Ave Maria, Concebida Sem Pecado

01/06/2025

A Santíssima Virgem Maria precisava de um salvador? Como os católicos podem acreditar que ela não tinha pecado quando a Bíblia diz que "todos pecaram"? Veja como.

Romanos 3,23 diz: "Todos pecaram e todos estão privados da glória de Deus". Primeira João 1,8 acrescenta: "Se dissermos: "Se dizemos que não temos pecado", enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós". Esses textos não poderiam ser mais claros para milhões de protestantes: 'Como alguém poderia acreditar que Maria estava livre de todo pecado à luz dessas passagens das Escrituras? Além disso, a própria Maria disse: 'Minha alma se alegra em Deus, meu salvador' em Lucas 1,47. Ela claramente entendeu que era uma pecadora se admite que precisa de um salvador'.

Não são poucos os protestantes que ficam surpresos ao descobrir que a Igreja Católica realmente concorda que Maria foi "salva". De fato, Maria precisava de um salvador! No entanto, Maria foi "salva" do pecado de uma maneira muito sublime. Ela recebeu a graça de ser "salva" completamente do pecado, de modo que nunca cometeu nem mesmo a menor transgressão. Os protestantes tendem a enfatizar a "salvação" de Deus quase que exclusivamente para o perdão dos pecados de fato cometidos. No entanto, a Sagrada Escritura indica que a salvação também pode se referir ao fato de o homem ser protegido de pecar antes do fato:

"Àquele que pode guardar-vos da queda e apresentar-vos perante a sua glória irrepreensíveis e jubilosos, 25ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo nosso Senhor, glória, majestade, poder e domínio, antes de todos os séculos, agora e por todos os séculos!" (Judas 1, 24-25),

Há seiscentos anos, o grande teólogo franciscano Duns Scotus(1)(2) explicou que cair em pecado poderia ser comparado a um homem que se aproxima de uma vala profunda sem se dar conta. Se ele cair na vala, precisará de alguém que baixe uma corda e o salve. Mas se alguém o avisasse do perigo à frente, impedindo que o homem caísse na vala, ele seria salvo de cair em primeiro lugar. Da mesma forma, Maria foi salva do pecado ao receber a graça de ser preservada dele. Mas, ainda assim, estava salva.

Mas e quanto a "todos pecaram" (Rm 3,23) e "Se dissermos: "Não temos pecado", enganamo-nos a nós mesmos e a verdade não está em nós" (1 João 1,8)? Será que "todos" e "se dissermos" não incluiriam Maria? À primeira vista, isso parece razoável. Mas essa maneira de pensar, levada à sua conclusão lógica, também incluiria Jesus Cristo na companhia dos pecadores. Nenhum cristão fiel ousaria dizer isso. No entanto, nenhum cristão pode negar os textos claros das Escrituras que declaram a plena humanidade de Cristo. Portanto, tomar 1 João 1,8 em um sentido estrito e literal aplicaria "se dissermos" a Jesus também.

A verdade é que Jesus Cristo foi uma exceção a Romanos 3,23 e 1 João 1,8. E a Bíblia nos diz que ele era em Hebreus 4,15: "Ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado". A questão agora é: existem outras exceções a essa regra? Sim - milhões delas.

Tanto Romanos 3,23 quanto 1 João 1,8 tratam do pecado pessoal e não do original. (Romanos 5 trata do pecado original). E também há duas exceções a essa norma bíblica geral. Mas, por enquanto, trataremos apenas de Romanos 3,23 e 1 João 1,8. A Primeira Carta de João 1,8 obviamente se refere ao pecado pessoal porque, no versículo seguinte, João nos diz: "Se confessarmos nossos pecados, ele, que é fiel e justo, perdoará nossos pecados e nos purificará de toda injustiça". Não confessamos o pecado original; confessamos pecados pessoais.

O contexto de Romanos 3,23 também evidencia que trata do pecado pessoal:

"Não há homem justo, não há um sequer, não há quem entenda, não há quem busque a Deus. Todos se transviaram, todos juntos se corromperam; não há quem faça o bem, não há um sequer. Sua garganta é um sepulcro aberto, sua língua profere enganos; há veneno de serpente debaixo de seus lábios, sua boca está cheia de maldição e azedume" (vv. 10-14).

O pecado original não é algo que fazemos; é algo que herdamos. Romanos 3 trata do pecado pessoal porque fala dos pecados cometidos pelo pecador. Com isso em mente, considere o seguinte: um bebê no ventre ou uma criança de dois anos já cometeu um pecado pessoal? Não. Para pecar, uma pessoa precisa saber que o ato que está prestes a realizar é pecaminoso e, ao mesmo tempo, engajar livremente sua vontade em realizá-lo. Sem as faculdades adequadas que lhes permitam pecar, as crianças antes da idade da responsabilidade e qualquer pessoa que não tenha o uso de seu intelecto e vontade não podem pecar. Portanto, existem e existiram milhões de exceções a Romanos 3,23 e 1 João 1,8.

