Concordia Apostolorum

06/01/2023

As pessoas que me conhecem sabem que eu tenho uma obsessão pelo que parece ser trivialidades católicas - pequenos detalhes em relação à arquitetura católica, arte, música e história me entusiasmam, para dizer o mínimo. Uma das coisas mais emocionantes que descobri ao longo dos anos é esse fato pouco divulgado ou conhecido sobre as principais basílicas de Roma dedicadas aos dois grandes príncipes apostólicos, santos padroeiros de Roma, que festejamos em 29 de junho. Agora, você pode ter me ouvido dizer que as igrejas eram tradicionalmente construídas com uma certa orientação, voltadas para o oriente, a posição do sol nascente e a direção que Cristo ascendeu ao céu e espera-se que retorne. Curiosamente, a palavra "orientação" vem do latim "Orient", que significa "Oriente".

As duas basílicas, a Basílica de São Pedro na Cidade do Vaticano e a Basílica de São Paulo Fora dos Muros, no entanto, não foram construídas com a orientação, acima mencionada, em mente. Seus arquitetos, ou pelo menos os responsáveis pela reconstrução, ampliação dessas duas grandes igrejas, as construíram com a intenção deliberada de colocá-las frente a frente - ambas situadas em margens opostas do rio Tibre, voltadas para a direção do rio que divide o cidade de Roma - em Oriente e Ocidente (ou norte e sul), como emblemas e guardiãs de Roma - uma ao norte e outra ao sul. O simbolismo dessa configuração testemunha a camaradagem fraterna desses dois grandes apóstolos. Foi Santo Agostinho quem falou da ligação geminal deles dessa maneira: "Temos um só dia para as Paixões dos dois Apóstolos. Eles e-ram dois e formavam um só ser. Embora tivessem sofrido em dias diferentes, eles formavam um só ser. Pedro foi na frente e Paulo o seguiu. Celebramos hoje uma festa consagrada, em nosso favor, pelo sangue dos Apóstolos. Amemos a fé deles, a vida dele, o trabalho deles, o sofrimento deles, a confissão de fé deles, as pregações deles."(1)

De acordo com as primeiras tradições cristãs, Pedro e Paulo se encontraram pela última vez em Roma sob a perseguição de Nero. Eles foram presos juntos em Mamertina, a prisão mais antiga de Roma reservada para os maiores inimigos do estado. Por nove meses, Pedro e Paulo "oravam, pregavam e se preparavam" para renascimento deles para vida eterna. Pouco se sabe sobre esse período de suas vidas, mas deve ter sido um momento de graça para os amigos passarem tanto tempo juntos discutindo as coisas de Deus. Os artistas foram legitimamente cativados pelo abraço final entre os irmãos cristãos enquanto cada um partia para dar o testemunho final de sua vida terrena. Pedro foi crucificado de cabeça para baixo no lado ocidental do rio Tibre e Paulo foi decapitado no lado oriental, talvez na Providência de Deus, para que de ambos os lados do rio, toda a cidade, pudesse ser santificada pelo sangue deles. E, finalmente, as duas basílicas, que são testemunhos vivos de seus martírios, marcam os locais onde seus restos mortais foram enterrados.

Tanto na arte quanto na arquitetura (a orientação das duas basílicas que se olham e se alcançam), São Pedro e São Paulo, outrora rivais, agora são retratados como se abraçando em unidade simétrica com seus braços entrelaçados, uma forma de imagem conhecida como Concordia Apostolorum - "A Harmonia Apostólica". Dois homens, de origens tão diferentes, se fizeram irmãos em Cristo e apóstolos para o mundo inteiro. É difícil para nós imaginar o amor que eles tinham e agora têm um pelo outro, a profundidade de sua amizade provocada pela fé compartilhada em Jesus Cristo.

