A Confusão Sobre A Morte Cerebral

07/08/2025

Se uma mulher pode gestar um bebê enquanto está em "morte cerebral", então o que realmente significa morte cerebral?

Recentemente, uma mulher da Geórgia, Adriana Smith, ganhou as manchetes por dar à luz por cesariana... após ter sido declarada em morte cerebral por três meses. Embora a morte cerebral tenha se tornado um critério normalizado para morte no mundo ocidental, não estou muito convencida de que devamos aceitar cegamente essa norma sem um exame mais aprofundado.

Para isso, é necessário mergulhar na história e na origem da classificação da morte cerebral. Antes do desenvolvimento dos ventiladores, qualquer pessoa que sofresse uma cessação permanente e irreversível das funções cerebrais integradas — também conhecida como morte cerebral — não seria capaz de respirar por conta própria e sofreria perda das funções cardiovasculares e respiratórias. Em outras palavras, morreria. Com o avanço da tecnologia médica ao longo do século XX, no entanto, tornou-se possível continuar com as funções cardiovasculares e respiratórias mesmo com morte cerebral.

Como resultado, no final da década de 1960, o conselho médico de Harvard começou a discutir a possibilidade de classificar a morte cerebral como morte total da pessoa humana. Isso foi controverso, considerando que a cessação da função de um único órgão nunca foi o padrão para determinar a morte. Em vez disso, tanto os batimentos cardíacos quanto a função respiratória eram os processos padrão considerados para decidir se alguém havia morrido ou não. Portanto, adicionar um novo padrão para determinar a morte não seria simples.

No entanto, as razões do comitê para considerar esse novo critério não eram totalmente inocentes. Em vez disso, muitos foram motivados por um pensamento utilitário (1). Se mais pessoas fossem classificadas como mortas por esse padrão, isso significaria que mais órgãos viáveis estariam disponíveis para doação.

De acordo com o presidente Henry Beecher (2), não seria benéfico "continuar a tolerar o descarte de tecidos e órgãos quando eles poderiam ser usados para restaurar indivíduos que, de outra forma, estariam irremediavelmente doentes, mas ainda recuperáveis" (3). Além disso, ele sugeriu que "qualquer que seja o nível que escolhemos para definir a morte, é uma decisão arbitrária. Morte do coração? ... Morte do cérebro? ... É melhor escolher um nível em que, embora o cérebro esteja morto, a utilidade de outros órgãos ainda esteja presente" (4). Assim, sua principal preocupação era como obter o máximo de órgãos viáveis para doação, e não desenvolver uma antropologia sólida em torno da morte da pessoa humana.

De acordo com a compreensão católica, o momento da morte é algo que a ciência ou a medicina não conseguem identificar diretamente. Isso porque entendemos a morte como o momento em que a alma se separa do corpo, o que não pode ser observado ou medido por métodos físicos. A morte cerebral, portanto, é apenas um método para determinar se alguém já morreu, não o momento ou método exato de sua morte.

Em 2000, o Papa São João Paulo II discursou no Congresso Internacional da Sociedade de Transplantes sobre este tema, sugerindo que julgar alguém como morto usando o critério da morte cerebral "não parece contrastar os elementos essenciais duma sólida antropologia". Em outras palavras, João Paulo II tolera cautelosamente esse critério, com a ressalva de que os profissionais de saúde devem ter "certeza moral" ao chegar a um julgamento sobre o estado de um indivíduo: vivo ou morto.

Essa cautela é compreensível, considerando casos como o de Adriana Smith. Como uma mulher morta poderia gestar seu bebê por meses? Outros casos, como o de Jahi McMath (5), de treze anos, também revelam que pacientes com morte cerebral podem passar por mudanças associadas à puberdade. Tais circunstâncias proporcionam o tipo de certeza moral que João Paulo II exige?

Não acredito que seja assim. Isso é especialmente verdadeiro depois de considerar pesquisas envolvendo neurologistas americanos que sugerem "preocupação (ou confusão) sobre se [a morte cerebral] marca o ponto de perda irreversível das funções cerebrais". Como os neurologistas são os principais médicos que diagnosticam a morte cerebral, é sem dúvida preocupante que haja confusão quanto aos critérios para o diagnóstico.

