Ainda Há Pregos Sendo Cravados

10/05/2022
Um anjo mostra São João a Nova Jerusalém, com o Cordeiro de Deus no centro. Pintor desconhecido do século 11, c. 1000-1020.
Um anjo mostra São João a Nova Jerusalém, com o Cordeiro de Deus no centro. Pintor desconhecido do século 11, c. 1000-1020.

Os acontecimentos na Europa Oriental nos colocam face a face com o mistério que está no centro de nossa fé: há uma conexão misteriosa entre sofrimento e salvação.

Este não é um mero sentimento piedoso. Pelo contrário, é o mistério posto em movimento pela morte e ressurreição de Cristo. Suas origens estão nas relações da Trindade Divina, onde o Pai se derrama eternamente como Filho (Salvação), e o Filho eternamente devolve tudo ao Pai (Sofrimento). Certamente, porém, quando isso acontece em meio aos altos e baixos da história humana, seu significado assume uma aparência um pouco diferente.

Este profundo mistério está atualmente bem na nossa frente de várias maneiras. Cristo veio para nos salvar em um mundo hostil, onde o sofrimento faz parte do viver. Ele também veio para mudar aquele mundo hostil, para que o sofrimento assumisse um significado especial e colossal para todos. E ele mantém seu vínculo conosco por tudo isso. ""Eis que estou convosco todos os dias..."

O "mundo" é hostil a nós cristãos e à humanidade em geral. Jesus disse: "Se fôsseis do mundo, o mundo vos amaria como sendo seus. Como, porém, não sois do mundo, mas do mundo vos escolhi, por isso o mundo vos odeia". (João 15, 19) Há uma gloriosa proteção e poder que vem ao mundo com a Ressurreição. É este poder, o poder da Ressurreição que apenas ela nos guarda e nos tranquiliza no presente, e abre o futuro para a Jerusalém Celestial.

Esta é a mudança que Jesus operou: Ele está conosco, e nós estamos seguros com Ele na Igreja. Assim, apesar da denigração secular da Igreja e apesar das pessoas na Igreja que estão lutando para diminuí-la, Cristo está conosco de uma maneira que só nos é revelado pelo Tempo Pascal

Porque Ele é glorificado e ressuscitado, Ele está aqui independentemente do que pensarmos ou fizermos. Isso significa que o mundo hostil, ao qual foi permitido seguir seu curso por algum tempo ainda, permanece letal de várias maneiras. Mas como um barco na tempestade ou uma fortaleza em uma colina, a Igreja é onde a presença de Jesus faz dela um refúgio.

Jesus disse ao seu Pai: "Não peço que os tires do mundo, mas sim que os preserves do maligno." (João 17, 15) O Maligno ainda é nosso principal oponente e assim como Jesus teve que trilhar o caminho da Cruz, em um mundo que estava tramando sua morte, nós também temos. Não somos maiores que o Mestre. Se alguma vez houve um momento especial em que nos aproximamos de Cristo, é este.

Portanto, vivemos uma situação curiosa no mundo, mas não do mundo. Isso significa que ainda há pregos sendo cravados na carne humana. Sabemos disso pessoalmente em muitos casos. Nesse caso, é claro, há o espetáculo da guerra acontecendo na Europa. Os corpos nas ruas, as pessoas em luto, as valas comuns, os prédios explodidos e os crematórios estão todos de volta.

Em nosso mundo de classe média, muitas vezes podemos nos enganar pensando que temos tudo sob nosso controle.

A rotina - da Missa aos domingos, doações para instituições de caridade, ajudar os outros quando é conveniente para nós - mudou de repente e revelou seus limites estreitos.

Enfrentamos forças muito maiores do que nosso mundo confortável nos permitiu ver por muitos anos. Na realidade, sempre fomos desafiados por essas forças titânicas. Elas ficam logo abaixo da superfície. Lembre-se das palavras de Benjamin Franklin para a mulher que perguntou o que os Fundadores haviam feito na Convenção Constitucional na Filadélfia: "Uma República, se vocês puderem mantê-la."

Essas forças não são tão aparentes uma vez acomodados em uma vida confortável. Mas agora, com as notícias horríveis da Ucrânia, essas forças estão expostas diante de nós.

O fato de termos uma república traz consigo todos os tipos de obrigações sob o direito internacional, incluindo coisas como ajudar os países a defender seu direito à soberania e a justiça necessária para levar adiante sua vida cotidiana. O Papa Bento certa vez lembrou ao Parlamento alemão:

"Se se põe de parte o direito, em que se distingue então o Estado de uma grande banda de salteadores?» - sentenciou uma vez Santo Agostinho. Nós, alemães, sabemos pela nossa experiência que estas palavras não são um fútil espantalho. Experimentamos a separação entre o poder e o direito, o poder colocar-se contra o direito, o seu espezinhar o direito, de tal modo que o Estado se tornara o instrumento para a destruição do direito: tornara-se uma banda de salteadores muito bem organizada, que podia ameaçar o mundo inteiro e impeli-lo até à beira do precipício."

As horríveis contingências da vida com as quais muitas pessoas no mundo em desenvolvimento lidam diariamente estão agora presentes no primeiro mundo. E à medida que assumimos nossos deveres na fé, cada vez mais como transeuntes, estamos de volta com Jesus e no fio da navalha em que Ele andava diariamente. E tenhamos a esperança de pedir emprestado algumas de Suas palavras: "Esta... não causará a morte, mas tem por finalidade a glória de Deus." (João 11, 4).

Autor: Pe. Bevil Bramwell, OMI

Original em inglês: The Catholic Thing