Amarás A Deus Com Todo O Teu Entendimento

10/06/2025
Os Quatro Evangelistas, de Abraham Bloemaert, c. 1612-15 [Museu de Arte da Universidade de Princeton, Princeton, NJ]
Os Quatro Evangelistas, de Abraham Bloemaert, c. 1612-15 [Museu de Arte da Universidade de Princeton, Princeton, NJ]

Católico significa universal, tudo. Uma grande reivindicação, uma reivindicação louca para o mundo. E o fiel que aspira a ser totalmente católico - especialmente em uma época fragmentada como a nossa - tem uma vocação exigente. Provavelmente, a frase mais comum que se ouve sobre a fé hoje em dia é a necessidade de "um relacionamento pessoal com Jesus Cristo". E isso é verdade. E é essencial. Há muita coisa contida nessa pequena frase. O próprio Jesus nos disse: "'Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento'. Esse é o maior e o primeiro mandamento. Nesses dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas". (Mateus 22, 36-40)

Palavras simples e familiares, mas o que elas significam para nós hoje?

Porque o que significa "coração" aqui - meramente emoções? Ou alma - alguma coisa "espiritual"? E o que significa entendimento? Além disso, a frase inteira vem da tradição judaica que remonta a Deuteronômio. (6,5) Os estudiosos das Escrituras podem ajudar aqui. Mas talvez o termo mais difícil para nós hoje seja "entendimento". A frase sobre o relacionamento pessoal com Jesus recebeu muita ênfase nas últimas décadas como um antídoto para um "cristianismo meramente proposicional", quase um tipo de ideologia, que alguns pensadores acreditavam ter substituído o amor de Deus pelo tipo de análise racional seca que os tomistas supostamente praticavam antes do Vaticano II.

Talvez sim, talvez não. Depende de quais filósofos e teólogos se está falando, porque as maiores figuras modernas, como o próprio Tomás, escreveram tratados de forma apaixonada e precisa a partir do amor a Deus do entendimento. Testemunhas do fato de que, novamente, o próprio Deus nos disse que devemos amá-Lo com nosso entendimento, bem como com nossos corações e almas.

Então, como fazemos isso hoje?

De várias maneiras, com certeza. Mesmo enquanto desenvolvemos esse relacionamento pessoal, há outras coisas que precisamos fazer, e não apenas se formos filósofos ou teólogos. Tudo em que estamos envolvidos - ciência, tecnologia, medicina, direito, negócios, educação, tarefas domésticas, esportes - tudo deve ser marcado pelo amor a Deus com todp o nosso entendimento, por mais difícil ou improvável que possa parecer. Porque a fé existe tanto para as práticas cotidianas simples do fiel, mas também deve estar presente em toda a gama de coisas humanas, se quiser ser fiel a si mesma no cumprimento do Primeiro Grande Mandamento.

Temos um novo e atraente papa agostiniano e, sem dúvida, todos nós estaremos aprendendo mais sobre Agostinho e o agostinianismo nos próximos meses e anos. Qualquer formação intelectual autenticamente católica é muito boa hoje em dia. E Agostinho é uma figura tão imensa - ele mudou toda a direção do pensamento cristão ocidental e, portanto, toda a história de nossa civilização - que o estudo atento dele e de sua obra enriquecerá a todos nós.

O único erro contra o qual devemos nos proteger, entretanto, é pensar que Agostinho trata apenas do coração ou da alma - e não também do entendimento. Ele se envolveu com uma corrente filosófica formidável e desastrosa em sua época, os maniqueístas (que acreditavam que havia dois deuses físicos, um bom e um mau, com todas as consequências que se seguiriam para os seres humanos e o mundo). Foi somente quando se reuniu com o grupo de platonistas em torno de Santo Ambrósio, em Milão, que ele finalmente se libertou e passou a entender o que significa ser espiritual e não material. Tudo isso faz parte do contexto que lhe permitiu escrever sua frase mais famosa: "Fizestes-nos para Vós e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós".

Isso deve nos alertar para a verdade de que a mente que não foi formada adequadamente pode ser um obstáculo para o coração e a alma. E isso é verdade não apenas para figuras do passado como Agostinho, mas para cada um de nós hoje, em uma época dominada pelo materialismo, pela tecnologia e pelo relativismo.

O cristianismo é uma fé que envolve o que há de mais elevado e mais baixo em nós, o mais simples e o mais complexo das coisas humanas. Seu escopo é tão grande que nenhum de nós pode compreendê-lo em sua totalidade. Mas podemos ver os contornos do que ela significa. E a Igreja desenvolveu uma tradição universal que se espalhou por todas as partes do mundo e transformou a cultura, a nação, a raça, a classe, tudo. E poderá fazê-lo novamente se estivermos familiarizados e confiantes em sua verdade.

Charles Péguy, um dos grandes e parcialmente esquecidos gênios católicos modernos, escreveu certa vez um poema no qual descrevia Jesus da seguinte forma:


Jesus Cristo, meu filho, não veio para nos contar frivolidades,
Durante o pouco tempo que tinha.
O que são três anos na vida de um mundo?
Na eternidade deste mundo?
Ele não tinha tempo a perder, e não perdeu seu tempo                                                                                       Contando-nos frivolidades e dando-nos charadas para decifrar.
Charadas muito espirituais.
Muito engenhosas.
Adivinhações de feiticeiro.
Com palavras de duplo sentido, malícias e mesquinhas sutilezas de sofistaria.
Não, Ele não desperdiçou seu tempo nem seu sofrimento,
Ele não tinha tempo,
Seus sofrimentos, sua grande, sua imensa dor…

Ele tinha uma missão a cumprir da parte de Seu Pai.
Cumpriu a missão que lhe fora confiada e retornou.
Ele veio, pagou (que preço!), e partiu.
Não se pôs a nos relatar coisas extraordinárias.
Nada é tão simples quanto a Palavra de Deus.
Ele nos disse apenas coisas muito ordinárias.
Muito ordinárias.
A Encarnação, a salvação, a redenção, a Palavra de Deus.
Três ou quatro mistérios.
A oração, os sete sacramentos.
Nada é tão simples quanto a grandeza de Deus

(O Pórtico do Mistério da Segunda Virtude)


Mas a simplicidade de Deus - Péguy está brincando com a ideia aqui - também é um desafio para nós: a Encarnação, a Salvação, a Redenção, a Palavra de Deus são coisas simples? Sim, mas somente depois de sermos ensinados pelo Espírito Santo e nos esforçarmos ao máximo para entendê-las e vivê-las.

Autor: Robert Royal

Original em inglês: The Catholic Thing