Compreender A Natureza A Partir Dos Milagres

18/04/2023

Em seu livro Milagres, o autor britânico C.S. Lewis defende a plausibilidade dos milagres cristãos de uma forma que pode surpreender a muitos. De fato, em vez de avaliar os milagres de acordo com o que sabemos da natureza, ele tenta ver se os milagres cristãos podem iluminar o mundo natural.

Isso pode parecer contra-intuitivo à primeira vista, mas é uma estratégia análoga àquela usada para julgar a plausibilidade das teorias revolucionárias. Foi o que aconteceu, por exemplo, com a teoria da gravidade de Newton.

Como sua teoria funciona extremamente bem, esquecemos que Newton foi ridicularizado quando a propôs. Na época, quase todos os cientistas eram mecanicistas: eles acreditavam que todos os fenômenos físicos eram explicáveis ​​em termos de contatos mecânicos. Por isso, quando Newton introduziu a gravidade como uma força agindo à distância, sem contato mecânico, ele foi visto como um charlatão, um pensador ocultista.

Se a situação mudou, é porque a teoria de Newton acabou sendo mais eficiente do que as teorias concorrentes. Ao introduzir a gravidade, por mais estranha que fosse essa ideia inicialmente, Newton foi capaz de explicar mais fenômenos e cometer menos erros do que outros.

A Encarnação

Isso também é o que acontece se nos detivermos no milagre central do cristianismo, ou seja, a Encarnação.

Esta é a história do casamento do mundo com Deus: a divindade de Jesus desce à terra e isso, mesmo na morte, para que a sua humanidade suba ao céu e, com ele, toda a criação. Essa união do infinito com o finito, do invisível com o visível, da simplicidade com a multiplicidade, pode parecer improvável à primeira vista. Agora, se aceitarmos isso, Lewis observa que toda a natureza se torna mais inteligível.

Para começar, podemos perceber que toda vez que raciocinamos, algo quase inacreditável acontece. Para fazer matemática, por exemplo, é preciso manipular entidades abstratas não espaço-temporais. O teorema de Pitágoras era verdadeiro antes de ser descoberto e permaneceria verdadeiro se todos os humanos perecessem. Todo o universo material poderia até desaparecer, ou nunca ter existido, e o teorema permaneceria verdadeiro.

Mas nós somos humanos, criaturas finitas com corpos de carne, que pensam com cérebros onde ocorrem uma infinidade de reações bioquímicas emaranhadas no tempo e no espaço. Portanto, quando verdades abstratas como o Teorema de Pitágoras ocupam nossos pensamentos, uma misteriosa ponte é criada entre essas verdades não-espaço-temporais e nossos processos bioquímicos espaço-temporais!

A existência desta ponte no homem é certamente incrível, mas torna-se mais compreensível se a percebermos na imagem da Encarnação, onde o próprio Deus, autor do universo imaterial e material, torna-se material. O mundo é feito para acolher Deus.

A Criação

Normalmente, se permitirmos que a Encarnação abra nossos olhos, descobriremos que Deus já está operando maravilhas em grande escala na natureza atual.

É incrível que o universo tenha sido criado durante o Big Bang, do nada, e é incrível que continue existindo. Por que existe algo em vez do nada? Podemos responder olhando para a criação do mundo como uma imagem do milagre da Encarnação. O universo foi criado sem violência, gratuitamente e do nada porque, sobretudo, Jesus se encarnou virginalmente, do nada.

É incrível como a vida se multiplica. Tanto plantas como animais nascem, se reproduzem e morrem, deixando seu lugar para as próximas gerações. E quanto mais se estuda biologia, mais se impressiona com a complexidade dos processos envolvidos. Assim, quando Jesus rapidamente multiplica os pães e os peixes, ficamos maravilhados, mas reconhecemos o autor da natureza, que vem fazer num instante o que ele já faz, mais silenciosamente, a cada ano.

Também entendemos melhor por que existe o efeito placebo. É muito surpreendente, quando você pensa sobre isso, que seja possível curar enxaquecas crônicas, por exemplo, porque um médico nos prescreve farinha simples, dizendo que é um remédio. Mas se lembrarmos que foi preciso um pouco de fé por parte de seus interlocutores para que Jesus realizasse curas milagrosas, é menos surpreendente.

Muitos outros exemplos poderiam ser dados. Mas a ideia é que, na Encarnação, o criador da natureza venha a recapitular dramaticamente, em escala humana, as atuais estruturas essenciais da natureza.

A Nova Criação

Mas, nos seus milagres, Jesus não pretendeu simplesmente recordar e iluminar a natureza presente, quis transfigurar a criação, inaugurar nela novos céus e uma nova terra. À medida que o ministério terreno de Cristo progredia, ele realizou milagres mais espetaculares desse tipo, estendendo o reinado do espírito humano sobre a natureza.

Caminhar sobre a água é um exemplo claro da reconstrução do mundo natural de acordo com realidades novas e superiores. Não apenas o corpo humano obedece à mente humana, mas também a água! Cristo até permite que Pedro o siga até lá, por um tempo, atraindo não apenas a água, mas também a humanidade para a nova criação.

Da mesma forma, ao trazer os mortos de volta à vida, Cristo reverte o curso normal da natureza, onde o envelhecimento e a doença gradualmente separam o espírito da matéria. Ele silenciosamente introduz um mundo onde a mente e o corpo serão reunidos para sempre.

Mas o milagre mais claro da nova criação é certamente a Páscoa, a Ressurreição de Cristo. A Páscoa não apenas reverte o curso normal da natureza como em outras histórias de ressurreição, mas o corpo do Cristo ressurrecto é glorioso. Não é constrangido, como nossos corpos atuais, por limitações físicas como distâncias ou paredes. É o começo de um mundo onde a ponte entre o espírito e a matéria é muito mais forte do que na criação atual.

Assim, com os seus milagres, em especial a Encarnação e a Ressurreição, Deus vem não só para recapitular a estrutura essencial da natureza presente, mas também para transformá-la numa nova criação.

Autor: Jean-Philippe Marceau

Original em francês: Le Verbe