Acenderam Uma Fogueira... 

16/04/2025

A jornada que começamos há quase seis semanas está quase no fim ou, parafraseando Churchill, é apenas o começo do fim. Estamos prestes a entrar no Tríduo Sagrado, a celebração litúrgica ininterrupta do Mistério Pascal, a vida, a morte salvadora e a Ressurreição de Nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo, o Alfa e o Ômega, o Senhor da história e da Criação, o Rei do Universo, Deus feito homem.

Ao passarmos por esses dias, precisamos estar prontos para reafirmar nossas promessas batismais no dia da Páscoa, algo de significado realmente profundo. Quando ouvimos a leitura da proclamação solene da Paixão, três personagens estão intimamente envolvidos na Paixão que, cada um à sua maneira, refletem aspectos de nossa própria vida cristã e dos quais podemos tirar certas lições para o futuro.

É bastante tradicional, é claro, tentar se identificar com os personagens dos relatos bíblicos, e poderíamos escolher quase qualquer um na narrativa da Paixão, pois há tantas e tão variadas figuras envolvidas. Até mesmo o que poderíamos chamar de "pequenas partes", ou os figurantes, têm um lugar na história.

Para nossa meditação do Tríduo, proponho Judas, São Pedro e São João. Judas, como sabemos, é a figura da traição, São Pedro, a figura da negação, e São João, a figura da fidelidade.

Se formos honestos conosco mesmos, momentos de humildade, traição, negação e fidelidade vêm e vão em nossa própria vida como cristãos. Talvez recuemos diante da sugestão de nos identificarmos com Judas, mas o que é um pecado grave se não uma traição ao Senhor?

O que é assumir posições públicas contra o ensino solene da Igreja, nossa "discordância" com dogmas difíceis, senão traição? Sabemos, infelizmente, que quando a Igreja é ativamente perseguida, muitas vezes são os próprios membros da Igreja que traem seus irmãos, geralmente por medo, mas também, muitas vezes, por avareza ou desejo de progresso.

Judas é a figura da traição, mas também a figura da conformidade, o homem da cultura, que quer fazer Cristo à sua própria imagem. Ele é o homem da Igreja que fica feliz em ser bem recebido e apoiado pelo dinheiro e pela influência do Estado; não imaginemos que uma "igreja patriótica" exista apenas na China - há muitos que representam uma igreja do Zeitgeist [espírito do tempo], ecoando insípidamente a última moda cultural, buscando "acompanhar" o pecado e o desvio, e falhando em pregar, com qualquer noção do que está em jogo, arrependimento e renovação.

Judas, infelizmente, parece incorporar outra característica da Igreja nestes tempos, de uma forma particular - ele carece de fé sobrenatural. Cristo, ou o Cristo de seus desejos e imaginação, de certa forma o traiu, porque Cristo não é um ator político.

O Senhor fala de outro mundo e da eternidade. Grande parte da liderança na Igreja parece focada no secular, negando completamente o transcendente. Para nomeações episcopais, coisas como comprometimento com a Agenda Verde devem estar bem no final da lista — e talvez um pouco mais da mensagem salvadora do Evangelho seja oportuno.

São Pedro é a figura com a qual, talvez, nos identifiquemos mais facilmente. Um homem simples e, frequentemente retratado nos Evangelhos como tolo, impulsivo – na verdade, às vezes bastante irrefletido. Se o arrependimento faz parte de nossas vidas, o que obviamente deveria ser, é perfeitamente justo que possamos nos ver nele.

No entanto, não devemos nos apressar demais em passar de sua negação do Senhor para seu arrependimento. Há um fogo de carvão ao redor do qual todos nós já nos sentamos, aquecendo nossos membros e negando nossa companhia a Cristo: Esse silêncio quando a fé é atacada, quando a Igreja é maltratada ou até mesmo, mais uma vez, quando deixamos de viver a plenitude da fé por causa do pecado e da fraqueza. Nós nos aquecemos ao lado da fogueira (ver João 18,18) da complacência, enquanto a sociedade desmorona, a Igreja é fraca, mas continuamos a aquecer nossas mãos em silêncio.

No entanto, as lágrimas de Judas e as lágrimas de Pedro são bem diferentes. As lágrimas de desespero também são lágrimas de traição, porque são lágrimas sem a esperança de perdão. As lágrimas de São Pedro foram lágrimas de arrependimento e contrição; foram lágrimas derramadas na própria Sexta-feira Santa, mas com a semente da Ressurreição.

São Pedro é realmente nosso patrono da confissão e da humildade. O próprio fato de os Evangelhos não encobrirem seu fracasso e sua fraqueza é um testemunho imenso e comovente de sua estatura, que, em outra fogueira de carvão, seria encarregado pelo Senhor de alimentar e fortalecer as ovelhas, precisamente porque ele havia conhecido a fraqueza e a traição, mas havia retornado em humildade.

São João, o discípulo amado, o único apóstolo que não traiu nem negou, que ficou ao pé da cruz com Maria, aquele que Jesus amava, é certamente nosso modelo e aquele que todos nós imaginamos ser (ou aquele que dizemos que teríamos sido se estivéssemos lá). É ele que precisamos ser, ou tentar nos tornar, ao renovarmos as promessas do batismo.

São João, com sua cabeça próxima ao coração de Jesus, caminhando com Maria, o pregador da Eucaristia, São João é o fiel da Igreja, que fala apenas do que "viu e ouviu" - o Evangelho da Redenção.

Os tempos futuros verão mais traições e mais negações, portanto devemos rezar pela graça da fidelidade. Como escreveu o Pe. Benedict Baur, os ramos de palmeira que seguramos no Domingo de Ramos são também símbolos do martírio. Prometemos ser testemunhas no Domingo de Páscoa, se necessário, até o derramamento de sangue. Que Judas nos sirva de alerta, e que São Pedro e São João nos inspirem e nos ajudem no caminho à frente.

Autor: Pe. Benedict Kiely

Original em inglês: The Catholic Thing


Sugestão de Leitura:

A Vida Espiritual, Pe. Benedikt Baur