A Conversa Com Deus
![São Domingos em Oração, de El Greco, c. 1605 [Museu de Belas Artes, Boston]](https://6323b73651.clvaw-cdnwnd.com/24b39ffcea37433b4ba1d3b1f650338a/200003003-2725b2725c/El%20Greco.jpeg?ph=6323b73651)
A oração, uma conversa indescritível com Deus, confunde muitos, como nos diz São Paulo: "porque não sabemos o que devemos pedir, nem orar". (Romanos 8,26) O Espírito, que ora em nós "com gemidos inexprimíveis" (Romanos 8,26), sonda nossos corações, revelando nossos segredos mais íntimos, medos, sonhos e desejos. Essa revelação interior perturba nossa consciência, pois a profundidade do nosso pecado se torna uma realidade.
Mas também a profundidade do amor do Pai, revelada a nós por meio de Jesus e do Espírito, assusta nossas almas, pois experimentamos o poder e a presença de Sua pureza, purificando nossos corações enfraquecidos. O Amor Divino está totalmente além da compreensão, como explica São Paulo: "Coisas que os olhos não viram, nem os ouvidos ouviram, nem o coração humano imaginou, tais são os bens que Deus tem preparado para aqueles que o amam" (1 Coríntios 2,9).
Isso intimida nossos corações. Não conseguimos compreender a amplitude, a altura e a profundidade do Amor Divino que deseja se envolver em nossas vidas. No entanto, é isso que é a oração. Não se trata tanto de nossa conversa com Deus, mas sim de Deus falando diretamente conosco, como fez com Moisés, face a face.
Tal intimidade perturba nossa estabilidade. Sentindo-nos indignos por causa de nossos pecados, nos escondemos do Amor Divino como Adão e Eva fizeram, envergonhados, porque nossos pecados nos desumanizam. Indignos, nos escondemos em vez de nos envolvermos. Fugimos em vez de nos convertermos. Congelamos, sentindo-nos expostos, sem confiar em Deus, pois não confiamos em nós mesmos.
A oração expõe o nosso íntimo não só à nossa consciência, mas também ao nosso Pai, fazendo-nos sentir desconfortavelmente autoconscientes. No entanto, o Pai fala-nos de coração para coração, não para nos intimidar, mas para nos afirmar. A afirmação é o objetivo da oração, afirmar o quanto somos amados pelo Pai.
Na sua Carta Apostólica Novo Millennio Ineunte, São João Paulo II reflete sobre o nosso encontro com a transcendência de Deus: "a oração pode progredir, sob a forma dum verdadeiro e próprio diálogo de amor, até tornar a pessoa humana totalmente possuída pelo Amante divino, sensível ao toque do Espírito, abandonada filialmente no coração do Pai" (33).
Por meio da oração, o Pai fala, revelando-nos como Seus filhos. Ele nos dá Sua identidade, e nos tornamos um com Ele, participando de Sua vida. Na oração, Ele revela Seu Filho, que veio para nos encontrar, nos alimentar e nos salvar de nossas reservas e dúvidas. Não estamos mais perdidos e abandonados, mas irradiando o Amor Divino.
Durante a oração, o Pai revela Seu amor afirmativo, ensinando-nos não só o que significa ser filho, mas, mais importante, como sê-lo. Ele, por meio do Filho e do Espírito, infunde-Se em nosso próprio ser. Essa graça, o dom de Deus de Si mesmo transformando nossas vidas, nos converte de viver exclusivamente para a riqueza criada a buscar a fonte desses tesouros terrenos, o próprio Pai. Cheios de graça, nós, como Maria, irradiamos Cristo glorificado.
O Espírito Santo abre Seu tesouro para nós, revelando nossa beleza e bondade, se nos valermos de Sua graça. Abrir-nos ao Espírito revela "o poder, a riqueza, a sabedoria, a força, a glória, a honra e o louvor" (Apocalipse 5,12) de Cristo que habita em nós, se O seguirmos.
São Paulo ensina isto: "que vos conceda, segundo seu glorioso tesouro, que sejais poderosamente robustecidos pelo seu Espírito em vista do crescimento do vosso homem interior. Que Cristo habite pela fé em vossos corações" (Efésios 3, 16-17).
A sabedoria descobre a riqueza da Sua glória. A sabedoria, a lâmpada que ilumina o nosso intelecto, toca a nossa alma, tornando-nos ricos em graça: a vida e o amor de Deus. Esta riqueza compreende os pensamentos de Deus e recebe graciosamente todos os dons do Espírito para que possamos interpretar corretamente as Verdades Divinas, pois "o Espírito ensina" (I Coríntios 2, 13).
Possuir o Espírito por meio da oração "faça de nós uma eterna oferenda" (Oração Eucarística III) de volta ao Pai.
Por meio da oração, o Espírito Santo insufla vida divina em nossos corações. Nosso coração, um abismo ansiando por vida divina, participa do amor redentor de Deus quando é dócil ao Espírito. A docilidade, a capacidade de receber dons e verdades divinas, dá força às nossas fraquezas, discernimento aos nossos dilemas, coragem no confronto, paz em tempos de conflito e, principalmente, segurança em tempos de dúvida.
Como afirmou São João Paulo II: "Assim o mesmo Espírito Santo não só nos leva a rezar, mas também nos guia «de dentro» na oração" (Dominum et vivificantem, 65). Sua presença confere à nossa oração uma dimensão divina, porque "aquele que perscruta os corações sabe qual o desejo do Espírito; pois, é segundo Deus que ele intercede pelos santos" (Romanos 8,27).
A oração, instigada pelo Espírito Santo, invoca o amor do Pai. Cada oração, então, é uma invocação, permitindo que o Espírito Santo atue em nossas vidas, seja nos dando força para perseverar, compreensão para resolver dificuldades ou percepções sobre o plano divino de salvação.
Invocar Deus requer confiança. Sem confiança, como adverte São Tiago, nossas orações ficam sem resposta, não porque não estamos orando, mas porque estamos orando de maneira errada (Tiago 4,3). Nossas intenções são distorcidas. Em vez de ordenar corretamente nossas vidas de acordo com os caminhos de Deus, queremos que Deus ordene corretamente Seus caminhos aos nossos. Isso distorce a oração de buscar, bater e pedir para receber o que o Espírito quer dar.
Temos que nos valer constantemente das inspirações do Espírito, seguindo o conselho de São Paulo: "Com orações e súplicas de toda a sorte, orai em todo tempo, no Espírito, e para isso vigiai com toda perseverança e súplica por todos os santos" (Efésios 6, 18).
A verdadeira oração busca constantemente a justificação, nosso desejo de sermos justos aos olhos de Deus, não hipócritas. Ela impulsiona nossa santificação, na qual nossa pecaminosidade é transformada em santidade. O Espírito, assim, nos prepara para a glorificação. Na glória, nos regozijamos e exaltamos, pois nós, a noiva de Cristo, imbuídos de graça, realizamos "a conduta justa dos santos" (Apocalipse 19, 8).
Autor: Pe. Thomas Kuffel
Original em inglês: The Catholic Thing