Ainda assim, como sabemos que Maria é uma exceção à norma de "todos pecaram"? E, mais especificamente, há apoio bíblico para essa afirmação? Sim, há muito apoio bíblico.

Entrando, o anjo [Gabriel] disse-lhe [a Maria]: "Ave, cheia de graça, o Senhor é contigo". Perturbou-se ela com essas palavras e pôs-se a pensar no que significaria seme­lhante saudação. O anjo disse-lhe: "Não temas, Maria, pois encontraste graça diante de Deus" (Lucas 1, 28-30).

Muitos protestantes insistirão que esse texto é pouco mais do que uma saudação comum do arcanjo Gabriel a Maria. 'O que isso tem a ver com o fato de Maria não ter pecado?'. No entanto, a verdade é que, de acordo com a própria Maria, essa não foi uma saudação comum. O texto revela que Maria "perturbou-se ela com essas palavras e pôs-se a pensar no que significaria seme­lhante saudação" (Lucas 1,29). O que havia nessa saudação que era tão incomum para Maria reagir dessa forma? Podemos considerar pelo menos dois aspectos fundamentais.

Primeiro, de acordo com os estudiosos bíblicos (e também com o Papa João Paulo II), o anjo fez mais do que simplesmente saudar Maria. Na verdade, o anjo comunicou a ela um novo nome ou título (cf. Redemptoris Mater 8,9). Em grego, a saudação era kaire, kekaritomene, ou "salve, cheia de graça". De modo geral, quando alguém cumprimentava outra pessoa com kaire, um nome ou título era encontrado no contexto imediato. "Salve, rei dos judeus" em João 19,3 e "Cláudio Lísias, ao excelentíssimo governador Félix, saudações!" (Atos 23,26) são dois exemplos bíblicos disso.

O fato de o anjo substituir o nome de Maria na saudação por "cheia de graça" foi tudo menos comum. Isso seria análogo a eu falar com um de nossos técnicos da Catholic Answers e dizer: "Olá, aquele que conserta computadores".

Na cultura hebraica, os nomes e as mudanças de nome nos dizem algo permanente sobre o caráter e o chamado da pessoa nomeada. Basta lembrar as mudanças de nome de Abrão para Abraão (de "pai" para "pai de uma multidão de nações") em Gênesis 17,5, de Sarai para Sara ("minha princesa" para "princesa") em Gênesis 17,15 e de Jacó para Israel ("que se move com astúcia" para "guerreiro de Deus") em Gênesis 32,28.

Em cada caso, os nomes revelam algo permanente sobre a pessoa nomeada. Abraão e Sara passam de "pai" e "princesa" de uma família para "pai" e 'princesa' ou "mãe" de todo o povo de Deus (veja Rm 4,1-18; Is 51,1-2). Eles se tornam patriarca e matriarca do povo de Deus para sempre. Jacó/Israel se torna o patriarca cujo nome, "aquele que prevalece diante de Deus", continua para sempre na Igreja, que é chamada de "o Israel de Deus" (Gl 6:16). O povo de Deus "prevalecerá com Deus" para sempre à imagem do patriarca Jacó.

O que há em um nome? De acordo com as Escrituras, muito.

São Lucas utiliza o particípio perfeito passivo, kekaritomene, como seu "nome" para Maria. Essa palavra significa literalmente "aquela que foi agraciada" em sentido pleno e consumado. Esse adjetivo verbal, "agraciada", não está apenas descrevendo uma simples ação passada. O grego tem outro tempo verbal para isso. O tempo perfeito é usado para indicar que uma ação foi concluída no passado, resultando em um estado de ser presente. "Cheia de graça" é o nome de Maria. Então, o que isso nos diz sobre Maria? Bem, o cristão comum não está c plenamente e permanentemente na graça (cf. Fl 3, 8-12). Contudo, segundo o anúncio do anjo, Maria o está. Nós pecamos, não por excesso, mas por falta de graça, ou pela ausência da nossa cooperação com a graça em nossas vidas. Esta saudação do anjo é uma pista para o caráter único e a vocação singular da Mãe de Deus. Somente a Maria é dado o nome "cheia de graça", no tempo perfeito, indicando que este estado permanente de graça foi consumado nela.

A Arca da Aliança do Antigo Testamento era um verdadeiro ícone do sagrado. Por conter a presença de Deus simbolizada por três tipos do Messias que viria — o maná, os Dez Mandamentos e a vara de Arão —, ela precisava ser pura e intocada pelo homem pecador (cf. 2 Sm 6,1-9; Ex 25,10ss; Nm 4,15).

