A Igreja Católica É Um Castelo De Cartas?

13/07/2021

Tenho notado um medo que permeia muitas discussões católicas sobre os problemas da Igreja hoje. Quer o assunto seja algo que o Papa Francisco disse, ou o papel do Vaticano II, ou as últimas besteiras burocráticas da Conferência dos Bispos dos EUA há o temor de que aconteça algo que lese a religião católica - que a Igreja Católica seja um castelo de cartas que em qualquer minuto possa entrar em colapso.

Se, por exemplo, alguém nota publicamente que o Papa Francisco contradiz diretamente algo que o Papa São João Paulo II (ou o Papa São Pio X ou qualquer papa anterior) ensinou, isso pode levar a um efeito dominó contundente: se um papa contradisser outro, então a infalibilidade papal pode ser falsa, e se a infalibilidade papal for falsa, então o Vaticano I está minado, e se o Vaticano I está minado, então os concílios ecumênicos podem estar errados, e se os concílios ecumênicos podem estar errados, então a Igreja não é protegida pelo Espírito Santo, e se a Igreja não é protegida pelo Espírito Santo, então as promessas de Cristo à Igreja são falsas, e se as promessas de Cristo são falsas, então toda a religião Católica é falsa. É uma queda vertiginosa para o desespero.

Eu sinto esse medo particularmente entre aqueles católicos que realmente acreditam em todos os ensinos da Igreja Católica e vêem o catolicismo como a única fé verdadeira. Ele se manifesta quando algum meio de comunicação católico - como a Crisis Magazine - publica um artigo que critica o papa (o atual ou anterior), o Vaticano II ou os bispos. A preocupação costuma ser expressa como algo do tipo: "Por que você diz coisas negativas sobre os líderes da Igreja? Isso só afastará as pessoas do catolicismo. Não vai atrair ninguém." Mas a preocupação é muito mais profunda.

Nesta visão, o catolicismo está sempre oscilando à beira do colapso e, portanto, os católicos devem fazer tudo o que pudermos para protegê-lo até mesmo do menor desafio. Mesmo assim, o catolicismo é muito mais forte do que esses defensores inseguros, embora sinceros, acreditam que seja. Um estudo profundo da história católica irá dissuadir a idéia de qualquer pessoa que pense que a Igreja não pode lidar com maus prelados, maus papas ou mesmo maus concílios.

Olhe para o século IV: a maioria dos bispos eram hereges. Eles abraçaram e promoveram o arianismo, que negava a divindade de Cristo. Por isso, no século 5, a violência entre os cristãos foi generalizada enquanto os líderes da Igreja debatiam a cristologia da Igreja - os monges literalmente agrediam na rua os bispos que eles acreditavam ser hereges. Um concílio aparentemente ecumênico proclamou a doutrina herética e que mais tarde teve que ser condenada. Quase 1.000 anos depois, o Grande Cisma do Ocidente causou estragos na Igreja, pois três homens diferentes alegaram ser papas e os católicos comuns não tinham como saber quem era o legítimo e quem era um impostor.

Muitos católicos sabem pelo menos um pouco sobre essa história, mas muitas vezes minimizamos inconscientemente seu impacto. Hoje sabemos que a fé católica prevaleceu no final de cada caso, mas na época cada uma dessas disputas era como uma crise existencial para a maioria dos católicos - a Igreja sobreviveria? Não somos os primeiros católicos a viver em uma época de crise severa.

Muitos católicos hoje se contentam em falar sobre crises históricas enquanto encobrem nossa crise atual. Criticar os líderes eclesiais de hoje está fora de questão, embora possamos condenar os bispos arianos de séculos atrás. De alguma forma, criticar a Igreja de hoje poderá deixar os católicos perdidos, mesmo que eles saibam que os hierarcas do passado eram pecadores, heréticos e até simplesmente horríveis.

Posso entender esse impulso - pelo menos o sentimento por trás dele. Afinal, quem gostaria de ingressar ou mesmo permanecer em uma organização que apresenta falhas profundas? E é verdade: muitas pessoas abandonam a fé devido aos vários escândalos e crises na Igreja de hoje.

Mas isso não é um sinal de que existem muitos críticos na Igreja; é um sinal de que o "sistema imunológico" católico está fraco. Um sistema imunológico robusto não é aquele que nunca é desafiado - é aquele que pode resistir aos desafios e combatê-los. Uma pessoa que foi exposta a muitos vírus e doenças geralmente é muito mais forte do que aquela que foi isolada do mundo exterior. Esconder nossos problemas apenas nos deixa, enquanto católicos, com um fraco sistema imunológico da fé - quando eles descobrem sobre o escândalo X ou a crise Y (e eles descobrirão), a fé deles desmorona. Muito mais saudável é a fé que conhece a história da Igreja, bem como a situação atual, e é capaz de manter os olhos em Cristo.

Dizem que devemos esconder nossas manchas porque as más notícias não evangelizam. No entanto, esconder manchas não é evangelização, é marketing. Evangelização é a proclamação da verdade, e às vezes a verdade pode ser incômoda ou mesmo escandalosa. Isso significa que devemos ficar obcecados com más notícias? Não, isso seria tão desequilibrado - e contrário à verdade - como fingir que não existe. Devemos sempre colocar as más notícias em perspectiva, e essa perspectiva são as infinitas graças derramadas sobre a Igreja - e sobre nós por meio da Igreja.

As organizações mais fortes são aquelas que são anti-frágeis. Ser anti-frágil é ficar mais forte, não mais fraco, diante dos agressores. Uma seita é inerentemente frágil, porque qualquer deslize do líder da seita pode levar ao seu colapso total. A Igreja Católica é inerentemente anti-frágil: ela passou por crises seguidas e superou todas elas. Sua sobrevivência não depende de bons prelados ou bons papas (embora esses a ajudem a florescer). Sua instituição divina não significa que ela seja imune as crises humanas, mas que as supere.

Essa superação pode levar anos, até décadas ou séculos às vezes. Portanto, quando estamos no meio de um período significativo de crise - como estamos hoje - pode parecer que nunca vamos sair dela, que a Igreja acabará falhando. Isso evoca temores e nos faz querer encobrir as manchas em um esforço para proteger a Igreja. Mas a Igreja não precisa de proteção. Ela não é um castelo de cartas; ela é uma fortaleza construída sobre Jesus Cristo, a Rocha que nunca se desintegra. Os católicos não têm nada a temer ao expor a roupa suja; muito pelo contrário, sabemos que expor escândalos, heresias e corrupção pode ser um processo de fortalecimento da imunidade que torna nossa fé não mais fraca, mas mais forte.

Autor: Eric Sammons

Original em inglês: Crisis Magazine