Além disso, este estudo sugere que a maioria dos neurologistas considera mortos os pacientes que não apenas perderam a atividade cerebral integrativa, mas também perderam a capacidade de ter consciência de si mesmos. Isso significa que pacientes em estado vegetativo permanente, que conseguem respirar por conta própria e têm ciclos normais de sono-vigília, seriam considerados "mortos" pela maioria dos neurologistas. Isso entraria em conflito com uma antropologia cristã sólida, uma vez que nossa antropologia sugere que a personalidade vem da alma e do corpo únicos, feitos à imagem de Deus — não da consciência ou das habilidades cognitivas de alguém.

Claramente, não há clareza sobre essa questão entre a comunidade neurocientífica, e a "certeza moral" necessária para fazer tal diagnóstico parece... bem, difícil de se obter.

Isso não significa que as pessoas que experimentam morte cerebral estejam certamente vivas. Significa apenas que elas poderiam estar, e não devemos aceitar cegamente que todos os pacientes com morte cerebral estão mortos sem ter avaliado cuidadosamente o caso de cada indivíduo. Só então podemos alcançar a certeza moral e saber a melhor maneira de proceder medicamente com o indivíduo, tendo em mente a dignidade que Deus lhe deu.

Autora: Emily Torres

Original em inglês: Catholic Answers


Notas:

(1) - Utilitarismo é uma corrente filosófica que foi criada no século XVIII pelos filósofos britânicos Jeremy Bentham (1748-1832) e John Stuart Mill (1806-1873). Esse modelo é caracterizado por ser um sistema filosófico moral e ético onde uma ação útil é denominada como a mais correta, e daí surge seu nome. Nesse viés, a busca pelo prazer é uma importante característica. Portanto, as ações almejam um fim onde as consequências sejam focadas no prazer e na felicidade, bem como na utilidade desses atos. Sendo assim, ela investiga as ações e os resultados que proporcionam o bem-estar aos seres sencientes, ou seja, aqueles que de forma consciente possuem sentimentos. De modo empírico os homens são capazes de regular e escolher suas ações. Assim, torna-se possível e por meia da consciência alcançar o prazer, em detrimento do sofrimento e da dor.

(2) - Henry Knowles Beecher (4 de fevereiro de 1904 – 25 de julho de 1976) foi um anestesiologista, especialista em ética médica e pesquisador do efeito placebo na Faculdade de Medicina de Harvard.

(3) - Ethical Problems Created by the Hopelessly Unconscious Patient [Problemas éticos criados pelo paciente irremediavelmente inconsciente], New England Journal of Medicine, 278:1425-30.

(4) - The New Definition of Death. Some Opposing Views [The New Definition of Death. Some Opposing Views], Internationale Zeitschrift für klinische Pharmakologie, Therapie, und Toxikologie, 5:120–24.

(5) - Jahi McMath era uma menina de 13 anos que foi declarada com morte cerebral em 12 de dezembro de 2013, após uma complicação hemorrágica após uma cirurgia orofaríngea complexa. Seu caso ganhou atenção internacional quando sua mãe travou uma batalha judicial para mantê-la em suporte de vida. Após a emissão da certidão de óbito logo após a declaração de morte cerebral, Jahi foi transferida da Califórnia para Nova Jersey, onde a lei inclui uma isenção religiosa da determinação neurológica da morte. Lá, ela foi legalmente ressuscitada e tratada como uma paciente comatosa e viva pelos próximos quatro anos e meio. Durante esse tempo, ela passou pela menarca e outros aspectos da puberdade e desenvolveu uma resposta intermitente a comandos, documentada por testemunhos oculares e vários vídeos caseiros. Jahi morreu em 18 de junho de 2018, devido a complicações abdominais. … Seu caso representa um exemplo de diagnóstico falso positivo de morte cerebral, inquestionavelmente feito de acordo com as diretrizes pediátricas e adultas, reforçado por quatro EEGs falso positivos e um teste de fluxo sanguíneo com radionuclídeos falso positivo. As consequências bioéticas de um risco não negligenciável de declaração falsa positiva de morte são profundas. Fonte em inglês: NIH