Como Se Encontrar Com Cristo Com Olhos Cansados E Alma Faminta

05/01/2025
Vincent van Gogh, “Banco da Igreja com Adoradores” 1882, Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda (foto: Domínio público)
Vincent van Gogh, “Banco da Igreja com Adoradores” 1882, Museu Kröller-Müller, Otterlo, Holanda (foto: Domínio público)

Uma Missa matinal sonolenta revela a extravagância da misericórdia de Deus

"Meu querido Deus, somos idotas até que o Senhor nos dê algo. Até mesmo ao rezar, é o Senhor que tem que rezar em nós." - Flannery O'Connor

Como de costume, chego atrasado à Missa das 7 horas da manhã em um dia de semana e me esgueiro até o último banco para ouvir o Evangelho. É aquele sobre Deus conhecer cada pardal e contar todos os nossos cabelos. Imagino que Ele deve saber, então, que eu pretendia chegar à igreja na hora certa. "Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo… Glória a vós, Senhor." Eu bocejo.

Depois da homilia, o Pe. Andrew começa a liturgia Eucarística, e eu começo a me animar um pouco. O Prefácio, o Sanctus e nos ajoelhamos. Durante o Cânon, percebo uma irritação no olho esquerdo - sem dúvida, alguns restos de remela escaparam do meu banho matinal. No momento em que começo a esfregá-la, o Pe. Andrew se inclina para a frente no altar: "Fazei isto em memória de mim". Ele levanta a hóstia consagrada; o coroinha toca o carrilhão; lá está o próprio Deus pairando logo à frente, convidando à minha adoração.

"Ah, meu Deus, me perdoe", eu rezo mal e porcamente. "Que bagunça! Eu totalmente distraído, mexendo no meu rosto, e aí estais, Senhor".

Qual o objetivo disso? Não estou sintonizado; não estou realmente engajado; trouxe pouco mais que minha presença física e respostas mecânicas. Não estou nem perto do que Romano Guardini consideraria o mínimo necessário. "Para participar da liturgia com seriedade, precisamos estar mentalmente compostos", escreve ele. "Devemos ser capazes de dizer honestamente: 'Agora estou aqui. Só tenho uma coisa a fazer: participar com todo o meu ser da única coisa que conta, a celebração sagrada. Estou totalmente pronto'".

Em contraste, neste dia, eis o que posso dizer com honestidade: "Vou estar convosco, Senhor Deus, assim que eu tirar a remela do meu olho". O Monsenhor Guardini balança a cabeça decepcionado.

E aí me dei conta: O que eu acabara de murmurar internamente era de fato uma oração. Eu estava, de fato, voltado para Deus e me dirigindo a Ele (embora, reconhecidamente, com um pouco de atrevimento). Eu poderia estar atrasado e preocupado quando me sentei no banco, mas ainda estou aqui, na presença de Deus, desfrutando da liturgia, dizendo a Ele o que está em meu coração - mesmo que seja apenas reclamando de minhas fragilidades humanas. E estou contrito e faminto pela Eucaristia. Não é melhor eu estar aqui, distraído e esfregando o rosto, do que não estar aqui? É um ponto de partida, uma oportunidade, e meus fracos pensamentos divinos me inclinam em direção da compostura litúrgica de Guardini.

Vamos encarar os fatos: Deus não tem vergonha e faz de tudo para nos atrair para Si. Ele nos persuade e seduz, incita e convence - perseguindo-nos até o céu. Ele até usa meu lapso fugaz de decoro litúrgico. É realmente embaraçoso e quase gera alguma simpatia pelo demônio: Não sabemos realmente por que Lúcifer se rebelou contra Deus, mas a opinião mais comum é que ele simplesmente não conseguia suportar o amor extravagante do Pai por um homem finito e de olhos remelentos - um amor que levaria à Encarnação e à nossa redenção.

E é a Encarnação que me dá esperança, pois significa que o Senhor tem algum conhecimento direto do que estamos enfrentando como seres humanos. Como escreve o Pe. Ian Ker, Deus assumiu "tudo o que é parte integrante do ser humano" - exceto o pecado, é claro, mas o pecado não é realmente humano. Afinal, fomos criados à imagem de Deus e nosso pecado distorce, em vez de definir, nossa natureza.

Ainda assim, isso deixa muito espaço para a mutabilidade do cotidiano. "Como espíritos, pertencem à eternidade, mas, como animais, habitam a temporalidade", como está explicado em Cartas de um Diabo a seu Aprendiz de C.S. Lewis. "Isso significa que, enquanto seus espíritos podem ser direcionados para um objeto eterno, seus corpos, suas paixões e sua imaginação estão em constante mudança".

Por que isso não seria verdade para o Deus-homem? Como quando o menino Jesus perdeu a noção do tempo conversando com os anciãos em Jerusalém; não há pecado nisso. Da mesma forma, posso imaginar aquele menino inquieto na sinagoga em um sábado quente - uma possibilidade que pode informar como nós mesmos reagimos a crianças indisciplinadas no banco da igreja. E o que dizer de um Jesus que cochila durante uma longa leitura de Isaías? Quando sua mãe o desperta, será que ele pode levantar a mão para esfregar o sono antes de voltar sua atenção novamente para a adoração?

A chave aqui é não se deixar distrair por nossas distrações demasiado humanas quando estivermos na Missa ou na oração. Não há falha moral em atender a estímulos sensoriais como olhos irritados, nem há falha em pensamentos errantes ou devoção desviada - e eles não são dignos de fixação escrupulosa. "Partir à caça das distracções seria cair nas suas ciladas", diz o Catecismo, "basta regressar ao nosso coração" (2729). Há uma humildade nisso e uma oportunidade: Nós nos distraímos; reconhecemos nossa distração; voltamos a nos concentrar em Deus; repetimos.

"É aí que se situa o combate:", continua o Catecismo, "na escolha do Senhor a quem servir". Aí também está a ironia, pois se continuarmos escolhendo e nos voltando para Ele, Ele fará todo o trabalho. "Pois não sabemos o que pedir como convém", escreve São Paulo aos Romanos (Rm 8,26), "mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis". Demonstramos nossa escolha por Deus ao nos colocarmos próximos a Ele - temporalmente, espiritualmente, liturgicamente - e, assim como os soldados que vão para a batalha, não devemos ser impedidos por nossa falta de preparo. Ele preencherá as lacunas e, ao fazê-lo, nos levará a cultivar a serenidade que tornará nossa oração ainda mais proveitosa no futuro.

No meu caso, isso significa decidir acordar cinco minutos mais cedo da próxima vez que for à Missa matinal - e talvez acrescentar um segundo jato de água no rosto.

Autor: Rick Becker

Original em inglês: National Catholic Register