A Esperança Da Quaresma

26/02/2023
Madalena Penitente por Tintoretto - Museu Capitolino, Roma (1598-1602)
Madalena Penitente por Tintoretto - Museu Capitolino, Roma (1598-1602)

O jejum gera fome. A esmola limita nossos desejos pessoais. O tempo de oração retira do "tempo para mim". A tríplice disciplina da Quaresma atinge o âmago de nossos instintos egocêntricos.

Ao lutar contra essas dores egoístas, sentimos intensamente o drama de nossa salvação se desenrolar em nossos próprios corpos. Cristo Nosso Senhor, ao abandonar as expectativas da vida secular, abriu o caminho para a vida eterna que não é marcada pela fome e amor de si mesmo, mas contentamento e amor a Deus. A oração, o jejum e a esmola nos ajudam a sentir nossa fraqueza, nossa vulnerabilidade, nosso desamparo - tudo isso revela nossa total dependência de Deus para nossa salvação.

Na nossa fraqueza e dependência reside a esperança da Quaresma.

A história da salvação ensina, repetidamente, a futilidade dos esforços sem Deus, de afirmar nossa própria vontade na busca de objetivos mundanos. Os reis de Israel escolheram "seguir sozinhos" sem Deus; por sua insolência, eles perderam a Arca da Aliança, o Templo e seu próprio reino.

Força e feitos poderosos não são os caminhos para Deus, que, invertendo as suposições mundanas, "o que é fraco no mundo, Deus o escolheu para confundir os fortes ... assim, nenhuma criatura se vangloriará diante de Deus.". (1Cor 1, 27-28) Os Evangelhos registram história após história de Deus exaltando aqueles que imitam a Cristo com um coração manso e humilde: Jairo, o centurião; a mulher com hemorragia; Maria Madalena.

Esses heróis bíblicos se aproximaram de Cristo não com coisas materiais ou atos arrogantes, mas com "sacrifício aceitável a Deus" - "um coração contrito e humilhado" (Sl 51, 19). Em seu momento mais desesperador, esvaziado do orgulho teimoso que assombra a todos nós, Cristo os encheu com Sua graça, pois "porque os olhos do Senhor estão sobre os justos" (1Pd 34, 15).

O coração contrito é um dom de Deus que não vem sem custo - sua formação requer sacrifício, o que nos obriga a abrir mão de coisas que amamos. A cada Quaresma, a Igreja oferece as armas da oração, do jejum e da esmola para facilitar nossa contrição e realizar o auto-esvaziamento que deve acontecer para que as graças pascais se apoderem de nós.

Uma vez que essas ações piedosas são repugnantes à nossa natureza, nossas barrigas que roncam e desejos castigados podem gerar autopiedade, exatamente o oposto do auto-esvaziamento ao qual somos chamados. Podemos interpretar mal esses momentos como sinais de fracasso, de que não estamos alcançando os objetivos da Quaresma nem cumprindo o chamado de Deus para morrermos para nós mesmos.

Mas os momentos de autopiedade motivados pelo jejum não são sinais de fracasso - são lembretes essenciais de nossa dependência radical de Deus, da necessidade de um salvador que não seja o próprio eu. Nossos sacrifícios quaresmais são atos de fidelidade a Deus. Esses atos são essenciais para nossa vida espiritual, mas não nos salvam, embora às vezes sejamos tentados a pensar que sim. São sinais exteriores da nossa disposição interior, que, sobretudo na Quaresma, pode ser preenchida por boas intenções perpetuamente oprimidas pela concupiscência humana.

A Quaresma nos lembra que a batalha da salvação não consiste apenas em domar nossas vontades. Pois, como ensina São Paulo, "o nosso combate não é contra o sangue nem contra a carne, mas contra os Principados, contra as Autoridades, contra os Dominadores deste mundo de trevas, contra os Espíritos do Mal, que povoam as regiões celestiais" (Ef 6, 12). Somente Cristo pode nos resgatar dessas forças mundanas e sombrias, e Ele só o fará quando percebermos nossa dependência radical dEle.

Em vez de desanimar com os desconfortos da Quaresma, podemos transformar cada um deles em oração. Primeiro, como o cego sentado na estrada perto de Jericó, sentindo nossa impotência, clamamos por ajuda divina: "Jesus, filho de Davi, tem compaixão de mim!" (Lc 18, 38).

Em segundo lugar, nós os redirecionamos, embora conscientes de que eles não desaparecerão misteriosamente, implorando a Deus que não permita que nossos desejos naturais nos consumam. Não podemos nos esvaziar sem Sua ajuda. "Procurei o Senhor e ele me atendeu, livrou-me de todos os temores" (Sl 33,5).

Que Deus nos responda e nos livre é a esperança da Quaresma. Em meio aos desafios do mundo, Ele não nos abandonará. Ele faz isso não porque controlamos perfeitamente nossos desejos, mas porque Ele nos ama. E as penitências extras que assumimos na Quaresma provam a nós mesmos, mais do que a Ele, que Seu amor vale mais do que qualquer outra coisa em nossas vidas. A fidelidade de Cristo ao Pai custou-lhe a vida. A nossa fidelidade também tem um preço: "Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la" (Mt 16, 25).

Durante a Quaresma, "ocupa o último lugar" (Lc 14,10), pois é aí, e só aí, que nos lembramos do quanto precisamos de Deus. Enquanto lutamos, lembremo-nos de que cada desconforto nos coloca na Via Dolorosa com nosso Senhor, e esses desconfortos não são sinais de fracasso, mas de redenção: "Fui crucificado junto com Cristo. Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 19-20).

Autor: David G Bonagura, Jr.

Original em inglês: The Catholic Link