No Novo Testamento, a nova arca não é um objeto inanimado, mas uma pessoa: a Santíssima Mãe. Quão mais pura seria a nova arca, se considerarmos que a antiga foi apenas uma "sombra" em relação a ela (cf. Hb 10,1)? Esta imagem de Maria como Arca da Aliança indica que Maria seria justamente livre de toda contaminação do pecado para ser um vaso digno de levar Deus em seu ventre. E, o mais importante, assim como a arca da Antiga Aliança era imaculada desde o momento de sua construção, segundo instruções divinas explícitas em Êxodo 25, assim Maria seria pura desde o momento de sua concepção. Deus, por assim dizer, preparou sua própria morada tanto no Antigo quanto no Novo Testamento.

1 - A Arca da Aliança continha três "tipos" de Jesus em seu interior: o maná, a vara de Arão e os Dez Mandamentos. Em hebraico, mandamento (dabar) pode ser traduzido como "palavra". Compare: Maria carregou a realização de todos esses tipos em seu corpo. Jesus é o "verdadeiro [maná] do céu" (Jo 6,32), o verdadeiro "Sumo Sacerdote" (Hb 3,1) e "a palavra feita carne" (Jo 1,14).

2 - A nuvem da glória (hebraico Anan) representava o Espírito Santo, e ela "cobriu" a Arca quando Moisés a consagrou, em Êxodo 40,32-33. A palavra grega para "cobrir" encontrada na Septuaginta é a palavra episkiasei. Compare: "O Espírito Santo virá sobre ti e o poder do Altíssimo vai te cobrir com a sua sombra; por isso o Santo que nascer será chamado Filho de Deus" (Lc 1,35). A palavra grega para "cobrir" é episkiasei.

3 - Davi "saltou e dançou" diante da Arca quando ela era levada em procissão para Jerusalém, em 2 Samuel 6,14-16. Compare: Assim que Isabel ouviu a saudação de Maria, João Batista "saltou de alegria" em seu ventre (cf. Lc 1,41-44).

4 - Após uma manifestação do poder de Deus atuando por meio da arca, Davi exclama: "Como entrará a arca do Senhor em minha casa?" Compare: Após a revelação a Isabel sobre a verdadeira missão de Maria, que carregava Deus em seu ventre, Isabel exclama: "Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Senhor?" (Lc 1,43).

5 - A Arca do Senhor "Ficou a arca do Senhor três meses na casa de Obed-Edom" em 2 Samuel 6,11. Compare: "Maria ficou com Isabel cerca de três meses" (Lc 1,56).

É importante recordarmos que os cumprimentos da Nova Aliança são sempre mais gloriosos e mais perfeitos do que os seus tipos prefigurativos do Antigo Testamento, os quais são apenas "uma sombra dos bens futuros" prometidos na Nova Aliança (Hb 10,1). Tendo isso em mente, consideremos a revelação de Maria como a "Nova Eva". Após a queda de Adão e Eva em Gênesis 3, Deus prometeu o advento de outra "mulher" em Gênesis 3,15 — uma "Nova Eva" que se oporia a Lúcifer, e cuja "descendência" esmagaria a sua cabeça. Esta "mulher" e a sua "descendência" reverteriam, por assim dizer, a maldição que o "homem" e a "mulher" originais haviam trazido sobre a humanidade por sua desobediência.

É particularmente significativo notar que "Adão" e "Eva" são inicialmente apresentados apenas como "o homem" e "a mulher", antes que a mulher recebesse o nome de "Eva" (em hebraico, "mãe dos viventes") após a queda (cf. Gn 2,21ss). Quando voltamos nosso olhar para a Nova Aliança, vemos que Jesus é explicitamente chamado de "último Adão", ou "Novo Adão", em 1 Coríntios 15,45. E o próprio Jesus indica que Maria é a "mulher" profética de Gênesis 3,15 — a "Nova Eva" — ao referir-se a sua mãe como "mulher" em João 2,4 e 19,26. Além disso, São João refere-se a Maria como "mulher" oito vezes em Apocalipse 12. Enquanto a primeira Eva trouxe a morte a todos os seus filhos por sua desobediência e por escutar a voz da antiga serpente, o diabo, a "Nova Eva" do capítulo 12 do Apocalipse traz vida e salvação a todos os seus filhos por sua obediência. A mesma "serpente" que enganou a mulher original de Gênesis é revelada, em Apocalipse 12, como fracassando em sua tentativa de vencer esta nova mulher. A Nova Eva triunfa sobre a serpente e, como consequência, "Enfurecido por causa da Mulher, o Dragão foi então guerrear contra o resto dos seus descendentes, os que observam os mandamentos de Deus e mantêm o Testemunho de Jesus" (Ap 12,17).

Se Maria é a Nova Eva, e os cumprimentos do Novo Testamento são sempre mais gloriosos do que seus antecedentes do Antigo Testamento, seria impensável que Maria fosse concebida no pecado. Se o fosse, ela seria inferior a Eva, que foi criada em estado de perfeição, livre de todo pecado.

Autor: Tim Staples

Original em inglês: Catholic Answers