto cruciais para a salvação das almas. A quem seguimos? Em qual autoridade confiamos? Quem é Dominus, o Senhor? Devemos aceitar a liderança moral de… nós mesmos?
Ou devemos aceitar com humildade e gratidão o conselho e comando da Escritura, da Tradição e do estabelecido Magistério da Igreja? "Confia no Senhor com todo o teu coração, não te fies em tua própria inteligência" (Provérbio 3, 5).
Autor: James H. Toner
Original em inglês: The Catholic Thing
Notas:
(1) - Joseph Francis Fletcher foi um professor americano que fundou a teoria da ética situacional na década de 1960 e foi um pioneiro no campo da bioética. Fletcher foi um dos principais proponentes acadêmicos dos benefícios potenciais do aborto, infanticídio, eutanásia, eugenia e clonagem. Ordenado sacerdote episcopal, mais tarde se identificou como ateu.
(2) - Pío XII - La Famiglia - Radiomensaje Sobre la Conciencia y la, 23 de marzo de 1952
(3) - S. Boaventura, Commentaria In Librum Secundum Senttentiarum, dist. 39, a1, q3, concl.
(4) - N.T.: gentileza e suavidade
(5) - Carta Encíclica Veritatis splendor - Sumo Pontífice João Paulo II, § 59
(6) - Idem.
(7) - Deus ou nada: Entrevista sobre a fé, Ed. Fons Sapientiae