Os primeiros Padres viram a harmonia desses dois apóstolos como uma alusão histórica que lembra a lenda da fundação da cidade de Roma pelos irmãos gêmeos, Rômulo e Remo, ambos filhos de uma mãe loba. Sua cidade amadureceu e tornou-se um Império e uma das civilizações mais poderosas da história humana. No entanto, mais de 800 anos após a fundação da cidade de Roma, outro grupo de irmãos, Pedro e Paulo, não irmãos naturais, mas unidos pelos laços do Espírito em Cristo, lançou as bases de uma nova civilização que sobreviveria e ofuscaria o Império Romano.

O contraste entre esses dois grupos de "irmãos" é notável. De acordo com o antigo mito romano, Roma foi estabelecida violentamente quando Rômulo assassinou seu irmão enquanto eles construíam as muralhas da cidade. Em comparação, Pedro e Paulo construíram a civilização do amor encontrada na Igreja com afeição fraterna, derrubando as muralhas entre nações e tribos. O Império Romano governaria o mundo por meio do medo e da violência sob o manto da pax romana. Pedro e Paulo dariam o exemplo para a Igreja servir o mundo através da fé e da caridade sob o manto da pax Christi. O reino espiritual da Igreja ultrapassaria em muito os limites do tempo e do espaço aos quais o Império Romano havia aspirado.

Como observou o Papa São Leão Magno, o Império Romano, que foi o grande mestre do erro, tornou-se discípulo da Verdade sob a orientação dos dois grandes apóstolos, São Pedro e São Paulo. Pregando a verdade por meio da palavra e praticando a caridade pelas obras, São Pedro e São Paulo refundaram a cidade de Roma para Cristo. Embora Pedro e Paulo continuassem em sua missão de pregar as boas novas tanto a judeus quanto a gentios, Paulo foi confirmado em sua missão especial aos gentios, assim como Pedro foi confirmado em sua pregação aos judeus.

Visto que a primeira Roma foi fundada sobre o fratricídio, Roma necessitava ser refundada como uma cidade cristã no amor fraterno. O sangue dos irmãos unidos em Cristo serve como a semente da Igreja que crescerá com o tempo. Cantamos seus louvores juntos, de acordo com Tertuliano, porque eles "derramaram todo o seu ensino junto com seu sangue". O testemunho deles no ensino e seu sangue é o que realmente faz de Roma a urbs sacra e a urbs aeterna, a Cidade Santa e Eterna. Foi o martírio deles em Roma que por fim levou ao reencontro eterno entre Pedro e Paulo na verdadeira Cidade Santa e Eterna, a Jerusalém Celestial. Pois, na eternidade, eles estão unidos um ao outro e ao seu Redentor, que os chamou para a grande missão de levar o Evangelho ao mundo inteiro.

Uma vez que o vínculo e a missão deles eram baseados na Verdade e no Amor, não deveria ser surpreendente que também fossem marcados pela correção fraterna, pois a correção fraterna deriva do amor. São Paulo adverte publicamente Pedro por suas ações em voltar atrás em uma decisão anterior (cf. Gal 2:11). Freqüentemente, essa cena é enfatizada demais por aqueles que colocam Pedro e Paulo um contra o outro. Pelo contrário, deve ser lido como uma passagem que demonstra a verdadeira correção fraterna, fruto do amor fraterno. Por causa dos laços de amizade forjados no amor de Cristo, Paulo se opõe às ações de Pedro. Paulo está preocupado com os atos de Pedro, não com sua doutrina. Uma advertência como essa poderia romper qualquer amizade, mas não para esses dois. Na verdade, isso levou ao seu crescimento entre esses dois homens.

Hoje, ao contemplarmos esses dois pilares da Igreja, nossa oração deve ser para nos comprometermos novamente com a unidade e a missão da Igreja em todos os aspectos de nossas vidas. É uma missão não apenas para confirmar e encorajar nossos irmãos, mas uma missão que exige também uma correção fraterna. Pois sem a Verdade, o amor seria uma mentira. Com a graça que vem por meio dessa oração, juntos podemos ser o sinal da unidade em Cristo que Deus deseja para a cura de nossa Igreja muitas vezes fragmentada e de nosso mundo desordenado.

Autor: Pe. Michael Chua 

Original em inglês: Your Grace Is Sufficient


Nota:

(1) - Texto completo em PDF: